You are here

Chomsky: “Queimadas na Amazónia são um crime contra a humanidade”

Em entrevista, Chomsky defende que “as políticas de Bolsonaro são verdadeiramente criminosas e devem enfrentar forte oposição” e alerta que a emergência da crise ambiental, “a menos que seja rapidamente e seriamente abordada, condenará a vida humana organizada”.
Foto publicada na página de facebook oficial de Noam Chomsky.

As cerejeiras floresceram em agosto, em Santiago do Chile, um mês antes do início da primavera, que costumava chegar em setembro no hemisfério sul. Um belo efeito que é rapidamente ofuscado ao constatar que no outono se reduz inexoravelmente. Mas, não é a única coisa que muda, muito menos a mais grave.

Há várias semanas, a Amazónia está a arder e a ameaça aproxima-se de mais de um quarto das espécies da Terra: 30.000 tipos de plantas, 2.500 espécies de peixes, 1.500 aves, 500 mamíferos, 550 répteis e 2,5 milhões de insetos. Isto sem mencionar que essa floresta fornece 20% da água doce não congelada do planeta e também, como já se disse, produz 20% do oxigénio total disponível na Terra.

Embora seja verdade que o oxigénio produzido pela Amazónia é consumido na própria Amazónia, as palavras do Ministro do Meio Ambiente do Brasil, quando declara que a referida região “não é o pulmão do mundo”, porque possui o seu ciclo fechado e que, portanto, "é um património brasileiro" e que "essa história de que pertence à humanidade é uma tolice", encerram a enorme dimensão da crise que enfrentamos ao desconhecer o seu papel vital no fluxo de chuvas em toda a América Latina, na regulação do clima global e na contribuição de nutrientes para os microrganismos que produzem no mar o oxigénio que respiramos, e que tudo isso tem um impacto direto na sobrevivência da humanidade.

A emergência climática, então, é um problema de direitos humanos. Assim, pelo menos, começa a ser cada vez mais entendida. Noam Chomsky, atual académico na Universidade do Arizona, descrito pelo The New York Times como o intelectual vivo mais relevante, respondeu a um questionário do El Mostrador, no qual sem receios observa que, se não tratarmos rapidamente e seriamente a emergência climática, a vida humana organizada estará condenada.

A entrevista é de Roberto Manríquez, publicada por El Mostrador e reproduzida por Rebelión, 31-08-2019. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

Até há alguns anos atrás, argumentava-se que a temperatura global demoraria pelo menos duas décadas para subir, mas isso aconteceu numa questão de anos. Concorda com a impressão de que a emergência climática evoluiu muito mais rápido do que o esperado?

Foi demonstrado repetidamente que o consenso do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática foi muito conservador, o que não é surpreendente. Um consenso tende a permanecer no menor denominador comum. As perspectivas para agora, no entanto, são consideravelmente mais sombrias do que se supunha recentemente.

Hoje existe uma coincidência de que o sistema neoliberal é diretamente responsável pelo impulso predatório e que, nesse sentido, os meios de comunicação globais que hoje parecem alarmados, durante décadas, ignoraram o problema e defenderam o sistema económico, apesar dos custos. Que responsabilidade vê neles?

Os meios de comunicação definitivamente têm responsabilidade. Durante anos, apenas abordaram esse problema, que é o mais importante que surgiu na história da humanidade, já que a emergência dessa crise ambiental, a menos que seja rapidamente e seriamente abordada, condenará a vida humana organizada. Os meios de comunicação no passado, quando abordaram a problemática, a apresentaram como uma disputa entre dois grupos: os alarmistas e os negacionistas, estando no primeiro grupo quase todos os cientistas climáticos credenciados no mundo. Os relatórios finalmente começaram a mudar, mas não o suficiente, considerando o que está em jogo, isso em relação aos meios de comunicação dirigidos a grandes audiências.

E no mundo dos negócios?

As páginas de notícias da imprensa empresarial, como o Wall Street Journal (WSJ), tendem a ser bastante precisas. O mundo dos negócios está muito ciente de que as suas políticas estão a destruir a vida na Terra e que estão a explodir na cara dos seus próprios negócios. Veja o exemplo mais óbvio e bem estudado: ExxonMobil. Os seus próprios cientistas estiveram na vanguarda, desde os anos 1960, explicando as sérias ameaças do uso de combustíveis fósseis. Contudo, a gestão não só avança a toda velocidade para maximizar a sua utilização, como também tem sido o principal financiador do negacionismo, continuando até o presente. Essa é a estrita lógica capitalista.

Em relação aos incêndios na Amazónia, as evidências científicas, que por sua vez foram replicadas em vários meios de comunicação do mundo, concentraram-se em culpar a desflorestação ilegal como uma das causas desses incêndios florestais. O que pensa dessas políticas do governo Bolsonaro que incentivam as queimadas para limpar a terra para utilização agrícola?

Que deveriam ser considerados um crime contra a humanidade, muito grave. A Amazónia é um dos maiores escoadouros de carbono do mundo e produz cerca de 20% do oxigênio do mundo. As políticas de Bolsonaro são verdadeiramente criminosas e devem enfrentar forte oposição.

Por esses dias, foram realizados protestos em embaixadas nos Estados Unidos e no Brasil. Qual a sua opinião sobre eles?

Os Estados Unidos e o Brasil são estados fora da lei. Felizmente, em ambos os países há protestos internos e ativismo, que merecem apoio internacional. Mas as políticas dos dois governos são, de facto, "suicidas" para a humanidade em geral. Deveriam protestar vigorosamente em todo o mundo, de todas as maneiras possíveis.

Artigo publicado em: http://www.ihu.unisinos.br/592238-as-queimadas-na-amazonia-sao-um-crime-contra-a-humanidade-entrevista-com-noam-chomsky

Termos relacionados Internacional
(...)