Como a poluição luminosa cortou a ligação ancestral da humanidade com as estrelas

21 de February 2023 - 21:17

Além de impedir a população urbana de ver as estrelas, o clarão das cidades afeta a vida selvagem e até boa parte dos observatórios instalados longe delas. Para reverter a situação, o movimento pelo "céu escuro" desafia-nos a contar estrelas. Artigo de Or Graur.

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A Via Láctea sobre a formação rochosa de arenito Balanced Rock com a estrela brilhante Sirius à direita no Arches National Park, Moab, Utah. Foto de Diana Robinson/Flickr
Este artigo pode também ser ouvido no Alta Voz, o podcast de leitura de artigos longos do Esquerda.net. Para isso basta carregar nesta ligação.

Os seres humanos têm naturalmente medo do escuro. Por vezes imaginamos monstros debaixo da cama e caminhamos mais depressa pelas ruas sem luz à noite. Para vencer os nossos medos, podemos deixar uma luz noturna acesa para afugentar os monstros e uma luz sobre o alpendre para dissuadir assaltos.

No entanto, ao aconchegarmo-nos em segurança sob as nossas fontes de luz, perdemos a nossa ligação com o céu noturno. A campanha de sensibilização pública "Globo à Noite" revelou que, entre 2011 e 2022, o céu noturno do mundo mais do que duplicou em brilho artificial. No entanto, as intervenções locais podem criar mudanças significativas.

A poluição luminosa está a privar-nos de uma das maiores maravilhas da natureza, prejudicando a vida selvagem e bloqueando a investigação que poderia ajudar a combater as alterações climáticas. As estrelas são mais do que cintilações bonitas no céu noturno. Elas moldaram a mitologia de cada civilização humana. Elas guiam as aves nas suas espantosas viagens migratórias. E agora precisamos de fazer a nossa parte para evitar a poluição luminosa, para que as estrelas possam fazer parte do nosso futuro.

O olho humano pode detetar cerca de 5.000 estrelas no céu noturno. Mas a luz emitida por arranha-céus, candeeiros de rua e casas obscurece todas as estrelas à exceção de um punhado das mais brilhantes.

Os nossos antepassados utilizavam a ascensão e o posicionamento das constelações como calendários. Também navegaram em função das estrelas enquanto procuravam novas terras ou traçavam rotas comerciais náuticas. Os marinheiros normalmente já não utilizam as estrelas para navegar, mas ainda lhes é ensinado como fazê-lo, no caso dos seus sistemas de navegação se avariarem.

Os animais migratórios, incluindo aves e insetos, são afastados das suas rotas de voo naturais pelo chamamento do "clarão " das cidades. No verão de 2019, Las Vegas foi invadida por milhões de gafanhotos migratórios, enquanto os feixes do Homenagem em Luz do 11 de Setembro de Nova Iorque são um íman para os bandos de pássaros canoros migratórios que voam durante a noite.

Desorientados pelas luzes brilhantes da cidade, os pássaros embatem em arranha-céus. O número de insetos está a cair em todo o mundo e a poluição luminosa está a agravar a situação, perturbando os seus ciclos de vida noturna.

O que é a poluição luminosa

A poluição luminosa é causada pela mesma física que torna o céu azul durante o dia. A luz solar é composta por todas as cores do arco-íris e cada cor tem um comprimento de onda diferente. O ar que nos rodeia é composto por pequenas partículas (tais como oxigénio e moléculas de dióxido de carbono).

À medida que a luz do Sol percorre o ar, é espalhada por estas partículas em direções aleatórias. A luz azul (com comprimentos de onda mais curtos) está espalhada mais do que a luz vermelha (que tem comprimentos de onda mais longos). Como resultado, os nossos olhos recebem mais luz azul de todas as direções no céu.

À noite, a luz espalhada pelas mesmas partículas de ar faz com que o céu brilhe sobre nós. Uma pequena fração deste brilho do céu é causada por fontes naturais, tais como a luz das estrelas e a atmosfera da Terra. Mas a maior parte da luz que cria o brilho do céu é artificial.

 A poluição luminosa não é bonita. Imagem de Jeremy Stanley/Wikimedia, CC BY

ãoA poluição luminosa também afeta a nossa capacidade de estudar o universo. Mesmo os observatórios modernos, construídos no topo de montanhas remotas, são afetados pelo clarão que invade as cidades que crescem e se espalham. A poluição luminosa é tão generalizada que isso atinge três quartos de todos os observatórios.

Olhar para cima

No entanto, não há razão para desespero. Criámos poluição luminosa, mas podemos corrigi-la.

Em todo o mundo, as associações do "céu escuro" estão a trabalhar para sensibilizar a população para os perigos da poluição luminosa, para fazer pressão no sentido de legislação para proteger reservas do céu escuro e encorajar as pessoas a reiniciar a sua ligação com os céus escuros e repletos de estrelas.

O combate à poluição luminosa começa em casa. Se precisar de manter as luzes exteriores acesas para segurança, utilize lâmpadas com proteção que apenas brilham para baixo. Use lâmpadas que não emitem luz violeta e azul, uma vez que isto é prejudicial para a vida selvagem. Controlos de iluminação inteligentes também ajudarão a reduzir o efeito da sua casa na vida selvagem e facilitarão a sua observação do céu noturno.

Mapa mundial de 2016 do brilho artificial do céu. 80% da população mundial é agora afetada pela poluição luminosa. Crédito: Falchi et al., Science Advances, 2016;2:e160037.

Também encontrará mapas interativos que mostram o quão poluídos estão os céus na sua região. Estes mapas são criados a partir de dados recolhidos por satélites e por cientistas cidadãos que participam na contagem anual de estrelas. Também pode ajudar a escurecer os nossos céus.

No Reino Unido, a contagem anual de estrelas de 2023 terá lugar entre os dias 17-24 de Fevereiro. E, onde quer que se encontre no mundo, poderá sempre participar na contagem anual de estrelas do Globo à Noite sempre que quiser.

A tarefa é simples: saia numa noite com céu limpo, conte quantas estrelas consegue ver numa constelação bem conhecida, como a de Orion, e mande a contagem.

Para derrotar a poluição luminosa, precisamos de saber quão grave é e que diferença fazem as políticas nacionais e as intervenções locais (como a substituição das luzes da rua na sua cidade). No Reino Unido, por exemplo, a contagem de estrelas mostra que a poluição luminosa pode ter atingido o seu auge em 2020 e começou a diminuir.

Talvez o aspeto mais importante da contagem de estrelas seja o facto de chamarem a atenção para os nossos céus noturnos em extinção e nos estimularem a agir. Em última análise, cabe a cada um de nós reduzir o nosso efeito no céu, alterando a forma como iluminamos as nossas casas e bairros e pressionando os nossos representantes para aprovarem legislação em prol do céu escuro.


Or Graur é professor de Astrofísica na Universidade de Portsmouth, em Inglaterra. Artigo publicado no portal The Conversation. Traduzido por Luís Branco para o Esquerda.net