You are here

Bloco contra "o regresso da espiral da guerra"

Na reunião da Mesa Nacional do Bloco de Esquerda, foi aprovada uma resolução sobre os bombardeamentos na Síria, na sequência dos atentados de Paris. Reproduzimos integralmente a posição divulgada, que, tal como sempre foi defendido pelo Bloco, reitera a sua oposição à guerra.
Catarina Martins, Mariana Mortágua e Marisa Matias na reunião da Mesa Nacional. Foto de Pedro Nunes/Lusa

"No dia 13 de novembro, encontrava-se em Paris uma delegação de dirigentes do Bloco de Esquerda que deveria participar numa conferência sobre política europeia que, devido aos atentados, foi adiada. O Bloco pôde assim expressar o seu horror desde a primeira hora, em Paris como em Lisboa, e a sua condenação absoluta destes crimes e dos seus autores. A Mesa Nacional reitera hoje esse sentimento de luto e revolta pela destruição de vidas inocentes de todas as condições e de todas as ideias. Perante os recentes crimes - Paris, Nigéria, Beirute, Mali, abate do avião civil russo sobre o Sinai -, a palavra do Bloco é para todas as vítimas que, na sua imensa maioria, perderam a vida ou lutam para sobreviver em países do Médio Oriente, África ou no Paquistão.

 A Mesa Nacional reitera hoje esse sentimento de luto e revolta pela destruição de vidas inocentes de todas as condições e de todas as ideias. 

O Bloco de Esquerda recusa hierarquizar o horror e caracterizar a barbárie do Daesh como mera consequência perversa da ação das potências ocidentais no Médio Oriente, que seria uma barbárie superior, precedente e explicativa. Pelo contrário, o Daesh é um fenómeno político complexo, com raízes diversas. Nelas estão certamente inscritas a marca histórica do colonialismo e os crimes recentes das potências imperialistas, mas estes fatores não esgotam a análise de um fenómeno que é novo, em larga medida. O Daesh é uma organização poderosa, com aliados e cúmplices, com recursos e massa crítica, autonomia estratégica e um programa definido: uma ditadura religiosa de perfil apocalíptico e características ultra-autoritárias e medievais, o “califado”. Para combater este projeto, será necessário conciliar resistência no terreno e supressão de fontes de apoio material e legitimação local.

O Bloco opõe-se radicalmente à lógica da guerra e da retaliação. Por eficaz que a política de bombardeamentos aéreos pudesse ser - e não é -, ela apenas continuará a alimentar o capital de queixa que reforça o Daesh nas comunidades muçulmanas sunitas.

O Bloco opõe-se radicalmente à lógica da guerra e da retaliação. Por eficaz que a política de bombardeamentos aéreos pudesse ser - e não é, como provaram centenas de massacres de inocentes nos últimos anos -, ela apenas continuará a alimentar o capital de queixa que reforça o Daesh nas comunidades muçulmanas sunitas. As forças que podem combater eficazmente o Daesh são em primeiro lugar organizações populares e entidades políticas da região. A grande hipocrisia da política de retaliação militar, hoje encabeçada pelo governo socialista francês, está na recusa de reconhecer e apoiar os verdadeiros inimigos do Daesh no terreno - os combatentes curdos e iazidis ou as fações laicas e democráticas da Síria. Ao mesmo tempo, a “coligação internacional” em formação mantém laços estreitos com cúmplices do Daesh: a Turquia, membro da NATO, ataca a resistência curda enquanto permite o tráfico de petróleo que financia o Daesh; a Arábia Saudita e os emirados do Golfo, que patrocinaram a origem do Daesh, continuam a financiar e a praticar o extremismo sob diversas formas. Ora, uma libertação duradoura do regime de morte do Daesh só pode resultar da ação de forças regionais comprometidas com uma agenda de paz e convivência intercomunitária. No imediato, a sobrevivência e a eficácia dessas forças depende de apoio material inadiável, que é uma responsabilidade europeia, desde logo. Nenhuma estabilidade pode resultar de pactos com ditadores, como Al-Assad, praticantes da tortura e do extermínio em larga escala.

Se o Daesh tem uma atuação muito visível nos media, a verdade é que vários Estados no Médio Oriente continuam a praticar terror junto das suas populações, cerceando as mais elementares liberdades individuais e continuando a aplicar penas cruéis e degradantes, como a pena de morte, castigos corporais e amputações, muitas vezes aplicados publicamente. 

Se o Daesh tem uma atuação muito visível nos media, a verdade é que vários Estados no Médio Oriente continuam a praticar terror junto das suas populações, cerceando as mais elementares liberdades individuais e continuando a aplicar penas cruéis e degradantes, como a pena de morte, castigos corporais e amputações, muitas vezes aplicados publicamente. Esta realidade, quase sempre associada à confessionalidade do Estado, merece a enérgica condenação da comunidade internacional, até na medida em que se assemelha às práticas do Daesh. O Bloco denuncia esta realidade e a hipocrisia das chancelarias.

O Bloco de Esquerda defende a proteção das forças e comunidades que resistem ao Daesh no terreno. Essa ação defensiva deve incluir a garantia internacional de corredores de abastecimento ou evacuação de populações ameaçadas e/ou cercadas, incluindo ações de contenção e interposição que impeçam a progressão militar do Daesh. É ainda prioritária a intervenção contra as redes de tráfico e branqueamento de capitais sedeadas em praças off-shore.

Os crimes de Paris foram cometidos por cidadãos europeus com distintos percursos pessoais e cuja adesão ao Daesh ocorreu por diferentes vias. A par da mobilização política, esta adesão parece responder muitas vezes à busca de formas de poder individual, pelas armas, sobre as comunidades, sobre as mulheres, sobre a vida alheia. O efeito de atração que uma organização como esta exerce sobre franjas marginalizadas e empobrecidas demonstra a realidade do isolamento em sociedades atomizadas e injustas, onde fragilidades individuais não encontram resposta positiva num tecido social degradado.

O Bloco de Esquerda é parte da grande mobilização internacional contra a guerra e os bombardeamentos e estará em oposição a qualquer envolvimento do Estado português em operações que choquem com estes princípios.

O combate às redes de recrutamento do Daesh inclui medidas contra a infiltração social desta organização. Mas a prevenção do fenómeno depende sobretudo do reforço de redes de apoio e integração social, transformação e miscigenação do quotidiano, substituição da estratificação social, étnica e consumista por novas relações, humanas e solidárias. Assim, o Bloco de Esquerda repudia qualquer amálgama entre acolhimento de refugiados e perigo terrorista, bem como quaisquer restrições de direitos civis, mesmo que decretadas invocando a proteção da liberdade. A eficácia do combate à ideologia do extermínio depende da plena vigência dos direitos democráticos. O estado de exceção e de guerra é o objetivo de quem semeia a devastação social através da intolerância e do ódio.

O Bloco de Esquerda é parte da grande mobilização internacional contra a guerra e os bombardeamentos e estará em oposição a qualquer envolvimento do Estado português em operações que choquem com estes princípios."

Artigos relacionados: 

Termos relacionados Atentados em Paris, Política
(...)