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Contributos para a equidade no E@D

No pressuposto de que nenhum aluno deve ser deixado para trás e tendo em mente aqueles que apresentam maiores barreiras ao apoio e aprendizagem, o Ensino @ Distância torna-se num desafio que exige da escola recursos e estratégias específicos e dedicados.
O E@D, veio pôr a nu as desigualdades, que a escola mitigava presencialmente

Portugal é um país subscritor dos principais documentos internacionais que norteiam a criação de sistemas educativos promotores de Inclusão. A legislação nacional estabelece a Educação Inclusiva como um desígnio e um direito de todos os alunos, independentemente da sua situação pessoal e social, cabendo à escola desenvolver respostas que possibilitem a aquisição de um nível de educação e formação facilitadoras da sua plena inclusão social.

No pressuposto de que nenhum aluno deve ser deixado para trás e tendo em mente aqueles que apresentam maiores barreiras ao apoio e aprendizagem, o ensino/apoio à distância torna-se num desafio que exige da escola recursos e estratégias específicos e dedicados.

Nesta situação de confinamento, estes alunos estão privados de interações socias vitais para o seu desenvolvimento e bem-estar, bem como de um contexto que favoreça a inclusão social, as interações e que promova a sua qualidade de vida. A este fator, acresce a fragilidade em que muitas famílias se encontram, com uma pressão enorme nos domínios do emprego, do apoio aos filhos e da perda de rendimentos, tendo de gerir sentimentos de stress e insegurança em relação ao futuro.

 

Para abordar a concretização de um Ensino @ Distância para os alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE), nomeadamente os que apresentam dificuldades acentuadas e persistentes ao nível da comunicação, interação, cognição ou aprendizagem e que exigem recursos especializados de apoio à aprendizagem e à inclusão; temos ainda de ter em conta dois aspetos fundamentais.

Em primeiro lugar o E@D não substitui em nada os contextos naturais de aprendizagem e toda a sua riqueza. São os contextos que fazem a aprendizagem. É na riqueza das interações, na adaptação à complexidade e desafios sociais e na identificação com os outros, que se aprende. A aprendizagem necessita de um contexto ecológico e esse local é a escola. Não apenas pelas regras sociais e pelos valores, mas também pelo envolvimento vitamínico que este contexto promove naquilo que é aprendido e nas suas consequências indeléveis no desenvolvimento global das capacidades daquela pessoa.

Em segundo lugar, a abordagem do ensino para estes alunos não deve ser feita pela tipologia do seu diagnóstico clínico, mas sim pelo reconhecimento da sua individualidade e pelo conhecimento que a escola tem da forma única como essa pessoa aprende, como se relaciona e como sente a vida, com todas as suas potencialidades e com as barreiras que se lhe apresentam. Não há ensino para o aluno com Hiperatividade, não há a receita para a Dislexia, não há o apoio à Dificuldade Intelectual. O que há são pessoas, cada uma diferente da outra, cujas especificidades são profundamente conhecidas pelos seus professores e famílias e que precisam que essas diferenças sejam compreendidas na sua pessoa e no seu contexto e não através de uma forma padronizada baseada em pré-conceitos, sobre o que o seu diagnóstico clínico generaliza.

O E@D não pode ser uma tentativa de decalque de uma situação contextualizada de aprendizagem, através de uma chamada vídeo com os professores de meia em meia hora, tão pouco uma telescola, ou um computador com instruções

Tendo isto em mente, o E@D não pode ser uma tentativa de decalque de uma situação contextualizada de aprendizagem, através de uma chamada vídeo com os professores de meia em meia hora, tão pouco uma telescola, ou um computador com instruções. Tem de ser convertido num apoio às famílias, para que possam mitigar os efeitos desta permanência em casa e sentirem-se capacitadas para o desenvolvimento de atividades em contexto habitacional, fornecendo ferramentas para melhorar a qualidade de vida e qualidade dos cuidados pessoais e da educação. Terá de ser um acompanhamento mais focado na família, nas suas necessidades e competências, mas também nas dúvidas e receios, encontrando as melhores formas de a ajudar. Devem ser fornecidas propostas formativas para autonomizar a família nos cuidados e desenvolvimento da criança, considerando os recursos existentes, os contextos, as redes sociais e familiares, potenciando o contexto.

Daí a necessidade de apenas um docente fazer esta ponte, tendo atrás de si a equipa pedagógica e técnica, que já trabalhava com o aluno na escola e que o conhece bem, incluindo também as áreas curriculares específicas, a saúde escolar e técnicos. Faz todo o sentido que sejam os professores de Educação Especial, que conhecem cada aluno, a fazer essa ponte, tendo por trás uma equipa que vai partilhar conhecimentos e fornecer ferramentas para esses contactos de apoio à distância. Isto liberta-a para pensar em propostas e construir atividades, materiais e estratégias, de acordo com aquele aluno em concreto, mas também adequadas aos dias que correm e à situação de cada contexto. Estas equipas devem ter os seus espaços de encontro e de partilha, dentro de um plano específico em cada Agrupamento de Escolas.

O E@D, veio pôr a nu as desigualdades, que a escola mitigava presencialmente, tornando-se hoje óbvias as diferenças entre as famílias com mais e com menos recursos

O E@D, veio pôr a nu as desigualdades, que a escola mitigava presencialmente, tornando-se hoje óbvias as diferenças entre as famílias com mais e com menos recursos. Estamos a falar de uma população particularmente frágil e de risco, para quem o afastamento escolar é fator acrescido de preocupação. Torna-se fundamental que as entidades de apoio social, de saúde e de proteção, mantenham um contacto próximo com estas famílias, criando canais preferências de comunicação em caso de necessidade, ou de emergência. Muitos destes alunos têm condições económicas, habitacionais debilitadas, com pouco acesso a recursos específicos para o lazer, o ensino e para aceder a apoios terapêuticos e cuidados de saúde. Isto deve merecer particular atenção de todos os envolvidos. Terão igualmente de ser garantidas as condições tecnológicas adequadas, para que todas as famílias, sem exceção, acedam ao acompanhamento da escola e, em caso de necessidade, mobilizar as entidades e empresas da rede comunitária.

Dado que apoio à distância destes alunos, só se torna possível com a presença de um adulto de referência, torna-se importante garantir os aspetos de apoio social, laboral e económico, dado tratar-se de um educador e de um cuidador em permanência.

Toda esta situação precipitou-se de forma extremamente rápida, não dando à escola tempo para a sua preparação. Os alunos com NEE exigem um conjunto de recursos específicos e de atividades preparadas ou adaptadas exclusivamente para si, não existindo nada pré-feito para E@D. Tudo terá de ser construído e pensado de raiz, adaptando os recursos existentes padronizados. O Ministério da Educação deveria garantir excecionalmente que as empresas disponibilizassem gratuitamente manuais escolares, cadernos de exercícios, livros pedagógicos, software educativo e diferentes recursos digitais, destinados a todos os níveis, para download gratuito de docentes de apoio e alunos, promovendo equidade no acesso a materiais, mitigando, desta forma, desigualdades em relação às famílias com menos recursos.

Por último, não se pretende uma avaliação formal dos alunos ou do trabalho dos pais, nem tão pouco transformar os pais em professores. A avaliação tem um caráter formativo, focada no acompanhamento do desenvolvimento de um Plano de Apoio dinâmico, da pertinência da sua implementação, da sua utilidade e efeitos práticos, bem como da perceção das famílias e da equipa; devendo dar lugar a permanente adequação e melhoria.

Respondendo à questão que preocupa tanta gente, que é, como fazer E@D para os alunos com NEE: qualquer plano que se desenvolva tem de partir do princípio que a diferença, quando é motivo de desigualdades, tem que ser combatida com equidade, promovendo a igualdade de cada um.

Parafraseando Boaventura de Sousa Santos: Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades”.

Texto de Jorge Humberto Nogueira, professor, mestre em Educação Especial e Inclusão. Membro do Bloco de Esquerda Torres Vedras

Sobre o/a autor(a)

Professor, mestre em Educação Especial e Inclusão.
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