You are here
Brasil: greve geral evidencia contradições da crise
O Brasil viveu nesta sexta-feira a segunda grande mobilização nacional, com inúmeras paralisações e manifestações, contra as chamadas reformas trabalhista e previdenciária do governo, e pela demissão do próprio presidente Michel Temer. Houve mobilizações em cerca de 130 cidades, com greves importantes tanto no setor privado quanto público, cortes de estradas, ocupações de aeroportos, manifestações de rua e muita agitação. Mas o movimento foi inferior ao da greve geral de 28 de abril.
Em cidades onde o transporte público foi paralisado, o clima foi semelhante ao de dia 28. Foi o caso de Brasília, Recife, Aracaju, Belém e Fortaleza. Mas em São Paulo, a capital industrial do país, os transportes funcionaram e por isso não foi possível reproduzir a grande greve geral de há dois meses. Nesta e noutras capitais importantes, como o Rio de Janeiro, o que primou foram as paralisações de categorias específicas e as manifestações.
O recuo de uma parte das centrais sindicais na mobilização para a greve foi responsável pelo resultado inferior. As centrais sindicais mais ligadas ao governo, a Força Sindical e a UGT, abandonaram a organização da greve geral em troca de negociações com o governo para que seja mantido o famigerado imposto sindical, um valor anual que sai obrigatoriamente do bolso de cada trabalhador, seja ou não sindicalizado, e vai direto para a caixa dos sindicatos.
Outras centrais, como a CUT e a CTB, não demonstraram o mesmo grau de empenho e mobilização de há dois meses. As centrais mais combativas, a CSP-Conlutas e a Intersindical, e movimentos sociais como o MTST, fizeram todos os esforços, mas são minoritárias.
O paradoxo da crise brasileira
Estamos assim diante de um paradoxo: um governo encostado à parede, com um presidente acusado de corrupção pela Procuradoria-geral da República, sobrevive ainda e faz todos os possíveis por fazer aprovar por um congresso nacional pejado de acusados de corrupção as ditas reformas que não contam com qualquer apoio popular. Mas a crise dos de cima não encontrou ainda correspondência com a mobilização dos de baixo.
Acrescente-se a isso as ambiguidades da principal força de oposição, o Partido dos Trabalhadores: Numa mesma entrevista, o ex-presidente Lula afirmou que Temer não tem condições de governar, mas disse ao mesmo tempo que a acusação contra o presidente não tem provas: “Estamos vivendo quase um estado policial em que as pessoas são gravadas e grampeadas. Até um presidente da República foi grampeado e gravado da forma mais ilegal possível. Se isso pode acontecer com um presidente imagine com você, com um cidadão comum”. Lula referia-se à gravação a Temer feita pelo empresário Joesley Batista, peça-chave da acusação da Procuradoria-geral da República contra o presidente da República.
Bem diz Guilherme Boulos, do Movimento dos Sem Teto e da Frente Povo Sem Medo: “Nós temos um Congresso Nacional que legisla de costas para a sociedade brasileira, 70% da população rejeita a reforma trabalhista e eles estão levando adiante; 89% da população quer diretas, e eles estão barrando. Estão criando cada vez mais um perigoso abismo do Congresso Nacional e também do governo para o resto da sociedade brasileira. Você pára, os caras continuam; faz luta, os caras continuam; pára o Brasil, os caras continuam; vai chegando um ponto em que o povo perde a paciência e só resta a desobediência civil.”
Mais perto da “pizza”?
Para complicar ainda mais o panorama, no mesmo dia da greve surgiram demonstrações de divisão no Judiciário que vieram reduzir o ímpeto da atuação anticorrupção: em resposta a um recurso da defesa do senador e ex-candidato à Presidência Aécio Neves, do PSDB, o juiz Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, anulou decisão anterior de suspender o seu mandato parlamentar e rejeitou o pedido de que Aécio fosse preso. Acusado, com prova devastadora, de receber da multinacional JBS 2 milhões de reais para pagar os advogados da sua defesa, o também presidente do PSDB vai retomar o seu mandato.
Para um dos mais conhecidos procuradores da Lava-jato, Deltan Dallagnol, Aécio Neves, solto e no exercício das suas atividades parlamentares, poderá articular o fim da Lava-jato.
“Havia razões para estar preso, mas influenciará leis que governam nosso país. Livre inclusive para articular o fim da Lava Jato e amnistia”, escreveu no Twitter.
O fim da Lava-jato seria um grande acordo para que tudo acabasse “em pizza”, isto é, para que tudo ficasse, substancialmente, na mesma. Um bom medidor da força da hipótese “pizza” vai ocorrer nas próximas semanas, quando a câmara dos deputados decide se autoriza que Temer seja julgado ou não por corrupção (uma votação que precisa de maioria de ⅔). Mas mesmo que essa denúncia seja rejeitada, ainda terá de votar pelo menos mais uma: a de obstrução da Justiça, que deverá ser também entregue pelo Procurador-geral Rodrigo Janot.
Enfim, os próximos meses vão continuar a ser marcados pela devastadora crise política. Oxalá os “de baixo” encontrem novas forças para abreviá-la de forma favorável ao povo brasileiro.
Add new comment