"No dia 13 de novembro, encontrava-se em Paris uma delegação de dirigentes do Bloco de Esquerda que deveria participar numa conferência sobre política europeia que, devido aos atentados, foi adiada. O Bloco pôde assim expressar o seu horror desde a primeira hora, em Paris como em Lisboa, e a sua condenação absoluta destes crimes e dos seus autores. A Mesa Nacional reitera hoje esse sentimento de luto e revolta pela destruição de vidas inocentes de todas as condições e de todas as ideias. Perante os recentes crimes - Paris, Nigéria, Beirute, Mali, abate do avião civil russo sobre o Sinai -, a palavra do Bloco é para todas as vítimas que, na sua imensa maioria, perderam a vida ou lutam para sobreviver em países do Médio Oriente, África ou no Paquistão.
A Mesa Nacional reitera hoje esse sentimento de luto e revolta pela destruição de vidas inocentes de todas as condições e de todas as ideias.
O Bloco de Esquerda recusa hierarquizar o horror e caracterizar a barbárie do Daesh como mera consequência perversa da ação das potências ocidentais no Médio Oriente, que seria uma barbárie superior, precedente e explicativa. Pelo contrário, o Daesh é um fenómeno político complexo, com raízes diversas. Nelas estão certamente inscritas a marca histórica do colonialismo e os crimes recentes das potências imperialistas, mas estes fatores não esgotam a análise de um fenómeno que é novo, em larga medida. O Daesh é uma organização poderosa, com aliados e cúmplices, com recursos e massa crítica, autonomia estratégica e um programa definido: uma ditadura religiosa de perfil apocalíptico e características ultra-autoritárias e medievais, o “califado”. Para combater este projeto, será necessário conciliar resistência no terreno e supressão de fontes de apoio material e legitimação local.
O Bloco opõe-se radicalmente à lógica da guerra e da retaliação. Por eficaz que a política de bombardeamentos aéreos pudesse ser - e não é -, ela apenas continuará a alimentar o capital de queixa que reforça o Daesh nas comunidades muçulmanas sunitas.
O Bloco opõe-se radicalmente à lógica da guerra e da retaliação. Por eficaz que a política de bombardeamentos aéreos pudesse ser - e não é, como provaram centenas de massacres de inocentes nos últimos anos -, ela apenas continuará a alimentar o capital de queixa que reforça o Daesh nas comunidades muçulmanas sunitas. As forças que podem combater eficazmente o Daesh são em primeiro lugar organizações populares e entidades políticas da região. A grande hipocrisia da política de retaliação militar, hoje encabeçada pelo governo socialista francês, está na recusa de reconhecer e apoiar os verdadeiros inimigos do Daesh no terreno - os combatentes curdos e iazidis ou as fações laicas e democráticas da Síria. Ao mesmo tempo, a “coligação internacional” em formação mantém laços estreitos com cúmplices do Daesh: a Turquia, membro da NATO, ataca a resistência curda enquanto permite o tráfico de petróleo que financia o Daesh; a Arábia Saudita e os emirados do Golfo, que patrocinaram a origem do Daesh, continuam a financiar e a praticar o extremismo sob diversas formas. Ora, uma libertação duradoura do regime de morte do Daesh só pode resultar da ação de forças regionais comprometidas com uma agenda de paz e convivência intercomunitária. No imediato, a sobrevivência e a eficácia dessas forças depende de apoio material inadiável, que é uma responsabilidade europeia, desde logo. Nenhuma estabilidade pode resultar de pactos com ditadores, como Al-Assad, praticantes da tortura e do extermínio em larga escala.
Se o Daesh tem uma atuação muito visível nos media, a verdade é que vários Estados no Médio Oriente continuam a praticar terror junto das suas populações, cerceando as mais elementares liberdades individuais e continuando a aplicar penas cruéis e degradantes, como a pena de morte, castigos corporais e amputações, muitas vezes aplicados publicamente.
Se o Daesh tem uma atuação muito visível nos media, a verdade é que vários Estados no Médio Oriente continuam a praticar terror junto das suas populações, cerceando as mais elementares liberdades individuais e continuando a aplicar penas cruéis e degradantes, como a pena de morte, castigos corporais e amputações, muitas vezes aplicados publicamente. Esta realidade, quase sempre associada à confessionalidade do Estado, merece a enérgica condenação da comunidade internacional, até na medida em que se assemelha às práticas do Daesh. O Bloco denuncia esta realidade e a hipocrisia das chancelarias.
O Bloco de Esquerda defende a proteção das forças e comunidades que resistem ao Daesh no terreno. Essa ação defensiva deve incluir a garantia internacional de corredores de abastecimento ou evacuação de populações ameaçadas e/ou cercadas, incluindo ações de contenção e interposição que impeçam a progressão militar do Daesh. É ainda prioritária a intervenção contra as redes de tráfico e branqueamento de capitais sedeadas em praças off-shore.
Os crimes de Paris foram cometidos por cidadãos europeus com distintos percursos pessoais e cuja adesão ao Daesh ocorreu por diferentes vias. A par da mobilização política, esta adesão parece responder muitas vezes à busca de formas de poder individual, pelas armas, sobre as comunidades, sobre as mulheres, sobre a vida alheia. O efeito de atração que uma organização como esta exerce sobre franjas marginalizadas e empobrecidas demonstra a realidade do isolamento em sociedades atomizadas e injustas, onde fragilidades individuais não encontram resposta positiva num tecido social degradado.
O Bloco de Esquerda é parte da grande mobilização internacional contra a guerra e os bombardeamentos e estará em oposição a qualquer envolvimento do Estado português em operações que choquem com estes princípios.
O combate às redes de recrutamento do Daesh inclui medidas contra a infiltração social desta organização. Mas a prevenção do fenómeno depende sobretudo do reforço de redes de apoio e integração social, transformação e miscigenação do quotidiano, substituição da estratificação social, étnica e consumista por novas relações, humanas e solidárias. Assim, o Bloco de Esquerda repudia qualquer amálgama entre acolhimento de refugiados e perigo terrorista, bem como quaisquer restrições de direitos civis, mesmo que decretadas invocando a proteção da liberdade. A eficácia do combate à ideologia do extermínio depende da plena vigência dos direitos democráticos. O estado de exceção e de guerra é o objetivo de quem semeia a devastação social através da intolerância e do ódio.
O Bloco de Esquerda é parte da grande mobilização internacional contra a guerra e os bombardeamentos e estará em oposição a qualquer envolvimento do Estado português em operações que choquem com estes princípios."