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A ascensão de Mélenchon e o espetro do comunismo

A grande comunicação social, o patronato, os políticos e até François Hollande tentam despertar o medo invocando Putin, Chávez e Fidel Castro contra o candidato de esquerda Mélenchon. Artigo de Leneide Duarte-Plon, de Paris.
A progressão de Mélenchon nas sondagens tem sido constante.

Parafraseando Marx no primeiro parágrafo do Manifesto comunista, poderia dizer : "O espetro do comunismo aterroriza a França. Todos os poderes deste velho país uniram-se para perseguir este espetro".
 
Marx começa o “Manifesto [do Partido] Comunista" com a fórmula choque: "Um espetro aterroriza a Europa: o espetro do comunismo. Todas as potências da velha Europa uniram-se numa Santa Aliança para perseguir este espetro: o papa e o czar, Metternich e Guizot, os radicais de França e os polícias da Alemanha".
 
Pois o velho Marx continua a ter razão na França de 2017.
 
O grande entusiasmo dos últimos dias em torno da candidatura de Jean-Luc Mélenchon, candidato da "La France Insoumise" (A França Insubmissa), cujos comícios reúnem em espaços abertos em Paris ou Marselha mais de 60 mil pessoas, já começou a despertar um adormecido anticomunismo. As forças de direita pensavam provavelmente que as ideias da igualdade do comunismo estavam varridas para sempre do continente. Esqueciam que "égalité" faz parte da divisa da França.
 
Mísseis de Dassault contra Mélenchon

Ora, no discurso em Marselha, no domingo [9 de abril], o homem que quer dirigir o país que mais armas vende depois dos EUA e da Rússia ousou dizer : “Eu não quero guerra, nem pequena, nem média, nem grande”.
 
O maior fabricante de armas de guerra francês não gostou. Dono do jornal de direita "Le Figaro", Serge Dassault reagiu. O seu jornal deu como manchete de primeira página nesta quarta-feira [12 de abril]: "O delirante projeto do Chávez francês". Dentro, o jornal tentava em três páginas estraçalhar o programa do ousado propagador da paz.
 
Em Marselha, diante o Mediterrâneo, onde milhares de migrantes encontraram a morte nos últimos anos, tentando fugir de guerras feitas pelos ocidentais, segurando um ramo de oliveira Mélenchon ousou pedir um minuto de silêncio pelos migrantes mortos naquelas águas.
 
Nesta campanha nenhum outro político soube como ele unir o sentimento de fraternidade ao de igualdade, o leitmotiv de seu programa.
 
Fora da Nato

Mas com a dinâmica ascendente da campanha de Mélenchon, a grande comunicação social, o patronato, os políticos e até François Hollande apressaram-se a tentar despertar medo nos franceses invocando as simpatias de Mélenchon por Putin, Chávez e Fidel Castro.
 
No "L’Humanité" (jornal próximo do Partido Comunista Francês) desta quinta-feira, 13 de abril, a manchete da capa dava o tom : "A cota de Jean-Luc Mélenchon aterroriza os poderosos". Dentro, o jornal reproduzia manchetes que revelam o medo de um candidato que pode ameaçar o "status quo" do capitalismo francês.  

Nos últimos anos, a imprensa francesa tem vindo a passar para as mãos de grandes bilionários como Serge Dassault, Bernard Arnault, Patrick Drahi, Vincent Bolloré, Arnaut Lagardère, donos de empresas de luxo, de conglomerados da indústria de construção ou fabricantes de armas, como Dassault e Lagardère.
 
“Compram jornais, revistas e canais de televisão para defender os seus próprios interesses, para influência. Têm interesses importantes a defender e pesando na imprensa podem neutralizar alguns políticos, graças à presença na comunicação social”, explicou Edwy Plenel numa entrevista que fiz para o Carta Capital.
 
Este medo crescente do que "Libération" chamou de "uma esquerda quimicamente pura" vem-se revelando nos discursos dos outros candidatos. Mélenchon virou alvo de todos os ataques. Como não tem escândalos, é atacado na ideologia que ainda faz medo a muitos eleitores de direita.
 
O candidato da direita, François Fillon, preocupado antes apenas com os dois candidatos que se posicionam à sua frente (Emmanuel Macron e Marine Le Pen) passou a atacar o "projeto comunista" de Mélenchon. "Esquecemos que Mélenchon é um extremista, anti-imperialista, anticapitalista e anti-americano", disse num comício, alertando para o demónio comunista que os franceses têm diante deles.
 
Bem-humorado, Mélenchon reage no seu blogue:
 
"Anunciam a minha possível vitória como a chegada do inverno nuclear, com chuvas de rãs, tanques do Exército vermelho e o desembarque de venezuelanos".
 
Ora, o único candidato que quer mudar as estruturas do país no sentido do progresso social é Mélenchon, candidato da France Insoumise que ele criou, associando-se ao enfraquecido Parti Communiste [PCF]. Propõe uma nova Constituição, com uma Constituinte imediata, possibilidade de revocação de mandatos pelo próprio povo, inclusive o do presidente, renegociação dos tratados europeus e em caso de fracasso a retirada da França da União Europeia e do euro, o que apelida de plano B.
 
Tal como fez De Gaulle, Mélenchon quer sair da Nato. No plano económico, quer mais investimento no setor público e promete mais rigor no controle da fraude fiscal e da evasão de capitais para paraísos fiscais, entre outras medidas.
 
O outro candidato de esquerda, o socialista Benoît Hamon, tem vindo a fazer uma maratona que mais parece salto de obstáculos. Literalmente abandonado pelo Partido Socialista, cuja eleições primárias venceu, Hamon não pára de cair nas sondagens.
 
E Mélenchon continua a crescer. É o candidato mais bem posicionado no eleitorado entre 18 e 24 anos. E passou a ocupar o terceiro lugar na disputa, emparelhado ou ultrapassando por pouco François Fillon.
 
Em Marselha

No domingo, dia 8, em Marselha, o candidato da França Insubmissa levou 60 mil pessoas ao Vieux Port sob um sol primaveril. E o seu talento de tribuno, a sua cultura e o seu entusiasmo fizeram o resto. Com um discurso que impressiona pelo lirismo e pelo conteúdo ideológico claro, o erudito professor de francês Jean-Luc Mélenchon pode ainda ser a surpresa desta eleição presidencial, a mais atípica da história francesa.
 
Os estudos de opinião mostraram que foi o candidato que mais impressionou nos dois debates televisivos. O primeiro, dia 20 de março, reuniu apenas os cinco primeiros colocados nas pesquisas e do segundo,  dia 4 de abril, participaram os 11 candidatos.
 
A progressão de Mélenchon nas sondagens é constante. Se continuar a crescer, pode causar a surpresa de tirar um dos dois candidatos tidos como quase certos na primeira volta: Emmanuel Macron e Marine Le Pen. Os seus eleitores torcem por isso e continuam acreditando que é possível.
 
Leneide Duarte-Plon é autora de "A tortura como arma de guerra-Da Argélia ao Brasil : Como os militares franceses exportaram os esquadrões da morte e o terrorismo de Estado" (Editora Civilização Brasileira, 2016)". Artigo publicado originalmente em Carta Maior.

Adaptação de PTBR para PTPT por esquerda.net

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