You are here

Costa Rica: Ressurreição cívica permite triunfo de Alvarado “bom” sobre Alvarado “mau”

Nas eleições presidenciais costarriquenhas, Carlos Alvarado, do Partido de Ação Cidadã (PAC), de centro-esquerda, derrotou Fabricio Alvarado, do Partido Restauração Nacional (PREN), da direita evangélica reacionária. Por Jorge Martins
Comemoração da vitória de Carlos Alvarado nas eleições presidenciais da Costa Rica – Foto de Alexander Otarola/Epa/Lusa
Comemoração da vitória de Carlos Alvarado nas eleições presidenciais da Costa Rica – Foto de Alexander Otarola/Epa/Lusa

Nas eleições presidenciais costarriquenhas, realizadas no domingo de Páscoa, o candidato do Partido de Ação Cidadã (PAC), de centro-esquerda, Carlos Alvarado, derrotou Fabricio Alvarado, do Partido Restauração Nacional (PREN), da direita evangélica reacionária, que havia sido o mais votado na 1ª volta, disputada a 4 de fevereiro. É caso para dizer, atendendo ao dia da eleição, que a mobilização cívica ressuscitou a tempo de evitar mais uma “trampalhada”.

A singularidade costarriquenha

A Costa Rica é um caso singular, não apenas no contexto da América Central, mas também da própria América Latina no seu todo. Assim, ao contrário dos seus vizinhos setentrionais (Nicarágua, El Salvador, Honduras e Guatemala), países muito pobres e extremamente desiguais, onde uma pequena oligarquia latifundiária detém a esmagadora maioria da riqueza nacional, a pequena república costarriquenha constitui uma sociedade bem mais próspera e muito menos desigual. Essa circunstância, resultante de condições históricas particulares, de que falaremos a seguir, é causa e consequência da relativa estabilidade política de que o país tem desfrutado nos últimos 70 anos, ao contrário da maior parte dos estados latino-americanos.

Tal como as restantes nações da América Latina, a Costa Rica é uma república presidencialista. O Presidente da República é o chefe do executivo, sendo eleito por sufrágio universal e direto para um mandato de quatro anos. Na eleição presidencial, é eleito o candidato mais votado, desde que obtenha, no mínimo, 40% dos votos validamente expressos. Caso nenhum ultrapasse esse limiar, haverá lugar à realização de uma 2ª volta entre os dois primeiros. Para além do presidente, são eleitos, na mesma lista, os dois vice-presidentes. Por seu turno, o poder legislativo é exercido pela Assembleia Legislativa, constituída por 57 deputados, eleitos pelo voto popular, através de um sistema particular de representação proporcional ao nível provincial, também para um período de quatro anos. A sua eleição ocorre em simultâneo com a do chefe de Estado.

Uma colonização diferente

Colombo chegou ao território em 1502. Ao que tudo indica, ter-lhe-á dado o nome de Costa Rica por, ao ver as joias usadas pelos indígenas, julgar que estava em presença de uma terra rica em ouro e outros metais preciosos. Enganou-se redondamente, já que rapidamente se percebeu que não havia aí grandes riquezas mineiras, ao contrário das restantes áreas conquistadas pelos espanhóis na América Central. Surgiu, assim, uma sociedade de pequenos agricultores, onde havia pouca utilização de mão de obra indígena, algo que o relativo isolamento geográfico do território, dotado de extensas florestas tropicais, favoreceu. É a diferente forma de colonização que explica o caráter menos desigualitário da Costa Rica face aos seus vizinhos nortenhos, apesar de estarem integrados na mesma unidade política colonial hispânica. Nesse período, o território costarriquenho constitui a mais pobre das províncias espanholas do chamado Novo Mundo, habitado por uma sociedade bastante conservadora, muito ligada à Igreja Católica.

A Independência

Em 1821, as províncias da América Central proclamam a independência. Como sucedeu em todo o universo latino-americano, com exceção da revolta de escravos que conduziu à independência do Haiti, o movimento descolonizador tem por base as elites brancas e “crioulas” (resultantes da mestiçagem entre homens europeus e mulheres nativas), deixando de fora as populações indígenas e os negros escravizados. Em 1823, a Costa Rica aprova a sua primeira Constituição, conhecida por Pacto da Concórdia. No mesmo ano, rebenta uma primeira guerra civil entre os conservadores, defensores da união ao império mexicano, e os republicanos. Com o triunfo destes, o estado costarriquenho adere à República Federal da América Central, cujas entidades constituintes eram a Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua e Costa Rica, tendo a sua sede na primeira. A Constituição federal, baseada na dos EUA, consagrava um parlamento bicameral (com o Congresso e o Senado) e um executivo central nomeado pelo presidente, todos eles eleitos, mas por sufrágio indireto. Por outro lado, aboliu a escravatura e integrou alguns direitos, liberdades e garantias. Simultaneamente, garantia grande dose de autonomia aos estados integrantes. Porém, a instabilidade política foi sempre grande, face à divergência de interesses, quer entre a burguesia liberal e os setores conservadores da oligarquia latifundiária e da Igreja Católica, quer entre as classes dominantes dos vários territórios, a que acresciam as intervenções das potências imperialistas, em especial os EUA e o Império Britânico. Registaram-se, assim, várias guerras civis, tanto no interior dos estados como entre estes. Em 1838, a Nicarágua separa-se da federação, logo seguida pelas Honduras e pela Costa Rica. Aquela dissolve-se no ano seguinte, quando a Guatemala se separa de El Salvador.

Um século de instabilidade política

Após a rutura da união centro-americana, vão-se estabelecendo as bases do moderno estado costarriquenho. Contudo, aumenta a influência dos militares e a instabilidade política, sucedendo-se os golpes de Estado e as guerras civis. Só na década de 40 do sec. XIX são promulgadas quatro Constituições, a mais importante das quais a de 1848, que qualifica o país como uma República (até aí, era designado por Estado Livre) e o chefe de Estado como presidente.

No entanto, é neste período que se verifica uma grande mudança no plano económico: a aposta na produção do café em grande escala e na sua exportação. Assim, a Costa Rica passa a estar inserida no sistema capitalista internacional. Contudo, se isso trouxe um aumento da riqueza nacional, permitindo o progresso tecnológico, a construção das infraestruturas necessárias à modernização do país (em especial, ao nível dos transportes) e a aposta na educação pública, teve consequências sociais perversas, com a criação de uma burguesia agroexportadora (os cafeteros), que se apropriou das terras de muitos pequenos agricultores e das comunidades indígenas, forçando os primeiros a proletarizar-se e os segundos a retirar-se para as áreas montanhosas.

Um novo texto constitucional, promulgado em 1859, confere mais poderes ao legislativo e ao judicial, em detrimento do executivo. Porém, a instabilidade política e militar está sempre presente, tendo como pano de fundo o confronto entre as fações liberal e conservadora da elite.

Em 1870, (mais) um golpe de Estado leva ao poder o general Tomás Guardia. Este pode ser considerado um déspota esclarecido, que estabeleceu um regime autoritário, mas promoveu importantes reformas de cariz liberal, apoiado num conjunto de intelectuais influenciados pela filosofia positivista. No ano seguinte, promulgou uma nova Constituição, onde se estabelecia a abolição da pena de morte, a liberdade religiosa, a escolaridade obrigatória e uma efetiva separação de poderes. Simultaneamente, os liberais estimulam o desenvolvimento capitalista, com base nas exportações do café e agora também das bananas, e incentivam o investimento estrangeiro, em especial ao nível das infraestruturas. Para o efeito, avançam com a privatização de um maior número de terras, o que reforça as desigualdades sociais. No plano cultural, tomam medidas anticlericais (com destaque para a expulsão dos jesuítas), expandem a educação pública e a formação de professores, ao mesmo tempo que incentivam o patriotismo e o culto dos heróis nacionais. Um acontecimento marcante deste período foi a construção do caminho-de-ferro do Atlântico, de forma a facilitar a exportação do café. A obra foi entregue ao empresário norte-americano Minor Cooper Keith, mas as dificuldades logísticas da obra rapidamente se converteram em graves problemas financeiros. O concessionário propôs-se financiar o empreendimento em troca da cedência, por parte do governo costarriquenho, da maior parte das terras da costa atlântica do país. Aí se dedicou ao cultivo de bananas para exportação, atividade cujos lucros lhe permitiram, mais tarde, ser um dos fundadores da United Fruit Company. Esta, rapidamente se tornaria a principal multinacional do setor e um instrumento privilegiado da dominação imperialista dos EUA sobre a América Central. Ao mesmo tempo, a construção da ligação ferroviária levou à chamada de imigrantes, principalmente italianos, chineses e afrocaribenhos (em especial, jamaicanos). Estes últimos viriam a tornar-se a principal mão de obra das plantações bananeiras. O país tornou-se, então, mais diverso do ponto de vista étnico e racial.

O início do século XX marca alguma estabilização das instituições democráticas. Porém, o reforço do presidencialismo reforça a personalização da política do país, algo que ainda hoje se mantém. Simultaneamente, dá-se uma diversificação capitalista da economia do país, com a aposta na cana-de-açúcar, na criação de gado e na exploração mineira. Todavia, apesar de surgirem também algumas pequenas indústrias nas áreas urbanas, este continuava muito dependente das exportações de produtos primários, sempre sujeitos à degradação dos termos de troca e às flutuações dos seus preços nos mercados internacionais. Por outro lado, na base dessa expansão económica está o aumento da privatização de terras, com o consequente empobrecimento do campesinato e das populações indígenas. Também a ênfase dada ao setor agrícola exportador, baseado na produção em grande escala, torna cada vez mais difícil a vida dos pequenos agricultores. Surgem, então, vários conflitos sociais, que conduzem ao aparecimento de movimentos operários e camponeses. Estes organizam várias lutas, que culminam em greves de grande dimensão.

O repúdio da dívida externa odiosa

A 1ª guerra mundial levou ao fecho dos mercados europeus, o que causou dificuldades acrescidas à economia da Costa Rica, essencialmente exportadora. Para compensar a perda de receitas, o governo instituiu uma reforma fiscal, com o estabelecimento de impostos progressivos e o controlo do setor financeiro, a par de medidas de austeridade, que provocaram o descontentamento geral. Em 1917, um golpe de Estado leva ao poder Federico Tinoco, que, juntamente com o seu irmão, ministro da Defesa, estabelece uma ditadura brutal e corrupta, economicamente ruinosa. Em 1919, um levantamento popular leva à sua queda e ao restabelecimento da ordem democrática. Entretanto, para financiar os seus esquemas corruptos e os da sua família, o ditador contraíra um empréstimo com uma instituição financeira britânica. O novo executivo decide repudiá-la, considerando-a odiosa, o que gera uma reação dos britânicos. O conflito, mediado pelo ex-presidente dos EUA, William Taft, que então presidia ao Supremo Tribunal Federal estadunidense, acaba decidido por este em favor do Estado costarriquenho.

A aliança política improvável entre católicos e comunistas

A Grande Depressão de 1929 contribui para aumentar a conflitualidade social no país. Contudo, o sistema democrático sobrevive, ao contrário do que sucedeu na maioria dos seus vizinhos. Em 1931, é fundado o Partido Comunista Costarricense, que, três anos depois, lidera uma greve dos trabalhadores bananeiros contra a United Fruit Company. Entretanto, o Partido Republicano Nacional, de tendência social-cristã, chega ao poder. Para fazer face à crise, vai iniciar um programa de obras públicas ao estilo do New Deal norte-americano, o que permite a recuperação económica na segunda metade da década. Contudo, a 2ª guerra mundial leva ao encerramento dos mercados europeus, não deixando ao país outra alternativa que não a reorientação das suas exportações para os EUA.

Entretanto, a partir de 1940, produz-se a mais improvável das alianças políticas, juntando social-cristãos e comunistas, que, com a bênção da Igreja Católica, apoiam a eleição de Rafael Calderón à presidência. Este vai lançar as raízes do Estado Social costarriquenho, constitucionalizando os direitos económicos e sociais, promulgando um Código do Trabalho e criando um sistema de Segurança Social público. Além disso, apoia a educação universitária e a cultura. Contudo, estas medidas são mal vistas pelas elites económicas e sociais, que começam a agitar-se. Em 1942, o empresário agrícola Juan Figueres denuncia, aos microfones de uma rádio, a corrupção no executivo. É preso em direto e obrigado a exilar-se, mas regressa ao país em 1944. Nesse mesmo ano, o candidato oficialista, Teodoro Picado, vence, mas a oposição acusa o governo de fraude eleitoral, algo que era, então, relativamente frequente. A situação política deteriora-se, levando a incidentes frequentes entre apoiantes do executivo e oposicionistas. A isso e aos acontecimentos subsequentes não será estranha a conjuntura internacional, marcada pelo clima de “guerra fria” entre ocidentais e soviéticos. Daí que os EUA vissem com maus olhos a participação dos comunistas no governo costarriquenho e conspirassem para os afastar.

A revolução de 1948 e o estado de bem-estar

É em 1948 que se produzirá a grande transformação político-institucional da Costa Rica. Nas eleições presidenciais, o candidato oposicionista, Ulate Blanco, do direitista Partido União Nacional, ligado aos interesses da elite “cafetera”, e apoiado pelo Partido Social-Democrata (de centro-esquerda), fundado por Juan Figueres e seus partidários, sustentado nas classes médias urbanas, vence Rafael Calderón, suportado pelos social-cristãos do seu Partido Republicano Nacional e pela Vanguarda Popular (nova designação do Partido Comunista Costarricense), de Manuel Mora. Contudo, antes de estar terminada a contagem dos votos, um misterioso incêndio destrói grande parte dos boletins, levando o executivo a anular o ato eleitoral, após uma impugnação solicitada pelo candidato derrotado. Inicia-se, então, uma guerra civil, que durará mês e meio. Figueres, à frente do Exército de Libertação Nacional, por si fundado, com apoio de combatentes de outros países centro-americanos e caribenhos, enquadrados na chamada Legião do Caribe, toma várias cidades e pontos estratégicos do país e exige a rendição incondicional do governo, algo que este rejeita. Entretanto, Figueres reúne com o líder comunista Manuel Mora e ambos chegam a um compromisso, em que o primeiro garante, não só não reverter as medidas sociais progressistas dos governos anteriores, mas também aprofundá-las. Com esse pacto, os comunistas, que até aí apoiavam os “calderonistas”, retiram as suas milícias da guerra, deixando o campo governamental ainda mais enfraquecido. A mediação internacional, levada a efeito por vários estados latino-americanos, cria condições para o fim do conflito: um acordo, firmado na embaixada mexicana, permite que o presidente Picado e Calderón partam para o exílio na Nicarágua somozista, que os havia apoiado. Dias depois, o vencedor entra triunfalmente em San José.

Chegado ao poder, Figueres estabelece um acordo com Ulate Blanco, em que o primeiro ficaria no poder 18 meses, à frente de um comité revolucionário, designado Junta Fundadora da 2ª República, que ficaria encarregada de reformar o Estado. Seria eleita uma Assembleia Constituinte, que teria, até ao final desse período, de aprovar um novo texto constitucional. Após a aprovação deste, entregaria o poder ao segundo, declarado vencedor das presidenciais, e este cumpriria o mandato para que fora eleito. Em 1 de dezembro de 1948, o executivo provisório toma uma decisão histórica: a abolição das Forças Armadas, consideradas um elemento desestabilizador da política do país e uma ameaça constante às instituições democráticas. Não por acaso, a partir daí, a Costa Rica tornou-se a democracia mais estável de toda a América Latina. No plano económico, nacionaliza a banca e cria um imposto sobre os mais ricos. Sentindo-se traídos por Figueres, os setores conservadores da sociedade, que o haviam apoiado na guerra civil, tentam uma última e desesperada intentona, em abril de 1949, mas sem êxito. Nesse mesmo ano, é aprovada a nova Constituição, de cariz progressista, que consagra as garantias sociais aprovadas pelo governo de Calderón, concede o direito de voto às mulheres e aos afrocaribenhos e cria um Supremo Tribunal Eleitoral independente do poder político.

Inicia-se, então, o período do Estado de Bem-Estar, inspirado nas social-democracias europeias, que durará até ao início dos anos 80. Através da fusão do seu Partido Social-Democrata com outras forças aliadas, Figueres cria o Partido de Libertação Nacional (PLN), que se torna a principal formação política do país e com o qual vence as presidenciais de 1953. Assiste-se, então, a uma governação progressista, com grande investimento público, tanto em infraestruturas de transporte como em escolas e hospitais, e políticas com forte pendor social, em especial ao nível da promoção da educação, da saúde e da segurança social públicas, do reforço dos direitos laborais e do apoio à cultura. Ao mesmo tempo, prossegue a diversificação da economia do país, que vai apostar não apenas na agricultura, mas também na implementação de uma verdadeira política de fomento industrial. Estas medidas permitiram à Costa Rica criar uma classe média forte e atingir indicadores de desenvolvimento humano invejáveis, sem paralelo não apenas na América Central, mas no conjunto dos países em desenvolvimento. Porém, nem tudo é positivo: em 1950, os partidos “calderonista” e comunista são banidos, os seus militantes perseguidos e os seus líderes exilados. Após o triunfo da direita, nas presidenciais de 1957, naquela que será a primeira alternância democrática da 2ª República, o primeiro volta a ser legal e Calderón regressa ao país. Quatro anos depois, o ex-presidente volta a candidatar-se à presidência pelo centro-direita, mas é derrotado pelo candidato do PLN. Já os comunistas terão de esperar até 1974 para que o seu partido volte a ser legal, apesar de, já antes, algumas formações de esquerda próximas dele fossem toleradas e participassem nos atos eleitorais. Também a crescente concentração da propriedade agrícola, que gerou um forte êxodo rural, provocou um aumento das tensões sociais, tanto nos campos como nas cidades. Na política externa, o país alinhou quase sempre com as posições dos EUA, o seu principal parceiro económico e maior investidor estrangeiro, embora criticasse publicamente o apoio de Washington a várias ditaduras latino-americanas, em especial à Nicarágua dos Somoza.

A crise do modelo costarriquenho

Os chamados “choque petrolíferos” dos anos 70 e a eclosão de guerras civis sangrentas em países vizinhos (em especial, na Nicarágua, em El Salvador e na Guatemala) fragilizaram a economia costarriquenha e culminaram numa grande crise económica, em 1980. Esta agravou-se nos anos seguintes, em especial depois da eclosão da “crise das dívidas” latino-americanas, iniciada com a moratória declarada pelo México, em 1982. O executivo, então de centro-direita, foi forçado a um acordo com o FMI, que levou à adoção de políticas austeritárias e privatizadoras (por exemplo, do setor bancário) que puseram em causa o “modelo social” da Costa Rica e provocaram várias greves e violentos protestos populares.

Do ponto de vista político-eleitoral, a Costa Rica viveu, entre 1983 e 2002, um período de alternância bipartidária entre o PLN e o centro-direita, agora agrupado no PUSC (Partido Unidade Social-Cristã), resultante da fusão entre o Partido Social-Cristão, de inspiração “calderonista”, e algumas formações direitistas que haviam apoiado Figueres na guerra civil, mas que se desiludiram com as suas políticas progressistas. Porém, também aqui sucedeu algo que ocorreu na Europa e noutros pontos do Globo. Se, antes, a chegada ao poder de partidos conservadores não colocava em causa o essencial do modelo keynesiano e das políticas sociais a ele associadas, agora, passa a verificar-se o contrário: são os sociais-democratas que não põem em questão o modelo neoliberal e as suas políticas antipopulares. O PLN regressou ao poder em 1983, mas os presidentes eleitos com o seu apoio abraçaram o neoliberalismo e as suas administrações só contribuíram para o aprofundamento das políticas austeritárias e privatizadoras que o caracterizam. Progressivamente, o partido vai caminhando para o centro, passando a ser visto cada vez mais como uma formação social-liberal. Contudo, há que salientar ações positivas na política externa: em 1984, o presidente Monge, não só recusou a proposta de Reagan, que previa a militarização do país e sua intervenção contra o governo sandinista da Nicarágua, em troca de ajuda financeira, como fez aprovar, em resposta e com amplo apoio popular, uma lei que proclama a neutralidade perpétua da Costa Rica; por seu turno, Óscar Arias teve um papel fundamental na pacificação da região, tendo sido o mentor do Grupo de Contadora e dos acordos de Esquipulas, assinados pelos presidentes centro-americanos para pôr fim às guerras civis nos seus países, ação que lhe rendeu o Prémio Nobel da Paz, em 1987. Na década de 90, os bons níveis de qualificação da população costarriquenha conduzem as grandes multinacionais estadunidenses de alta tecnologia a investir no país, cuja economia se vai baseando, cada vez mais, nos serviços. Simultaneamente, dá-se uma forte aposta no turismo ecológico, aproveitando a grande biodiversidade do seu território.

O descontentamento gerado pelas políticas neoliberais e consequente crescimento das desigualdades sociais, a par com o aumento da corrupção, erodiram o apoio popular aos dois maiores partidos. Nas eleições presidenciais de 2002, Ottón Solís, do novo Partido de Ação Cidadã (PAC), de centro-esquerda, com uma plataforma de oposição ao modelo neoliberal, não chega à 2ª volta, mas obtém mais de 26% dos votos, rompendo com o bipartidarismo. O candidato do PUSC, Abel Pacheco, vence o do PLN na 2ª volta, mas o seu governo fica marcado por medidas de austeridade, que levam o seu próprio partido a retirar-lhe o suporte, e pelo apoio político à invasão do Iraque por parte dos EUA, opção que ia contra a neutralidade do país e que, por isso, gera grande contestação, tanto por parte da oposição como da opinião pública. Entretanto, em 2003, a secção constitucional do STJ declara a inconstitucionalidade da proibição de reeleição presidencial, que datava de 1969. Assim, em 2006, o PLN apresenta Óscar Arias, que vence tangencialmente Ottón Solís, enquanto o candidato do PUSC tem uma votação residual, sendo mesmo ultrapassado por uma força de direita emergente, o Movimento Libertário (ML). No ano seguinte, realiza-se um referendo ao Tratado de Livre Comércio com os EUA, apoiado por Arias e rejeitado por Solís. O “sim” triunfa, mas por margem reduzida (51,6% contra 48,4% do “não”). Nas presidenciais de 2010, o PLN volta a triunfar, elegendo Laura Chinchilla, a primeira mulher a chegar à presidência. Sólis foi segundo, mas a grande distância, com pouco mais de 25% dos votos, seguido de Otto Guevara, do ML, que logrou ultrapassar os 20%. A crise económica de 2008 faz-se sentir, com a consequente aumento do desemprego, da pobreza, da criminalidade e da insegurança, o que contribui para a quebra de popularidade da presidente, do seu governo e do PLN, cada vez mais ao centro.

Assim, em 2014, o PAC consegue levar à presidência o seu candidato, Luís Guillermo Solís, que, na 1ª volta, obtém 30,6% dos votos, pouco acima do seu concorrente do PLN, Johny Araya, que se fica pelos 29,7%. De realçar os 17,3% obtidos por José María Villalta, do partido de esquerda Frente Ampla (FA), enquanto Guevara, do ML, com 11,3%, cai para metade do resultado das anteriores presidenciais, e Rodolfo Piza, dos PUSC, se quedou pelos 6%. Na campanha para o turno decisivo, Araya encosta-se à direita mais reacionária, declarando-se antiaborto e opositor ao casamento gay e lésbico. Essas posições valem-lhe fortes críticas, inclusive no seio do seu próprio partido, levando-o, na prática, a desistir da eleição, embora, do ponto de vista formal, estivesse impedido de o fazer. Com o caminho aberto, Solís obtém 77% sufrágios, num ato eleitoral onde votaram cerca de 56% dos eleitores. O novo presidente levou à prática os princípios de igualdade de género, defendidos pelo seu partido, nomeando 50% de mulheres para o seu executivo, consagrou legalmente as uniões civis dos casais LGBT, procurou reduzir a pobreza e o desemprego e tomou medidas de combate ao maltrato animal. Entretanto, em 2015, é aprovada uma emenda constitucional que declara o país como uma república multiétnica e pluricultural. Porém, apesar de pugnar por uma administração mais transparente, com prestação periódica de contas, o seu governo não deixou de ser afetado por vários escândalos de corrupção. Daí que as elevadas expectativas com que iniciou o mandato se tenham esfumado, o que resultou numa perda de popularidade ao longo do quadriénio.

O casamento gay e lésbico nas eleições de 2018

Nas eleições deste ano, apresentaram-se, na 1ª volta, realizada a 4 de fevereiro, 13 candidaturas, cada uma delas apoiada por um partido político nacional, como exige a legislação costarriquenha. Os primeiros inquéritos de opinião, realizados em outubro e dezembro, faziam prever que o candidato do PLN, Antonio Álvarez, estaria na ronda decisiva, onde poderia enfrentar ou o populista Juan Diego Castro, que se apresentou com o apoio do direitista PIN (Partido de Integração Nacional) ou o social-cristão Rodolfo Piza, do PUSC. Porém, enquanto o segundo ganhava fôlego, os outros dois perdiam-no. Assim, até ao início de janeiro, Castro aparecia na primeira posição, seguido de Álvarez, tudo indicando que seriam os dois apurados para a 2ª volta. Contudo, em 9 de janeiro, o Tribunal Interamericano dos Direitos Humanos, em resposta a uma consulta do governo da Costa Rica, defende que, ao abrigo da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, os casais LGBT deveriam ter os mesmos direitos dos heterossexuais, inclusive a possibilidade de constituírem matrimónio. Esta decisão suscitou uma forte reação da parte dos setores mais reacionários da sociedade costarriquenha, com destaque para Fabricio Alvarado, membro de uma igreja evangélica e candidato do PREN. Este afirmou que, se fosse eleito, não só não reconheceria a sentença, como decretaria o fim do que designou por “ideologia de género” no país. Ao invés, Carlos Alvarado, do PAC, apoiou abertamente a decisão e prometeu legalizar o casamento gay e lésbico. Ao mesmo tempo, reforçou o seu apoio à laicização do Estado, de forma a que a Costa Rica deixe de ser o único país do continente americano onde o catolicismo é, oficialmente, a religião do Estado. A partir daí, ambos subiram bastante nas sondagens: Fabricio, até aí um candidato menor de um partido menor, cotado entre os 2 e os 4%, rapidamente passou para a frente nas intenções de voto, pois, apesar de ser evangélico, ganhou o apoio de muitos católicos conservadores; por sua vez, Carlos, que carregava consigo a impopularidade do governo e não passava dos 5-6%, começa a ver crescer a sua cotação, graças ao apoio do eleitorado mais progressista, embora nenhuma sondagem o colocasse no 2º turno. Por isso, a passagem de ambos à ronda decisiva acabou por constituir uma relativa surpresa.

Eis os resultados eleitorais da 1ª volta:

  • Fabricio Alvarado (PREN, direita evangélica) 25,0%
  • Carlos Alvarado (PAC, centro-esquerda) 21,6%
  • Antonio Álvarez (PLN, centro) 18,6%
  • Rodolfo Piza (PUSC, social-cristão, moderado) 16,0%
  • Juan Diogo Castro (PIN, direita conservadora) 9,5%
  • Rodolfo Hernández (PRSC, católico conservador) 4,9%
  • Otto Guevara (ML, direita liberal-conservadora) 1,0%
  • Edgardo Araya (FA, esquerda) 0,8%
  • Sergio Mena (PNG (centro, direitos dos jovens) 0,8%
  • Mario Redondo (ADC, direita evangélica) 0,6%
  • Stephanie Campos (PRC, direita evangélica) 0,6%
  • Óscar Lopez (PASE, conservador, inclusão dos deficientes) 0,4%
  • Jhon Vega (PT, extrema-esquerda, trotskista) 0,2%

Registaram-se, ainda 1,0% de votos brancos e 0,3% de nulos.

Por sua vez, a participação eleitoral foi de 65,7%.

No mesmo dia, realizaram-se as eleições legislativas, que tiveram o seguinte desfecho:

  • PLN (centro) 19,5% (25,7%) - 17 (18)
  • PREN, direita evangélica 18,1% ( 4,1%) - 14 ( 1)
  • PAC, centro-esquerda 16,3% (23,5%) - 10 (13)
  • PUSC, social-cristão, moderado 14,6% (10,0%) - 9 ( 8)
  • PIN, direita conservadora 7,7% ( 0,5%) - 4 (---)
  • PRSC, católico conservador 4,2% (---------) - 2 (---)
  • FA, esquerda 3,9% (13,1%) - 1 ( 9)
  • ADC, direita evangélica 2,4% ( 1,2%) ----- ( 1)
  • PASE, conservador, inclusão dos deficientes 2,3% ( 4,0%) ----- ( 1)
  • ML, direita liberal-conservadora 2,3% ( 7,9%) ----- ( 4)
  • PNG, centro, direitos dos jovens 2,1% ( 1,2%) ----- (---)
  • PRC, direita evangélica 2,0% ( 4,1%) ----- ( 2)
  • Outros 4,6% ( 4,6%) ----- (---)

Registaram-se, ainda 1,9% de votos brancos e nulos (2,3% em 2014).

Por sua vez, a participação eleitoral foi de 65,6%, contra os 68,4% de há quatro anos.

Entre parêntesis, as percentagens de votos e o número de deputados eleitos nas legislativas de 2014.

Com a passagem dos dois Alvarados, a campanha para a 2ª volta assumiu grande dramatismo. Desde logo, ambos os candidatos procuraram o apoio dos eliminados no 1º turno. Assim, Fabricio conseguiu a adesão de sete candidatos: Antonio Álvarez (a título pessoal, já que o PLN deu liberdade de voto aos seus apoiantes e boa parte deles apoiou Carlos), Rodolfo Hernández, Otto Guevara, Sergio Mena (embora uma parte do PNG tenha seguido Carlos), Mario Redondo e Óscar Lopez. Entretanto, assim que terminou a campanha, Stephanie Campos abandonou o PRC, mas o partido declarou o seu apoio a Fabricio, ao contrário da sua candidata. Por seu turno, Carlos logrou obter a adesão de Araya (que declarou estar-se em presença de uma “luta entre a Idade Média e a modernidade”) e de Piza (este a título pessoal, já que o PUSC não deu indicação de voto aos seus partidários e parte deles decidiu-se pelo candidato do PREN). Já Castro, após “namorar” os dois campos, optou por não apoiar qualquer deles, enquanto Vega apelava ao voto nulo. Os apoiantes de Fabricio formaram uma frente, a que deram o nome de “Costa Rica Unida”, enquanto os de Carlos criaram um movimento similar, denominado “Coligação pela Costa Rica”, que atraiu várias figuras da sociedade civil, muitas delas sem partido, mas que se opunham fortemente à regressão cultural e social que a eleição do primeiro traria. Nessa mesma linha, vem o manifesto de apoio ao segundo, assinado por mais de 400 escritores, artistas e outros agentes culturais, que temiam as limitações à sua liberdade de criação, em caso de triunfo do candidato evangélico. Um exemplo do radicalismo reacionário deste último foi o ataque ao seu oponente, por este tem defendido, num debate, a despenalização da interrupção voluntária da gravidez em caso de violação, num país onde apenas o aborto terapêutico é legal.

Apesar de ser domingo de Páscoa, a participação eleitoral aumentou ligeiramente, para 66,5% dos votos, algo de invulgar numa 2ª volta, e que se explica pela polarização que a eleição atingiu e pela mobilização cidadã em torno do Alvarado “bom” (Carlos) contra o Alvarado “mau” (Fabricio). No final, os resultados foram os seguintes:

  • Carlos Alvarado (PAC, centro-esquerda) 60,7%
  • Fabricio Alvarado (PREN, direita evangélica) 39,3%

Registaram-se, ainda 0,9% de votos brancos e 0,2% de nulos.

Apesar da vitória, o novo presidente não terá tarefa fácil. Se consultarmos os resultados das legislativas, verificamos que a assembleia parlamentar agora eleita será bastante mais conservadora que a anterior, em especial devido à grande queda da Frente Ampla, que perdeu quase 10% dos votos que obtivera em 2014 e oito deputados, tendo ficado reduzida a um parlamentar. Também o PAC, partido de Carlos Alvarado, desceu a sua votação em mais de 7%, o que teve como consequência a perda de três lugares. Em contrapartida, à direita, o PREN de Fabricio Alvarado passou de 4,1 para 18,2% e de um deputado solitário para 13, a que há a acrescentar a entrada de dois novos partidos dessa área política (o PIN e o PRSC, este último resultante de uma cisão no PUSC) que compensaram a perda de representação parlamentar do ML (que ficou sem os seus quatro eleitos), bem como do PRC e do PASE (que tinham dois e um lugar, respetivamente). Assim, o PLN - que, apesar de descer mais de 6% na sua votação e ficar abaixo dos 20%, voltou a ser o mais votado e só perdeu um lugar - será o grande árbitro na Assembleia Legislativa, já que é essencial para garantir a estabilidade da governação. Resta saber o que exigirá em troca, mas não parece que vá facilitar a vida ao PAC. Mais facilmente este pactuaria com o PUSC, que subiu quase 5% e ganhou um lugar, mas o apoio dos social-cristãos é insuficiente para garantir ao novo chefe de Estado uma maioria no quadro parlamentar saído das urnas.

Uma sociedade de “luzes” e “sombras

Como pudemos ver, a Costa Rica, atualmente muito conhecida como destino do turismo de Natureza, constitui uma sociedade complexa, com um conjunto multifacetado de “luzes” e “sombras”: Por um lado, constitui a democracia mais estável de toda a América Latina nos últimos 70 anos, quando tomou a decisão histórica de abolir as Forças Armadas e transformar os antigos quarteis em museus, e possui níveis de desenvolvimento humano invejáveis para a região, que refletem as menores desigualdades sociais relativamente aos países vizinhos, algo que é fruto da sua diferente História colonial e da aplicação de políticas social-democratas entre os anos 50 e 80. Mas, por outro lado, possui os mesmos problemas que atormentam as sociedades capitalistas na atualidade, mesmo algumas das mais desenvolvidas: elevado desemprego e precariedade, com o consequente aumento das desigualdades e dos níveis de pobreza, da criminalidade e da insegurança, muita da qual ligada ao narcotráfico, e níveis crescentes de corrupção. A isso se pode acrescentar, como a recente campanha presidencial demonstrou de forma eloquente, a guerra cultural entre os setores religiosos fundamentalistas (as novas igrejas evangélicas e a parte mais conservadora da Igreja Católica) e os mais abertos (laicos e alguns católicos progressistas) de uma sociedade muito marcada pelo catolicismo desde os tempos coloniais, o que se traduz na sua manutenção como religião do Estado, algo sem paralelo no continente americano. Porém, em outros países da América Latina, onde tal disposição não existe ou foi abolida, a Igreja Católica tem mais poder e influência que na Costa Rica, como demonstra a decisão do Supremo Tribunal Eleitoral, que, no recente ato eleitoral, proibiu as diferentes confissões religiosas de participar e de apelar ao voto durante a campanha. O que mostra a importância de um poder judicial independente!…

Artigo de Jorge Martins para esquerda.net

Sobre o/a autor(a)

Professor. Mestre em Geografia Humana e pós-graduado em Ciência Política. Aderente do Bloco de Esquerda em Coimbra
Termos relacionados Internacional
(...)