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Debate entre Costa e Rio não ata nem desata

Costa acenou com um Orçamento chumbado e disse que Rio é um perigo para o país por ser “insensível”. Rio acenou com um bilhete da TAP e contrapôs que o perigo era o cenário em que o Bloco viesse a ter ministros.
Foto de PEDRO PINA/RTP/LUSA
Foto de PEDRO PINA/RTP/LUSA

O debate desta quinta-feira entre António Costa e Rui Rio foi muito mais prolongado do que aquilo a que tiveram direito os outros candidatos. Mas, apesar do tempo e de ser vendido pelas televisões como o “debate decisivo”, não o foi. Rio hesitou entre liberalizar o discurso e garantir que defende, a espaços, o Estado Social, António Costa jogou nesse vai-vem e trouxe à baila declarações e propostas do PSD para tentar mostrá-lo como “insensível”. Ausentes do debate ficaram temas como as alterações climáticas, a cultura, a educação. Quanto ao que se passa no resto do mundo, houve apenas uma referência de António Costa à tensão que se vive na fronteira entre a Rússia e a Ucrânia para apelar a uma maioria absoluta que dê estabilidade a Portugal.

Começou-se pela geometria de governo que pode sair das próximas eleições legislativas. E ambos os candidatos lançaram “o perigo” de ganhar o lado contrário mas nenhum afastou de todo o cenário de cooperação pós-eleitoral. Desta feita, António Costa não vinha armado com um bitaite, mas com o documento do que diz ser o próximo Orçamento de Estado. Questionado sobre porque afirmou que Rui Rio é um “perigo para o país”, justificou que trata temas essenciais com “frescura” e ligeireza”, que é “insensível às pessoas” e no momento mais grave da crise foi dizer que era contra o aumento do salário mínimo e a redução das propinas e que defende um sistema misto de Segurança Social, o que “coloca em risco pensões futuras”.

Rio contrapôs que não é contra o aumento do salário mínimo e é a favor da Segurança Social pública. E contra-atacou dizendo que há a “probabilidade próxima do zero de haver maiorias absolutas” mas António Costa não diz o que fará e que, como não terá “condições de recuperar a geringonça” e diz não ao PSD, só pode sair e “vem outra solução”, entrando aí o "perigo" de vir “o Bloco de Esquerda com ministros para o país”. Ao que Costa respondeu que não sai se for o mais votado mas sem maioria absoluta, apresentando o cenário do primeiro governo Guterres, com a negociação proposta a proposta e, assegurando não ser possível “nas atuais circunstâncias refazer a geringonça”, puxou pelo PAN, “um partido que não contribuiu para esta crise”.

Política económica: degradação ou continuismo?

Sobre política económica o líder do PSD falou na degradação de um país “a caminho da cauda da Europa”, repetiu a ideia da “carga fiscal” elevada, de uma “política económica que espera que a procura gere oferta” e propôs mudar o modelo centrando nas “exportações e investimento”. A solução da direita é a redução imediata do IRC para a “criação de riqueza” e a ideia de que a “distribuição” terá de esperar.

António Costa aproveitou esta brecha para se apresentar como defensor da baixa de impostos sobre o trabalho para a classe média e para os jovens. Atacou a ideia da enorme carga fiscal explicando que nesta entram as receitas da Segurança Social e que são estas que aumentam “porque o desempregou caiu para metade” e “os rendimentos têm vindo a aumentar”. Voltaria ao tema no final do debate para tentar desmontar a ideia de estagnação ou até degradação da economia, dizendo que o seu opositor comete a “malandrice” de “procurar diluir” os resultados dos últimos seis anos nos 20 anos anteriores.

Salário mínimo: aumentar pouco agora ou sabe-se lá depois?

Sobre o tema do salário mínimo, com Costa a insistir que Rio tinha sido contra o seu aumento, este remeteu a questão para “sede de concertação social”. Tal como nos impostos, melhorias só para depois, “de forma sustentada”, ou seja dependendo da inflação e dos ganhos de produtividade. O líder do PSD diz que “a subida do salário mínimo leva à descida do salário médio” porque as empresas estariam a pagar por este “mais do que podem” e a baixa deste leva por sua vez à imigração.

Mais uma vez o líder do PS aproveitou a deixa para garantir que “quem não quer aumentar o mínimo muito menos aumentará os médios” e voltou a trazer o passado para o debate, lembrando que Rio dizia que aumentar o salário mínimo seria um “descalabro”.

Houve ainda tempo para falar dos salários da Função Pública, com Costa a dizer que só os aumenta a par da inflação mas vai acabar com o congelamento das progressões e com Rio a falar em “otimizar recursos”, dizendo que há mais funcionários públicos do que são que precisos.

PSD quer contratualizar médicos do privado para fazerem as vezes de médicos de família

Ao contrário dos salários e da descida de impostos, no caso da falta de médicos de família, Rui Rio não deixa a questão para depois. Para ele, é no “imediato” que é preciso recorrer a uma figura a que chama “médico assistente”, ou seja, a contratação de médicos do privado no SNS. Também afiança que é defensor do Serviço Nacional de Saúde e da Segurança Social públicos mas quer Parcerias Público-privadas “sempre que necessário”, quer “contratualizar” com privados e não esperar que estes “entrem para perder”.

O atual primeiro-ministro respondeu-lhe que a “solução não é financiar ao lado”, voltou a gabar o que o seu Governo fez nesta área e acusou-o de querer mudar a Constituição, incluindo o princípio de que o “acesso a cuidados de saúde não pode ser recusado por razões económicas”, o que seria uma “bravata ideológica”, “puro preconceito ideológico” que implicaria que a classe média passasse a pagar pela saúde.

Justiça: controlo dos magistrados em discussão, o resto nem por isso

Sobre justiça a dinâmica do debate foi semelhante: Rui Rio traça um quadro negativo da situação atual, o primeiro-ministro arranjou um pretexto para contra-atacar e o debate ficou preso no tema determinado por Costa.

O dirigente do PSD começou por falar na “capacidade fraquíssima” da Justiça para “responder às necessidades do país”, na morosidade, nos “julgamentos populares por quebra do segredo de justiça”, na corrupção, mas não conseguiu elaborar propostas alternativas ao atual estado de coisas.

Costa fez os mínimos para explicar o que o Governo fez no setor e rapidamente atacou dizendo que “o programa do PSD é muito perigoso quanto à justiça” porque quer controlar politicamente o Conselho Superior de Magistratura e a magistratura do Ministério Público, instituindo uma maioria nomeadamente politicamente e criando a figura de um provedor do utente que não pode ser magistrado. Lembrou a Polónia e que “todas as instâncias internacionais” defendem “ser fundamental garantir a independência dos órgãos que controlam magistrados”.

À questão sobre controlar magistrados, Rio respondeu “exatamente”, explicando que é preciso “para não serem juízes em causa própria” e que esse controlo não seria feito por políticos mas por uma “maioria da sociedade civil”.

A fechar o debate falou-se da TAP. António Costa voltou a fazer figura do salvador da companhia aérea quando Neeleman, o privado que “estava e não merecia confiança”, “foi ao buraco”. E questionou Rio sobre o que teria feito. Este responde que a empresa “não devia ter sido nacionalizada”, não explicando o que aconteceria nesse caso. Também aqui o tempo de Rio é a rapidez: a companhia é para voltar a privatizar “o mais depressa possível”. E acabou mostrando indignado um bilhete de um voo da TAP que partia de Madrid mas em que quem embarcasse em Lisboa pagava mais. Apesar da polémica final, Rio não terá descolado. No final Costa, sorridente, exibia mais uma vez o seu putativo Orçamento para este ano.

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