You are here

Brasil: "A gravidade da crise não admite arranjos", afirma Guilherme Boulos

Em entrevista à Carta Capital, o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto afirma também que os movimentos sociais precisam ocupar as ruas e exigir eleições diretas.
Manifestação "Fora Temer". Os movimentos democráticos "precisam ocupar os espaços imediatamente", diz Boulos
Manifestação "Fora Temer". Os movimentos democráticos "precisam ocupar os espaços imediatamente", diz Boulos

Na noite da quarta-feira 17, tão logo vieram à tona as novas denúncias contra Michel Temer, o coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, Guilherme Boulos, liderou um protesto na Avenida Paulista, coração de São Paulo, que reuniu 5 mil manifestantes, número considerável para um ato convocado às pressas. Na pauta, a renúncia imediata do peemedebista [Temer] e a convocação de eleições diretas.

De acordo com Boulos, estas devem ser as bandeiras dos movimentos sociais neste momento crucial da vida nacional: ocupar as ruas e impedir um arranjo orquestrado em gabinetes e urdido para manter de pé as reformas propostas pelo atual governo. "Estamos em uma crise política sem precedentes e ela exige uma solução democrática", afirma na entrevista a seguir. Sem a participação popular, diz, o País entraria em convulsão. "Partiríamos para um nível de radicalização perigoso".

CartaCapital (CC): É o fim do governo Temer?

Guilherme Boulos (GB): Ninguém pode dizer que as denúncias são surpreendentes. O impeachment foi feito à base de corrupção, negociatas e compra de silêncio. Só não percebia quem não queria. De qualquer forma, apareceram provas contundentes. A gravação na qual o Temer negocia o silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha não deixa margens para dúvidas. Isso torna a continuidade do governo insustentável. Ele já não tinha legitimidade. Agora perde totalmente as condições políticas de governar. A única alternativa para essa nova crise é a renúncia imediata de Temer e a convocação de eleições diretas.

CC: A Constituição prevê eleições indiretas e os promotores do impeachment preferem colocar alguém no poder comprometido com a agenda conduzida pelo atual governo. Fala-se muito em Carmem Lúcia, presidente do Supremo. Como a defesa das eleições diretas poderia triunfar nessas circunstâncias?

GB: Estamos em uma crise política sem precedentes no País e ela exige uma solução democrática capaz de nos tirar dessa encruzilhada. Existem duas alternativas: essa crise vai ser resolvida por vias autoritárias ou por meio da devolução da soberania do voto popular. Saídas do ponto de vista legal existem. Bastaria aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional no Congresso para convocar eleições diretas. Há inclusive em tramitação uma PEC com essa finalidade. A própria lei eleitoral, não no caso de renúncias, mas de cassação da chapa, embora estimule controvérsias em sua interpretação, prevê eleições diretas até seis meses antes do fim do mandato. Não acho que essas questões devam ser colocadas como impasse. E é preciso entender os interesses em jogo.

CC: Quais?

GB: Quando decidiu divulgar a gravação, a Globo não o faz simplesmente ao léu. Deve ter uma ou várias cartas na manga. Qual seria? A ministra Cármen Lúcia me parece. Ela representaria uma transição "limpinha": representa o Judiciário, em tese não está envolvida em corrupção e poderia ser o nome ideal para manter o programa de governo iniciado por Temer. Se assim acontecer, será inadmissível.

CC: O que poderia acontecer?

GB: O Brasil entraria em convulsão. A gravidade da crise não admite arranjos. O Congresso não tem autoridade moral para conduzir uma eleição indireta. Independentemente de quem fosse eleito. Qualquer sucessão que não passe pelo voto popular vai manter a instabilidade. Não há forma de buscar uma saída sem chamar o povo a decidir. Partiríamos para um nível de radicalização extremamente perigoso.

CC: Depois das novas denúncias, o governo continua em condições de aprovar as reformas?

GB: Eles são inconsequentes e deles se pode esperar tudo. Não diria que as reformas antipopulares estão definitivamente enterradas. Seguramente o que aconteceu queima, no entanto, o escasso ativo político desse governo. Não vejo condições para se aprovar as medidas em meio a essa situação. Votar as reformas trabalhistas e da previdência neste momento seria o maior escárnio da nossa história.

CC: Com o sistema político em frangalhos, quem seria capaz de conduzir uma transição democrática?

GB: Esse é o ponto. A eleição direta é o único caminho para se começar a resolver os problemas, não a solução definitiva. O que a crise demonstra é a falência do sistema político. A Nova República chegou ao fim. A saída depende de uma transformação profunda do sistema político. De cima a baixo.

CC: Seria um começo?

GB: Ao restituir a soberania do voto popular, as eleições diretas interromperiam o programa de destruição nacional. Quem está combalido não é só o governo Temer. É o sistema político.

CC: Qual deve ser o papel dos movimentos sociais?

GB: Os movimentos não podem vacilar um só instante. Temos de tomar as ruas do Brasil para exigir a renúncia imediata do Temer e a convocação de novas eleições. Pois começam a acontecer movimentações oportunistas do outro lado. O nível de hipocrisia no País, você sabe, é impressionante. Aqueles que colocaram o vice no poder e até ao momento aplaudiam as medidas começam agora a gritar "Fora Temer". E podem querer disputar as ruas novamente. Os movimentos que têm legitimidade para levantar as pautas democráticas precisam ocupar os espaços imediatamente.

Entrevista de Guilherme Boulos a Sergio Lirio, publicada na CartaCapital em 21 de maio de 2017

Termos relacionados Internacional
(...)