You are here

Brasil: Governo Dilma-Lula em suspenso

Uma hora depois da posse de Lula da Silva como ministro da Casa Civil da Presidência, um juiz do Distrito Federal suspende a nomeação. Crise política aprofunda-se em ritmo frenético e o futuro é incerto. Por Luis Leiria.
Foto JOSÉ CRUZ/AGÊNCIA BRASIL/LUSA.

O ex-presidente Lula da Silva ficou apenas uma hora no Palácio do Planalto como ministro do governo da sua sucessora Dilma Rousseff. Foi o tempo que decorreu entre a cerimónia de posse de Lula como ministro da Casa Civil da presidente e o anúncio da decisão de um juiz da 4ª Vara do Distrito Federal que suspendeu a nomeação, alegando que há indícios de cometimento do crime de responsabilidade. O governo anunciou de imediato que vai recorrer.

A decisão de Lula da Silva aceitar um posto ministerial no governo de Dilma Rousseff é, antes de tudo, uma atitude desesperada para salvar o governo da queda iminente, depois das mobilizações de domingo 13 de março a favor do afastamento de Dilma da Presidência e contra a corrupção. Lula vinha procurando distanciar-se das últimas medidas do governo para não prejudicar as suas expectativas eleitorais em 2018, quando voltará a candidatar-se à Presidência. Mas certamente que um impeachment da presidente que ajudou a eleger seria um golpe mortal aos seus planos de voltar à Presidência.

Por outro lado, ascender ao posto de ministro permite que o ex-presidente se beneficie de um foro privilegiado, que impede que as investigações da sua eventual ligação ao escândalo de corrupção na Petrobrás saiam da alçada dos procuradores e juízes da Operação Lava Jato e passem para o Supremo Tribunal Federal. Isto não significa, como erradamente se disse, “imunidade” de Lula em relação às investigações. Estas prosseguem, mas noutra instância superior. Recorde-se que foi o STF que condenou o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu à cadeia. Mas é verdade que a ida de Lula para o governo o livra do assédio encarniçado do juiz Sérgio Moro, que conduz as investigações da Lava Jato e que nas últimas semanas afnilou todas as investigações na direção do ex-presidente.

Evitar o desembarque do PMDB

A decisão de Lula não foi fácil. Por duas vezes recusou a oferta de Dilma e só se decidiu a aceitar quando o PMDB deu sinais de que iria abandonar o governo. O “desembarque” do PMDB, que certamente seria acompanhado por outros partidos menores que fazem parte da base do governo, deixará o PT sem votos suficientes para impedir a maioria necessária para aprovar o impeachment na Câmara dos Deputados e no Senado.

O que Lula negociou com Dilma Rousseff foi uma ida para o governo acompanhada de uma remodelação governamental – Lula quereria levar para o executivo o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Celso Amorim e o dirigente do PDT Ciro Gomes – e também uma mudança no Banco Central, para onde regressaria Henrique Meirelles, que chefiou o mesmo banco durante os dois mandatos de Lula. A essa mudança corresponderiam alterações na política económica, através da reativação do Programa de Aceleração do Crescimento, com o relançamento de grandes obras públicas para criar emprego.

Delação de Delcídio

Mas o ritmo da crise no Brasil chegou a um grau de frenetismo tal que impede que se façam planos sequer a curto prazo. Na terça-feira, a divulgação pública e homologação pelo STF da delação do senador Delcídio do Amaral, da qual já haviam sido reveladas partes para a imprensa, veio trazer novas emoções. Delcídio acusou diretamente Dilma de ter tomado iniciativas para interferir na Operação Lava Jato através de pressões no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça e Lula de ter ordenado um pagamento para tentar impedir um acordo de delação do principal pivô do caso, o ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró.

Mas a novidade de mais impacto na delação foi a denúncia de que o ministro da Educação, Aloísio Mercadante, teria oferecido dinheiro para convencer Delcídio a não fazer a delação. O escândalo foi imediato, até que o ministro se defendeu garantindo que nunca fizera oferta alguma e que as frases citadas estavam fora de contexto. A verdade é que ouvindo-se a totalidade da gravação das conversas do ministro com um assessor de Delcídio, transparece preocupação de Mercadante, o que é normal, mas nenhuma proposta ilegal. A notícia, porém, paralisou o governo durante quase um dia e Lula adiou a sua decisão para quarta-feira de manhã.

Nesse dia, já depois de Lula ter aceite a nomeação e de esta ter sido anunciada, nova bomba: o juiz Sérgio Moro tornou públicas todas as gravações de escutas telefónicas feitas ao ex-presidente, entre as quais uma conversa tida no próprio dia entre Lula e Dilma, em que a presidente avisa Lula que lhe está a enviar o termo de posse como ministro para usar “em caso de necessidade”. Moro justificou a publicação pelo "interesse público”, que impede “a imposição da continuidade de sigilo sobre autos". Mas o certo é que a conversa ocorreu às 13h32 e às 18h38 a Globonews pôs no ar a gravação. Certamente um recorde mundial de rapidez em fugas de informação.

A interpretação de Moro do conteúdo da conversa foi que Dilma preparara a entrega do termo de posse como uma manobra para obstruir a Justiça, caso os procuradores tentassem prender Lula antes da cerimónia. Dilma mais tarde rebateria, afirmando que a entrega do termo de posse para Lula se justificava porque este poderia não poder comparecer à cerimónia, devido a uma indisposição da esposa.

Mas a notícia da conversa incendiou os ânimos de todos os que acharam que Lula estava a aceitar a nomeação apenas para fugir à Justiça – e que são a maioria dos que se manifestaram no domingo 13. Resultado: novas manifestações de protesto, contra Dilma e Lula, voltaram a ocorrer em muitas cidades, na noite desta quarta-feira, com a Globo a dar flashes delas quase de cinco em cinco minutos da sua programação.

Gravação ilegal

Para complicar ainda mais tudo, descobriu-se em seguida que o juiz de Curitiba tinha mandado suspender a interceptação telefónica às 12h18, e que a conversa ocorreu às 13h32, 46 minutos depois. Além disso, juristas consideraram ilegal a divulgação da gravação, por envolver a presidente da República, que não poderia ser posta sob escuta por juízes de primeira instância. Caso a presidente, ou alguém com foro privilegiado, aparecesse numa gravação por estar a falar com alguém posto sob escuta, a parte da conversa (neste caso, toda) em que a presidente intervém, não poderia ser tornada publicada e sim enviada para o Supremo Tribunal.

Outro atropelo do juiz Moro terá sido o de pôr o telefone dos advogados de Lula sob escuta, o que constitui, na opinião dos advogados Roberto Teixeira e Cristiano Martins, “um grave atentado às garantias constitucionais da inviolabilidade das comunicações telefónicas e da ampla defesa”, mostrando que “a intenção do juiz e dos membros do Ministério Púbico foi a de monitorar os atos e a estratégia de defesa do ex-Presidente".

Futuro incerto

Faltam menos de 140 dias para o início dos Jogos Olímpicos deste ano, no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, e a crise política no Brasil é tamanha que não se sabe quem presidirá ao país que sedia o evento quando ele começar.

O governo de Dilma Rousseff, que já estava suspenso no ar, mais frágil ficou ainda, já que a tentativa de voltar a assentá-lo nalguma base, que seria a sua transformação num governo Lula-Dilma, ou, para ser mais exato, num governo Lula 3, está também suspensa. Ainda assim, mesmo que a decisão do juiz Itagiba Catta Preta Neto – que não teve pejo de assumir publicamente, na sua conta do Facebook, que apoiava e participou das manifestações pelo impeachment – seja anulada e Lula tome posse, parece muito pouco provável que o governo se mantenha e consolide.

Uma das ironias de toda esta história é que o ponto-chave das manifestações pelo impeachment realizadas na Avenida Paulista, na capital industrial do país, S. Paulo, é em frente à sede da FIESP, a poderosa federação patronal paulista. A direita, o patronato, a burguesia brasileira decidiram que já não precisam de Lula e do PT para governar o país. Estes garantiram-lhes altos lucros desde o primeiro governo Lula, em troca de pequenas concessões assistencialistas – a famosa bolsa-família e similares. A conjuntura económica internacional, muito favorável aos países como o Brasil, os BRICS, permitiu uma solução em que aparentemente todos ganhavam. Por isso, Lula ainda em recente sondagem foi considerado o melhor presidente desde 1984 por 60% dos entrevistados.

Mas a situação agora é outra. A classe trabalhadora, o povo mais explorado que elegeu Lula e depois ainda, por pouco, Dilma, está desorientado e descrente, porque este governo só tem atacado os seus direitos e o desemprego aumenta. E a política petista de costurar acordos de divisão de poderes com partidos como o PMDB, personalidades sinistras como Fernando Collor ou Paulo Maluf esgotou-se. Agora, a direita controla as ruas com o apoio da classe média enquanto o PT e Lula perderam a sua base. Ainda esta semana, o processo do impeachment volta a andar na Câmara dos Deputados. E as manifestações pró-Dilma de sexta-feira provavelmente serão uma pálida resposta às enormes mobilizações de domingo passado. Sem contar que vêm aí novas delações, desta vez dos empresários da construção que estão presos. O futuro é incerto eo Brasil não é um país bom para cardíacos.

Termos relacionados Internacional
(...)