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A China e a guerra comercial: uma perspetiva ampla

Esta é a segunda vez na história que os Estados Unidos utilizam o seu poder económico para travar a ascensão de uma potência rival na Ásia. Desde a restauração Meiji, que pôs fim ao xogunato dos Tokugawa em 1868, o Japão desenvolveu uma política económica e tecnológica bem-sucedida visando alcançar um desenvolvimento industrial comparável ao da Inglaterra ou da Alemanha. Nos anos 30 do século passado, o Japão pressionou os seus vizinhos na Ásia para construir a Grande esfera da coprosperidade, o que lhe permitiria garantir mercados para as suas exportações e uma fonte estável de recursos naturais. Os Estados Unidos, a Inglaterra e a França não viram com bons olhos o surgimento do novo rival asiático. Os seus esforços para bloquear a ascensão da nova potência rival foram um fator importante, embora não o único, no surgimento do militarismo japonês. Eles também serviram para detonar a Segunda Guerra Mundial no Pacífico.
Hoje tudo mudou, mas na Ásia surgiu um novo rival. A China converteu-se em poucas décadas numa potência que os Estados Unidos consideram já uma ameaça. Após anos de guerra e de ocupações estrangeiras, o triunfo do Partido Comunista Chinês, em 1949, levou à criação da República Popular da China. Em 1978, Deng Xiaoping introduziu uma primeira série de reformas na condução da economia. Entre 1979 e 2013, a economia chinesa manteve uma taxa média de crescimento anual próxima dos 10%. Ao mesmo tempo, Pequim manteve a liderança do Estado na estratégia económica e uma política industrial e tecnológica que levou a profundas transformações estruturais. A China, hoje, aspira a que a sua moeda seja reconhecida como meio de pagamento e reserva de valor à escala internacional. A sua iniciativa da Nova Rota da Seda é um projeto de infraestrutura e transporte que procura dar uma projeção global ao poder económico chinês.
Atualmente, a China está envolvida numa guerra comercial com os Estados Unidos. No último ano, Washington e Pequim impuseram tarifas aduaneiras de até 25 por cento sobre os fluxos comerciais de mais de 900 mil milhões de dólares. Mas esta guerra comercial é, na realidade, outra frente de batalha numa guerra de longo prazo.
A guerra foi iniciada por Washington, mas não procura corrigir um simples problema de desequilíbrio comercial em alguns produtos, como a soja, o alumínio ou o complexo automóvel. Não é sequer uma guerra sobre o saldo da balança comercial, como disse Trump. É uma guerra cujo objetivo é forçar a China a adotar uma política diferente sobre controles de capital, política industrial e propriedade intelectual. No G20, em junho passado, Xi Jinping e Trump concordaram com um armistício para começar negociações comerciais. Mas esse processo durará muito tempo, porque o confronto é quase a nível existencial.
A taxa de crescimento do PIB para o segundo trimestre do ano (6,2%) é a mais fraca desde que essa variável começou a ser medida, em 1992. Segundo Trump, esse resultado mostra que a guerra comercial está a afetar mais a economia chinesa. A realidade é que a China tem tido taxas de expansão mais baixas há vários anos. Para começar, a economia chinesa não saiu sem feridas da crise global de 2008: a queda da procura internacional nos seus principais mercados contribuiu para um retrocesso muito importante (a taxa de crescimento do PIB chegou a 6,6% em 2009). As autoridades económicas em Beijing responderam rapidamente com um estímulo fiscal e uma política monetária flexível, o que levou a uma recuperação em 2010-2011, mas desde então manteve-se uma clara tendência para taxas de crescimento mais baixas.
O caminho que a economia chinesa seguirá nos próximos meses não é evidente. Alguns analistas consideram que o pior já passou e que em importantes mercados internos, por exemplo a venda de automóveis, os números mostram estabilidade. No entanto, a maioria dos principais indicadores (vendas a retalho, procura de energia, indústria da construção civil) mostram que a economia chinesa continuará a manter uma trajetória de menor expansão económica. Além disso, como resultado da sua política monetária, hoje toda a economia ainda está a tentar reduzir os efeitos do sobre-endividamento e, talvez, seja esta a causa mais importante da queda na taxa de crescimento.
Voltamos ao ponto de partida. Os Estados Unidos podem causar muitos danos à economia chinesa, mas sem uma guerra militar não poderão impedir a sua ascensão. Na sua tentativa de travar o novo poderio chinês, os Estados Unidos pagarão um custo muito alto ao converter-se numa sociedade cada vez mais repressiva. Os reflexos imperiais de Washington fortalecerão internamente as tendências ditatoriais e levarão ao desaparecimento do que resta da república.
Artigo de Alejandro Nadal, publicado em La Jornada a 17 de julho de 2019. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net
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