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Brasil: Morte de menina de 8 anos causa comoção e indignação

Ágatha foi atingida nas costas por uma bala disparada pela polícia militar. É a quinta criança morta este ano por balas da PM do Rio de Janeiro. O presidente Bolsonaro não disse uma palavra sobre o caso. Por Luis Leiria.
Ágatha é a quinta criança a morrer este ano devido às balas da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Outras quatro foram atingidas mas sobreviveram.
Ágatha é a quinta criança a morrer este ano devido às balas da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Outras quatro foram atingidas mas sobreviveram.

A morte da menina Ágatha Vitória Sales Félix, de 8 anos, atingida nas costas por um tiro disparado pela Polícia Militar do Rio de Janeiro, causou uma onda de indignação na sociedade brasileira. A bala que a matou a menina atravessou o banco do carro onde se deslocava com o avô, na última sexta-feira, na Fazendinha, parte do complexo do Alemão, um bairro da zona Norte do Rio de Janeiro que abriga um conjunto de favelas onde vivem 69 mil pessoas.

O incidente ocorreu num momento em que a furgoneta Kombi parara para que outros passageiros pudessem sair. Segundo o avô da criança, apenas um tiro foi disparado. Os polícias terão tentado alvejar uma moto em movimento, e a bala, em vez da moto, atingiu a menina.

A versão da polícia é diferente: segundo um porta-voz da PM, os policiais afirmaram ter sido “atacados de forma simultânea por marginais daquela localidade, e revidaram”.

Bolsonaro, nem uma palavra

O complexo do Alemão. Foto de Olimor - original e remix - Obra do próprio, Domínio público.
O complexo do Alemão. Foto de Olimor - original e remix - Obra do próprio, Domínio público.

Ágatha foi enterrada no domingo, sob forte comoção, com amigos e familiares a gritarem por Justiça. Até a tarde desta segunda-feira, apenas o vice-presidente Hamilton Mourão, se pronunciara para sustentar que os polícias “foram atacadas de várias localidades da comunidade de forma simultânea” e que “revidaram à agressão”. Para o general na reserva, “isso é a guerra do narcotráfico”. “É aquela história. É a palavra de um contra o outro.” O mais chocante foi que o presidente Jair Bolsonaro, tão rápido a comentar qualquer coisa nas redes sociais, não pronunciou ou escreveu uma palavra sobre a morte da menina.

E só na tarde de segunda-feira o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, quando já tinham passado três dias sobre a morte da menina, convocou uma conferência de imprensa onde finalmente lamentou o sucedido, mas apenas para voltar a defender a sua política de segurança, que, segundo ele, está a dar certo. Entre os dados esgrimidos, não mencionou alguns dos mais significativos: que desde que assumiu como governador, o número de mortes em ações policiais aumentou 46% e a taxa de crianças baleadas aumentou 80%. Que o mês de maio registou um recorde de violência policial: a polícia do Rio de Janeiro cometeu um em cada três homicídios registados no estado.

Ágatha é a quinta criança morta pela PM do Rio de Janeiro este ano, e a nona atingida por balas da PM. Crianças com idades entre os 11 anos e 1 ano e 10 meses.

Governador incentiva a polícia a matar

Este é o resultado da verdadeira licença para matar que o governador do Rio deu à sua polícia. Mais que licença, incentivo a matar. Foi Witzel que disse numa entrevista: “O correto é matar o bandido que está de fuzil. A polícia vai fazer o correto: vai mirar na cabecinha e... fogo! Para não ter erro”. Foi ele que comemorou como se fosse um golo da sua equipa de futebol a morte de um homem com evidentes problemas mentais que sequestrara um ônibus na ponte Rio-Niterói. Foi ainda ele que falou de dentro de um helicóptero da polícia: “Vamos botar fim da bandidagem!”, o mesmo helicóptero de onde saíu uma rajada de balas que atingiu uma tenda de lona azul no topo de um morro, um local habitual de oração da população que, por sorte, estava vazio.

Excludente de ilicitude” em risco

A comoção provocada pela morte da menina levou o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, a defender “uma avaliação muito cuidadosa e criteriosa sobre o excludente de ilicitude”, um dispositivo do chamado “pacote anticrime” proposto pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, que está em discussão na Câmara.

O Código Penal brasileiro não vê crime quando o polícia mata alguém em legítima defesa ou no cumprimento do dever legal; mas o polícia tem de responder em caso de excesso doloso ou culposo.

A proposta de Moro incluiu a possibilidade de o juiz reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de “escusável medo, surpresa ou violenta emoção.”

O “pacote anticrime” é a grande bandeira de Moro no Ministério da Justiça. O ministro já demonstrou desconforto por o governo não ter dado prioridade à sua aprovação, e agora corre o risco de ver reprovadas algumas das suas medidas de mais impacto.

Sobre o/a autor(a)

Jornalista do Esquerda.net
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