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Surto de covid-19 divide Austrália

Quando a maioria dos australianos se prepara para o desconfinamento, os surtos em Melbourne transformaram os seus cidadãos em párias da sociedade.
"Tratam-nos como humanos, não como animais enjaulados. Terminem este confinamento imediatamente!", pode ler-se num dos muitos cartazes em Melbourne, noticiado pela @AJPlus na sua conta de twitter.
"Tratam-nos como humanos, não como animais enjaulados. Terminem este confinamento imediatamente!", pode ler-se num dos muitos cartazes em Melbourne, noticiado pela @AJPlus na sua conta de twitter.

Mais de 300 mil residentes em dez zonas postais de subúrbios em Melbourne, na Austrália, estão sob medidas de confinamento estritas, com autorização apenas para assistência a filhos ou cuidados de saúde, exercício físico ou atividades profissionais impossíveis de realizar em casa.

Estas medidas minaram a ideia das dificuldades partilhadas por toda a comunidade, noticia o The Guardian. “Histórias de solidariedade e bondade surgiram entre vizinhos (...). Os tempos eram difíceis mas, toda a gente fazia a sua parte para achatar a curva”.

Agora, com as medidas de confinamento aplicadas a zonas específicas, as mensagens de solidariedade diminuíram. A polícia adotou um patrulhamento de fronteiras entre os diferentes Estados da Austrália, com inspeções a quem entra e sai dos perímetros sob confinamento.

Desde quinta-feira que os cidadãos do Estado de Victoria têm as suas ruas patrulhadas intensamente por polícia a pé, de carro ou a cavalo. Sinais na autoestrada alertam para a a realização de testes à Covid-19. Os supermercados voltaram a implementar restrições a compras de alguns produtos. E centenas de profissionais de saúde foram de porta em porta para realizar testes.

A frustração nos bairros afetados aumenta, enquanto que os residentes de bairros adjacentes pedem aos seus vizinhos para se manterem afastados. As empresas e comércio pedem igualmente aos residentes dos bairros afetados para não se deslocarem às suas lojas.

O surto principal não surgiu, no entanto, dos comportamentos ou socialização indevida por parte dos residentes destes bairros. Segundo noticia o The Guardian, foi o desrespeito pelas regras de quarentena por parte da equipa de segurança privada do Stamford Plaza Hotel que provocou o maior surto de infeções nos subúrbios de Melbourne.

O primeiro-ministro do Estado de Victoria, onde se localiza Melbourne, lançou um inquérito às quebras dos protocolos de quarentena do hotel, declarando que “um número significativo dos surtos de infeção no norte da cidade são atribuíveis, através da sequenciação genética, à equipa do hotel”. Mas não respondeu sobre a razão pela qual as regras de quarentena neste hotel estariam a ser controladas por uma equipa de segurança privada, e não pelas autoridades públicas.

A identificação da fonte do surto lança dúvidas sobre a legitimidade ou necessidade de medidas de controlo policial sobre os residentes dos bairros afetados.

Várias regiões e Estados australianos começam também a rejeitar a entrada de cidadãos de zonas consideradas de risco. O ministro da saúde do Estado de New South Wales (NSW), declarou na passada quarta-feira que “os residentes destas zonas de risco não são bem-vindas a NSW”, estando sujeitas à possibilidade de penas de prisão de seis meses ou 11 mil dólares de multas se se tentassem deslocar para a região.

Também o Estado de Northern Territory anunciou que residentes destas zonas estavam proibidos de entrar na região, apesar de estarem em curso medidas de desconfinamento. Além disso, qualquer outra pessoa que entre no Estado terá assinar uma declaração a confirmar que não esteve em nenhuma das zonas de risco nos últimos 28 dias, sob pena de prisão que pode ir até três anos.

Por seu lado, a primeiro-ministra de Queensland, reiterou que as medidas de desconfinamento deste Estado excluíam os cidadãos de Victoria (a região de Melbourne). Viajantes de outras regiões terão de assinar uma declaração para “assegurar que não passaram por Victoria nos últimos 14 dias”. E deixou o aviso: “se o documento for falsificado, estarão sujeitos a penas e coimas até 4 mil dólares. A nossa mensagem para cidadãos de Queensland é, por favor não se desloquem a Victoria. E a nossa mensagem para cidadãos de Victoria é, por favor não venham cá”.

O Guardian contactou especialistas de várias áreas para comentar a evolução do regime pandémico na Austrália. O professor da Universidade de Sidney, Ian Hickie, critica a política de confinamento que está a ser implementada porque destrói a sensação de comunidade entre australianos.

“Se tentarmos abordar o assunto como um problema de lei e ordem, então ele transforma-se num conflito” onde somos “nós contra eles”. Isto, diz, encoraja uma “sensação de desobediência civil e desordem”, minando a confiança no governo e nos vizinhos.

Para o psiquiatra e professor Patrick McGorry, a mentalidade de “Estado contra Estado” é destrutiva e cria divisões que colocam em risco a saúde mental das pessoas.  

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