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Acesso a cuidados de saúde recusado a grávidas imigrantes

O jornal Público entrevistou várias mulheres imigrantes sobre a sua relação com os serviços de saúde em Portugal, revelando situações que vão da discricionariedade burocrática à potencial negligência médica.

A igualdade no acesso à saúde e o tratamento médico é um direito garantido a qualquer imigrante a viver em Portugal, esteja ele em situação regular ou irregular, com ou sem autorização de residência. No entanto, a cultura pouco tolerante que se cultiva nas instituições de saúde e mecanismos como as taxas moderadoras, tornaram o acesso de qualquer imigrante a um centro de saúde um inferno. 

Segundo a Orientação da Direção Geral de Saúde de 2009, os imigrantes estão isentos de taxas moderadoras quando necessitam de “cuidados no âmbito da saúde materno-infantil e saúde reprodutiva, nomeadamente acesso a consultas de planeamento familiar, interrupção voluntária da gravidez, acompanhamento e vigilância da mulher durante a gravidez, parto e puerpério e cuidados de saúde prestados aos recém-nascidos.” 

A jornalista Joana Gorjão Henriques, do jornal Público, entrevistou várias mulheres imigrantes sobre a sua experiência com os serviços de saúde em Portugal

Da simples discricionariedade burocrática à potencial negligência médica, as violações da lei por parte dos serviços de saúde são múltiplas e repetidas e, acontecem sempre pelo facto de serem imigrantes. 

Sabba Jalal, paquistanesa de 30 anos, trabalha em Portugal, paga segurança social mas nunca lhe entregaram um número de utente. Não fala português mas tem inglês fluente. Detetou caroços no peito e decidiu ir ao médico. No centro de saúde indicaram uma clínica privada com acordo com o SNS para realizar um exame. Sem número de utente, a clínica apresentou-lhe “uma conta que era mais de metade do seu ordenado”. 

No Centro de Saúde nunca lhe indicaram que estava isenta deste custo e, passadas semanas, foi necessária a ajuda de um guia para conseguir uma declaração que apresentou numa segunda clínica, onde conseguiu fazer o exame sem custos.

Até hoje, Sabba não recebeu o seu número de utente: “Viver assim é um sacrifício. Não consigo planear nada, nem sei como serei tratada. Senti-me humilhada. Só pensava: sou letrada, agora imagino aquela quantidade de pessoas que não fala inglês…”

Sharmin Akter, indiana de 30 anos a residir em Portugal, estava grávida e foi com o seu número de contribuinte e passaporte ao Centro de Saúde da Buraca. Foi ignorada na primeira tentativa. Na segunda, redireccionaram finalmente para o hospital. No entanto, “a médica recusou-se a atendê-la porque não falava português” e mandou Sharmin “voltar noutra altura e trazer alguém que falasse português.” 

Quando conversou com o Público, Sharmin estava à beira de dar à luz e “com medo do que lhe pudesse acontecer durante o parto. Mandaram-na ir ao hospital todas as semanas para verificar se está tudo bem. Deram-lhe imensos papéis para ela ler - mas todos em português.” 

Talvez o caso mais grave relevado pelo Público seja o de Zarat (nome fictício), indiana a viver e trabalhar em Portugal. Ficou grávida e tentou registar-se num centro de saúde na periferia de Lisboa. Sem visto ou autorização de residência, recusaram-se atendê-la. Com a ajuda de uma organização de apoio aos imigrantes, conseguiu ser finalmente atendida mas não a informaram de que estava isenta das taxas cobradas em consultas e exames. Conseguiu finalmente um papel do médico a garantir a isenção mas, quando se mudou para outra zona da cidade, o novo centro de saúde recusou o atendimento. Após muita insistência, o médico encaminhou Zarat para um hospital. 

No final da gravidez, sentiu dores e chamou uma ambulância. Mandaram-na para casa porque “estava tudo normal”. Poucos dias depois, acordou com sangue e chamou a ambulância novamente. “Chegou tarde de mais, eu fui atendida tarde demais.” Perdeu o bebé. 

Apresentou queixa e o processo está em investigação. Mas quando voltou ao centro de saúde para consulta pós-parto “quiseram de novo cobrar-lhe” a taxa moderadora. 

Segundo a socióloga Beatriz Padilla também em declarações ao jornal Público, a entrada da troika em Portugal (com Paulo Macedo como ministro da saúde)  “marcou uma mudança no atendimento aos imigrantes em situação irregular”. Segundo a investigadora, “não há igualdade acesso à saúde porque os imigrantes precisam de mais documentos, estão mais vulneráveis e têm menos possibilidade de acesso”, e acrescenta que a solução é “integrar, porque se tivermos melhor saúde nos imigrantes, melhora a saúde geral da população que vive em Portugal. Mas esta é uma decisão política que tem custos”.

 

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