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A central de desinformação da Monsanto

Documentos da empresa agro-química mostram que esta tinha, entre 2015 e 2017, uma central de informações que procurava desacreditar os críticos do seu herbicida. Antes, em 2013, a Monsanto contratara uma empresa de relações públicas para vender a ideia de que os organismos geneticamente modificados são seguros.
Manifestação contra a Monsanto. Washington. 2013.
Manifestação contra a Monsanto. Washington. 2013. Foto de Stephen Boyle. Flickr.

Neil Young é um nome conhecido. Carey Gillam não. O que os une é que foram alvos preferenciais da central de informações criada pela Monsanto para atingir os críticos da empresa.

A atividade do cantor norte-americano nas redes sociais e o conteúdo da sua música eram seguidos com tanta atenção que até houve um memorando interno da empresa sobre ele e gráficos detalhados sobre os conteúdos do seu Twitter. Isto porque, em 2015, Young compôs um álbum intitulado The Monsanto Years.

Quanto a Carey Gillam, jornalista da Reuters, o caso foi ainda mais grave. Porque esta, em 2017, escrevera um livro, Whitewash – The Story of a Weed Killer, Cancer and the Corruption of Science, em que revelava o esforço da empresa para manipular a ciência de forma a que o seu herbicida Roundup não fosse associado ao linfoma.

Num artigo de opinião no Guardian, Gillam diz que, apesar de cobrir o mundo empresarial norte-americano há mais de 30 anos e de conhecer as suas tácticas de propaganda, ficou “chocada” quando tomou conhecimento da dimensão da operação que lhe foi dedicada. Defende que “quando o poder empresarial é usado tão intensamente para silenciar os mensageiros, para manipular a opinião pública, a verdade fica sufocada. E devemos todos temer.”

O acesso aos documentos que provam a existência desta operação foi obtido devido aos casos que atualmente estão a ser julgados em vários tribunais norte-americanos. O jornal The Guardian analisou documentos escritos entre 2015 e 2017 que provam que, por exemplo, a Monsanto desenvolveu uma estratégia de ataque ao livro de Gillam que passava por a empresa facultar a “partes terceiras” tópicos pré-preparados para denegrir o livro e concertar críticas negativas com “clientes da indústria e da agricultura”. Na Amazon, por exemplo, o livro da jornalista foi inundado desde o seu lançamento de críticas negativas.

Fica também provado que a Monsanto pagou à Google para promover resultados críticos do seu trabalho a quem procurasse no motor de buscas “Monsanto Glyphosate Carey Gillam”. E foram reveladas discussões internas sobre as pressões para fazer com Gillam deixasse de cobrir o assunto na Reuters.

Para além disso, uma ONG americana, a US Right to Know, foi monitorizada semanalmente. Gary Ruskin, seu co-fundador, diz que sabe que “nos viam como uma ameaça” mas adianta que “não conhece mais nada além disso”.

Havia ainda todo um plano para desacreditar a Agência Internacional de Investigação que tinha considerado em 2015 o glifosato como potencialmente cancerígena.

A operação tinha até um nome de código, “projeto Spruce”, e envolvia a contratação de uma empresa, a FTI Consulting. A mesma empresa infiltrou no início deste ano uma falsa repórter entre os jornalistas que cobriam os julgamentos de forma a tentar influenciá-los, sugerindo abordagens favoráveis à Monsanto.

Ketchum, as relações públicas ao serviço dos organismos geneticamente modificados

Estas táticas não são surpresa. Ainda antes destes factos, em 2013, a Monsanto contratou a empresa de relações públicas Ketchum PR, famosa pelo seu contrato milionário com a Gazprom e as suas campanhas pró-russas. Esta criou uma campanha chamada "OGM Respostas", dedicada à promoção dos organismos geneticamente modificados e pagou a cientistas para os defender.

Tamar Haspel, uma blogger especializada em saúde, foi uma das que embarcou na campanha, tendo sido contratada depois para escrever sobre alimentação no Washington Post, onde frequentemente promovia alimentos geneticamente modificados e procurava minimizar os perigos dos agrotóxicos. Numa coluna de 2015, por exemplo, Haspel tentava explicar que não havia qualquer perigo com o glifosato. Uma das fontes que citava em defesa dessa tese era Keith Solomon, consultor da Monsanto que já antes tinha trabalhado para a Syngenta. Solomon é acusado de ser o escritor fantasma por detrás de vários artigos sobre o tema.

Outro personagem no universo de influência da Monsanto, igualmente ligado a Haspel, é o professor da Universidade da Florida, Kevin Folta, autor de vários artigos e promotor de inúmeras conferências. Folta agia sempre como cientista independente mas, em 2015, o New York Times expôs as suas ligações financeiras à Monsanto.

O jornal HuffPost revelou 130 páginas de documentos sobre esta campanha que envolvia ainda sites como The Motley Fool e o Politico.

Alguns dos documentos revelam claramente a estratégia da empresa de relações públicas para promover o ceticismo face aos OGM, produzir estudos que seriam assinados depois por académicos, promover determinados cientistas supostamente independentes que depois atuariam como especialistas face à imprensa, ou pagar a organizações como o Conselho Americano para a Ciência e Saúde para atacar cientistas e jornalistas que fossem críticos da Monsanto.

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