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Brasil: Dilma muda o comando da economia

Nelson Barbosa, mais ligado a Dilma e a Lula, assume o Ministério da Fazenda (Finanças) no lugar de Joaquim Levy. Novo ministro afirma que “ajuste fiscal” (austeridade) e recuperação do crescimento têm de andar juntas, uma quadratura do círculo que não explica como será feita. Mudança ministerial ocorre quando o movimento pró-afastamento de Dilma enfrenta dificuldades.
Nelson Barbosa (à esquerda) é o novo ministro da Fazenda. Foto da Agência Brasil
Nelson Barbosa (à esquerda) é o novo ministro da Fazenda. Foto da Agência Brasil

Joaquim Levy, o homem da austeridade brasileira, lá batizada de “ajuste fiscal”, foi afastado do Ministério da Fazenda (Finanças) e substituído pelo atual titular do Ministério do Planejamento (Economia), Nelson Barbosa. A decisão da presidente Dilma Rousseff, tomada na sexta-feira, foi vista como uma indicação de que a própria presidente vai assumir o comando na área económica do governo, já que, ao contrário de Levy, Barbosa é muito ligado a Dilma e a Lula.

Ajuste fiscal = austeridade

O ministro Levy assumiu o Ministério da Fazenda em janeiro, causando enorme surpresa ao anunciar uma política totalmente diferente daquela que Dilma Rousseff defendera durante a campanha eleitoral e muito próxima às propostas da oposição de direita. Homem oriundo do sistema financeiro, trabalhava antes de entrar no governo no banco Bradesco.

O ajuste fiscal, que começou de imediato a pôr em prática, significou uma série de cortes orçamentais destinados a obter um superávit primário (antes de juros) de 1,2% para 2015 e de pelo menos 2% para os dois anos seguintes. Os primeiros alvos dos seus cortes foram o subsídio de desemprego, o auxílio doença, o abono salarial, entre outros, concentrando-se a redução de gastos na área social, ao mesmo tempo que o governo promovia o aumento de impostos – aplicando uma receita muito conhecida em terras lusitanas. Lá, como cá, o resultado foi desastroso. O Brasil entrou numa pesada recessão, e a previsão é de que este ano haja uma contração do PIB de 3,62%, o que significará o pior resultado em 25 anos, ou seja, desde 1990, durante a presidência de Collor de Mello, quando houve uma queda de 4,35%.

O Brasil entrou numa pesada recessão, e a previsão é de que este ano haja uma contração do PIB de 3,62%, o que significará o pior resultado em 25 anos

E nem assim as contas públicas ficaram equilibradas, devido à redução da arrecadação fiscal provocada pela recessão. As metas foram sendo sucessivamente revistas, e a previsão de superávit primário de 2015 caiu para o equivalente a 0,15% Dilma até 2013, quando saiu, para regressar em 2015, de novo no Ministério do Planejamento. As suas discordâncias com Levy foram crescendo, sobretudo em torno dos níveis da meta de superávit primário.

O novo ministro defende uma posição do tipo “quadratura do círculo”, isto é, que o ajuste fiscal e a recuperação do crescimento têm de andar juntos.

Ao defender na quinta-feira a redução da meta de superávit primário de 2016, o ministro afirmou que “é crucial estabilizar o investimento”.

Crise política

A mudança ministerial é uma tentativa do governo de sair da paralisia provocada por uma crise política de proporções apocalípticas, procurando aproveitar as dificuldades que enfrentam os defensores do afastamento da presidente Dilma Rousseff. O processo do impeachment teve recentemente duas grandes derrotas. A primeira foi a decisão do Supremo Tribunal Federal de anular a formação da comissão na Câmara dos Deputados que irá decidir sobre o curso do processo do impeachment, dado que uma decisão do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que permitiu dar mais peso na comissão aos defensores do afastamento, não tem suporte no regimento parlamentar ou na Constituição. Por outro lado, as manifestações de rua a favor do impeachment do domingo 13 de dezembro tiveram uma participação estimada em menos de 10% do que as anteriores, ocorridas em 16 de agosto; e pela primeira vez a manifestação contra o impeachment realizada em S. Paulo três dias depois foi maior do que a pró-afastamento de Dilma.

Pela primeira vez a manifestação contra o impeachment realizada em S. Paulo foi maior do que a pró-afastamento de Dilma.

Terá pesado também a evidência de que a defesa de afastamento da presidente tem na sua vanguarda o próprio presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que mentiu ao país ao afirmar que não tinha contas bancárias na Suíça – tendo sido desmentido pelo próprio banco suíço onde elas existiam. Há fortes suspeitas de que essas contas foram abastecidas por dinheiro de luvas pago a Cunha em operações relacionadas com a Petrobras, que estão a ser investigadas pelo Ministério Público, na operação Lava-Jato. Enquanto Cunha atropelava o regimento para pôr em funcionamento a comissão do impeachment na Câmara dos Deputados, manobrava para que a Comissão de Ética mantivesse em águas de bacalhau a decisão em relação ao seu próprio afastamento do cargo.

Ter um sujeito como o sinistro Cunha à frente da tentativa de afastar do cargo a presidente Rousseff não parece ser uma medida inteligente por parte da oposição comandada pelo PSDB. Jornais como a Folha de S. Paulo e o Globo já defenderam em editorial o afastamento de Cunha da presidência do Parlamento. E o próprio Procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu a saída de Cunha da presidência da Câmara, classificando-o como um “delinquente” que transformou a Câmara num “balcão de negócios”.

Entretanto, o mar de lama relacionado à corrupção investigada pela Lava-Jato não pára de crescer. Agora é o vice-presidente, Michel Temer, do PMDB, que está a ser acusado de ter recebido 5 milhões de reais do dono da construtora OAS, um dos empresários condenados em decorrência do escândalo da Petrobrás. Temer, ex-aliado de Dilma, rompeu com a presidente através de uma carta em que se queixava de ter sido marginalizado nos últimos anos. Caso a presidente fosse afastada, seria ele a assumir o cargo nos próximos três anos. A carta foi motivo de piada durante dias.

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Jornalista do Esquerda.net
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