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Ataque dos colonos israelitas a Huwara "só se pode descrever como uma limpeza étnica"

O jornalista israelita Gideon Levy e Saddam Omar, morador e testemunha do ataque dos colonos israelitas à cidade de Huwara, contaram ao Democracy Now o que viram no local antes e depois da violenta incursão protegida pelo exército.
Amy Goodman entrevista Saddam Omar, habitante de Huwara. Imagem do programa Democracy Now.

No domingo, colonos israelitas saquearam e incendiaram casas palestinianas em Huwara, perto da cidade ocupada de Nablus na Cisjordânia, matando pelo menos um habitante palestiniano e ferindo dezenas de outros. O grupo israelita de direitos humanos B'Tselem acusou o governo de Benjamin Netanyahu de apoiar um pogrom em Huwara. O ministro das Finanças israelita Bezalel Smotrich disse na quarta-feira que Huwara precisa de ser "dizimada" e que o Estado de Israel o deveria fazer. Em resposta, 22 peritos israelitas em direito internacional enviaram uma carta ao Procurador-Geral israelita exigindo uma investigação imediata contra Smotrich por potenciais crimes de guerra. O porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Ned Price, também condenou os comentários de Smotrich, embora tenha enquadrado o conflito como bilateral, referindo a necessidade de condenar o "incitamento à violência" palestiniano. Entretanto, Nabil Abu Rudeineh, porta-voz do Presidente palestiniano Mahmoud Abbas, apelou aos EUA, como o aliado internacional mais poderoso do governo israelita, para que tomassem medidas para pôr termo à sua violência. Para mais informações sobre esta última escalada da ocupação israelita, juntamos Saddam Omar, um residente de Huwara que testemunhou os ataques dos colonos, e Gideon Levy, um premiado jornalista e colunista israelita do Haaretz.

AMY GOODMAN: Saddam, pode falar sobre o que aconteceu no domingo? Onde esteve em Huwara? E descreva onde se encontra Huwara na Cisjordânia ocupada.

SADDAM OMAR: Primeiro que tudo, bom dia para si e para todos. Quero lembrar que esta tragédia não começou no domingo. Isto começou há mais de 106 anos, 1917, e o nosso sofrimento continua desde essa altura. Na verdade, Israel, como sabem, ocupou a Cisjordânia, a Palestina e a Faixa de Gaza desde 1967. E, desde essa altura, violaram o direito internacional ao deslocarem centenas de milhares de colonos, apenas judeus, para as terras ocupadas palestinianas. Como resposta, os palestinianos têm vindo a resistir aos ocupantes.

Quanto a Huwara e ao que aconteceu no domingo à noite, não foi a primeira vez, e não foi apenas pelo assassinato de dois israelitas em Huwara. O que realmente aconteceu foi, alguns dias antes, quando o exército israelita fez um massacre em Nablus, mataram 11 pessoas, incluindo dois homens idosos com quase 80 anos e duas crianças. Este terrorismo, dirigido pelo exército israelita, é uma ação contínua desde 1967 e antes dessa data. A campanha que aconteceu em Huwara no domingo à noite foi protegida, planeada, organizada pelo exército israelita. Aqueles ocupantes ocuparam, protegeram, organizaram os colonos para fazer o que fizeram. O exército impediu qualquer cidadão de se defender.

E vocês viram o que aconteceu a Sameh Aqtash, um homem de 37 anos que recentemente regressou da Turquia, ajudando as pessoas que ali se encontravam após a catástrofe do terramoto. Alguns dias mais tarde, aqueles ocupantes, colonos bárbaros, atacaram-no. Ele estava a tentar defender a sua mulher, mãe, irmãs, filhos. Mas eles impediram-no e mataram-no a sangue frio.

O exército entregou o controlo a Smotrich e Ben-Gvir, eles próprios colonos. Este massacre aconteceu em Huwara, supostamente para que os colonos assumissem o controlo de toda a Cisjordânia. O exército de ocupação israelita é cúmplice de um aumento drástico do terrorismo cometido por colonos israelitas contra civis palestinianos. O recente ataque terrorista contra os residentes de Huwara foi planeado, preparado previamente pelo exército de ocupação e pelas milícias colonizadoras. Todos nós ouvimos o que disse Smotrich: "Huwara deve ser dizimada". Não é uma novidade. As milícias anteriores desses colonos já dizimaram mais de 500 aldeias e cidades da Palestina quando ocuparam terras em 1948 e 1967. Centenas de milhares de palestinianos foram expulsos das suas casas e casas para a Cisjordânia, Jordânia, Egipto, Líbano, Síria, Iraque e em todo o mundo. O governo extremista de Israel é uma ameaça para os palestinianos, para os próprios israelitas, para a região e para o mundo inteiro. É nisto que eu acredito.

NERMEEN SHAIKH: Gideon Levy, pode falar sobre o que aconteceu em Huwara e também sobre o aumento maciço da violência dos colonos desde que este governo de extrema-direita chegou ao poder?

GIDEON LEVY: Não devia começar por este governo violento, porque o ano passado, com o chamado governo moderado, não foi melhor. Houve quase 200 palestinianos mortos neste ano, mais do que em qualquer outro ano nos últimos 15 anos. Por isso, não podemos atribuir toda a culpa a este governo.

Vim para Huwara na manhã seguinte. Huwara estava praticamente sob recolher obrigatório. E o que lá vi, vi muito poucas vezes em 35 anos de cobertura da ocupação. Parecia realmente uma cidade depois de um pogrom. Não há outra forma de a descrever. Pessoas bastante horrorizadas e pessoas chocadas sentadas nas suas casas, com medo de sair. Todas as lojas fecharam. E apenas o tráfego de - não vais acreditar, Amy - o único tráfego que foi permitido foi obviamente o dos colonos, que voltaram para ver o que fizeram na noite anterior e o que não completaram. Fizeram-no de uma forma muito brutal, como sempre fazem. Não esqueçam que na noite anterior havia 400 colonos em Huwara, segundo o exército, o que significa que poderiam ter sido ainda mais. E ninguém os deteve. E esta é talvez a questão fulcral. O facto de ninguém ter impedido uma incursão de 400 colonos numa aldeia inocente conta-nos a história toda.

NERMEEN SHAIKH: Saddam, poderia descrever agora qual é a situação atual em Huwara? Disse que imediatamente após o massacre, foi imposto um recolher obrigatório. Qual é a situação agora?

SADDAM OMAR: É um encerramento total. As lojas e os supermercados estão totalmente fechados. Ninguém está autorizado a abrir a sua loja ou supermercado, ou seja lá o que for. Se tentar abrir a sua loja, será detido imediatamente. Ontem, um cidadão chamado Omar tinha sido preso por tentar abrir a sua loja, e ele foi tratado com violência.

De acordo com o que testemunhámos, o exército de ocupação não tomou medidas para bloquear o caminho dos colonos para Huwara, nem os impediu de atacar sistematicamente os palestinianos e as suas propriedades. Nem levou a cabo detenções de forma adequada. Afirmam ter feito detenções, mas até agora nada vimos. O exército de ocupação deixou os colonos descarregarem a sua cólera. Na sequência da campanha terrorista dos colonos, o governo de ocupação de Israel não tomou quaisquer medidas significativas para combater a impunidade dos colonos. Em vez disso, alguns responsáveis pela ocupação, tal como Smotrich, apoiaram publicamente os colonos, dizendo palavras como "Huwara deveria ser dizimada".

Os colonos israelitas aproveitaram a situação para infligir milhões de dólares de danos à cidade de Huwara, destruindo e incendiando tudo o que estava à vista. Não havia um alvo específico dos seus ataques. Pelo contrário, era o que aparecesse no seu caminho - árvores, carros, lojas de peças sobresselentes para automóveis, casas, gado, mercados, lojas, supermercados. O que quer que tenham visto, eles destruíram. Estavam a ser vigiados pelo exército israelita, que seguia atrás deles alguns metros como proteção. Centenas de moradores foram feridos pelo método bárbaro que utilizavam. Pegaram fogo a casas enquanto os residentes ainda estavam lá dentro. Utilizavam gás lacrimogéneo. Atiraram pedras. Usaram barras de ferro.

AMY GOODMAN: Eu queria trazer Gideon Levy de volta a isto, porque estamos a assistir a protestos maciços nas ruas de Telavive por parte de israelitas, agora atingidos com granadas de atordoamento e canhões de água. Mas eles não estão a protestar contra o que está a acontecer em Huwara. Estão a protestar contra a tentativa de Benjamin Netanyahu esventrar o poder judicial israelita. Estarão estes protestos a transformar-se em protestos sobre o que aconteceu em Huwara, ou serão apenas duas questões completamente diferentes para os israelitas?

GIDEON LEVY: Não são de todo duas questões completamente diferentes, porque ambas tratam da democracia. O problema é que o movimento de protesto em Israel quer manter os olhos fechados e não ver a ocupação como parte do problema do regime democrático israelita, ou regime não-democrático. Isto é realmente escandaloso, porque não é que eles não se preocupem com Huwara; eles fazem tudo o que é possível para não lidar com Huwara, com a ocupação, com todas as questões que fazem parte integrante do regime de Israel. E, portanto, estes protestos, dos quais não quero de forma alguma participar, é um protesto pela democracia para os judeus no Estado de Israel - nada mais do que isto. E quem realmente procura a igualdade e a democracia não pode participar neste protesto, por mais impressionante que seja, por mais poderoso que seja. Mas temos de nos lembrar, eles estão preocupados apenas consigo próprios, apenas com o regime democrático para os judeus em Israel, não para qualquer outra pessoa que viva entre o rio Jordão e o Mediterrâneo.

NERMEEN SHAIKH: Saddam, muito rapidamente, temos apenas um minuto. O que pensa que a comunidade internacional deveria estar a fazer? Como podem os palestinianos ser apoiados agora, dada esta investida maciça de violência?

SADDAM OMAR: Quero acrescentar algo: isto foi uma visão bárbara que só se pode descrever como uma limpeza étnica. Esta é que é a descrição adequada para o que aconteceu.

Mas, para a comunidade internacional, precisamos que interfiram e que tragam paz e estabilidade ao Médio Oriente. Não os Estados Unidos. Os Estados Unidos da América são uma parte do conflito. Não são um árbitro. Os EUA não são o juiz, não são o juiz adequado para este conflito. Os Estados Unidos da América estão a dar todo o apoio aos ocupantes. Eles têm de parar, e a comunidade internacional deve interferir para proteger os civis da Palestina.


Transcrição da entrevista de Amy Goodman e Nermeen Shaik no seu programa Democracy Now emitido a 2 de março. Traduzido por Luís Branco para o Esquerda.net.

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