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360 graus: após tentativa de recuo, PS regressa a medida do Bloco

Depois de ver aprovada a proibição da renúncia dos créditos sobre salários ou subsídios por parte dos trabalhadores no fim do contrato, o líder dos patrões protestou e o PS voltou atrás. Depois prometeu voltar a aprovar a medida, com uma nuance.
Foto de Ana Mendes.

Artigo publicado a 2 de fevereiro no Esquerda.net


Os últimos dias de atividades dos deputados que preparam as alterações às leis laborais no âmbito da Agenda do Trabalho Digno ficam marcados pelas sucessivas reviravoltas do grupo parlamentar do PS.

Primeiro, os socialistas aprovaram a proposta do Bloco para impedir que o trabalhador, quando o seu contrato termina, seja coagido a abdicar dos seus direitos quanto aos créditos que detém sobre salários, subsídios e trabalho suplementar, assinando uma declaração nesse sentido que é muitas vezes a única forma de poder receber alguma indemnização.

Mas esta medida, tal como outras duas defendidas pelo Bloco e aprovadas nesta comissão, foi atacada pelo líder da CIP, António Saraiva, numa carta aos empresários a assinalar o fim dos seus mandatos à frente da associação patronal.

Na quarta-feira, no final da reunião, um deputado socialista afirmou que o partido queria voltar a discutir a proposta que já tinha sido votada, apresentando oralmente uma proposta alternativa que voltava a permitir que os trabalhadores abdicassem dos seus créditos. O deputado bloquista José Soeiro protestou e em declarações aos jornalistas afirmou que a proposta era inaceitável, por recuperar essa "regra humilhante e absurda que prejudica os trabalhadores".

A nova reviravolta do PS nesta matéria aconteceu na reunião desta quinta-feira. Agora, os socialistas querem regressar à proibição da chamada remissão abdicativa, introduzindo expressamente uma exceção para os casos de conciliação em tribunal. Mas a reunião foi entretanto interrompida e adiada para sexta-feira, quando deverá ser conhecido o desenlace desta questão.

Para o deputado José Soeiro, os socialistas "podiam ter-se poupado ao triste espetáculo" das mudanças de posição. Sobre a nova proposta, diz que "o problema nunca foi quando o trabalhador chega ao tribunal", mas sim o facto de a remissão abdicativa estar a ser usada como "uma forma de impedir o trabalhador de chegar ao tribunal com os seus direitos intactos".

"A alegação da suposta inconstitucionalidade da norma do Bloco por causa dessa questão dos tribunais foi a cortina de fumo que lançaram os advogados empresariais", uma vez que "o roubo patronal aproveitando a situação de fragilidade, faz-se a montante: faz-se quando o contrato termina, quando o trabalhador nem sequer tem condições de saber exatamente o que lhe é devido". É nessa situação vulnerável que o trabalhador "é extorquido sob chantagem: 'recebes isto mas declaras já que não tens mais nada a receber'", impedindo-o de reclamar créditos que pode nem saber que existem e, sobretudo, de ir depois a tribunal reclamá-los, prossegue o deputado bloquista em declarações ao Esquerda.net.

"O que a CIP quer, e que o Bloco quer impedir, é esta pouca-vergonha, que o PSD ontem quis recuperar, e o PS também, com o argumento ridículo de dizer que se tivessem o carimbo do notário estas remissões já seriam legítimas ou justas". Para José Soeiro, a alteração agora introduzida pelo PS sobre a conciliação em tribunal "já resultava do que o Bloco tinha proposto e não altera o alcance da proposta aprovada na comissão".

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Neste dossier:

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Parlamento aprova alterações às leis laborais

A chamada Agenda do Trabalho Digno foi aprovada com votos do PS e abstenção do PSD. Bloco sublinha que voto contra não desvaloriza alterações para as quais contribuiu decisivamente mas “dá expressão política ao repúdio pelo bloqueio do PS a mudanças estruturais” de que depende o reconhecimento da dignidade do trabalho em Portugal.

Algumas mudanças, mantendo o desequilíbrio

O deputado José Soeiro, que conduziu a intervenção do Bloco no processo de alteração às leis do trabalho, apresenta dez notas para um balanço desta reforma laboral.

PS e direita juntos contra mudanças de fundo

No essencial, permanecem intocados os cortes da troika nas férias, no trabalho suplementar e no descanso compensatório. O mesmo para bancos de horas e adaptabilidades de horário, exceto para trabalhadores com filho menor até três anos ou com filho com deficiência ou doença crónica. PS e PSD voltam a adiar aplicação das 35 horas semanais no privado.

Patrão dos patrões despede-se com carta a atacar as propostas do Bloco nas leis laborais

Na carta enviada aos empresários, o líder da CIP aponta baterias às propostas que o Bloco conseguiu aprovar na discussão na especialidade da Agenda do Trabalho Digno. A irritação de António Saraiva "mostra que os patrões estão muito mal habituados pelo Governo", diz o deputado bloquista José Soeiro.

O longo pavor do PS perante o lóbi das plataformas digitais

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O novo artigo 12.º-A e a presunção de laboralidade do trabalho nas plataformas digitais

É bastante positivo que o Direito do Trabalho acolha estes novos prestadores de serviços via plataformas no seu seio, construindo um regime laboral próprio e ajustado às características destas novas formas de prestar serviços. Mas, sublinhamos, um regime laboral. Artigo de Teresa Coelho Moreira.

Teletrabalho: contratos definirão despesas a reembolsar

Foi uma das vitórias do Bloco neste processo. O acréscimo de despesas do trabalhador em teletrabalho terá, por regra, uma compensação mensal fixa, inscrita no contrato, individual ou coletivo. Se for aferido por comparação de faturas, esse valor resultará da comparação com o mês homólogo em trabalho presencial e não com o do ano anterior. Pagamento obrigatório de subsídio de alimentação não foi aprovado.

Compensações por despedimento: PS cede aos patrões

Com o apoio da direita, PS chumbou as propostas para reposição da regra de 30 dias de compensação por cada ano trabalhado. Única mudança já era curta - aumento de 12 para 14 dias - e ficou insignificante quando o PS cedeu aos patrões, e recuou na sua própria proposta de aplicação dos 14 dias ao trabalho prestado desde 2014. Mantém-se a regra indigna que impede o trabalhador de contestar um despedimento ilícito se já tiver recebido a compensação. 

360 graus: após tentativa de recuo, PS regressa a medida do Bloco

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Contratação coletiva alargada aos trabalhadores em outsourcing, mas caducidade continua

PS remete tudo para arbitragem: sem acordo, as confederações passam a poder requerer que a convenção coletiva se prolongue até decisão em tribunal arbitral; este validará, ou não, os fundamentos invocados pelos patrões para a denúncia da convenção. Chumbada a reposição da regra, em que, na ausência de acordo, mantinha-se as convenções em vigor, a caducidade dos contratos permanece, embora mitigada pela possibilidade de evitar vazios através de arbitragem.

Contratação coletiva e arbitragem na “Agenda do Trabalho Digno”

Jurista e professor da Universidade de Coimbra, João Leal Amado valoriza duas alterações à lei: a obrigatoriedade de fundamentação da denúncia da convenção coletiva, que passa a precisar de confirmação por tribunal arbitral, e a atribuição às associações sindicais ou patronais do direito de, na ausência de acordo para nova convenção, requererem a arbitragem necessária e assim manter a sobrevigência da convenção até decisão arbitral.

Trabalho temporário e contratos a prazo: precariedade não se resolve com ajustes

As agências de trabalho temporário lucram com o aluguer de trabalhadores a outras empresas. É uma atividade que não deveria existir, nem estar legalizada. A informação sobre necessidades de mão de obra deveria ser prestada como serviço público, a partir de  instituições como o IEFP, que deveriam ser reconfiguradas para a poderem realizar sem prejuízo para os trabalhadores. São, por isso, positivas todas as medidas que introduzem formas de controlo e limitações às ETT. Compensações por contrato a prazo voltam a valor pré-troika.

Serviço Doméstico: ainda fora do Código mas com menos discriminações

Apesar de chumbada a necessária integração no Código do Trabalho, a revisão da lei do serviço doméstico eliminou discriminações sobre subsídio de natal, horário semanal, repouso noturno, feriados e compensação na cessação de contrato a prazo. Discriminação mantém-se na proteção social e no subsídio de desemprego.

Trabalhadores por turnos e noturnos ficam sem resposta

Quase um quinto das pessoas que trabalham fazem-no por turnos mas o PS recusa qualquer mudança na lei que regula este pesado regime de trabalho. Quanto à licença para laboração contínua, são permitidos motivos que qualquer empresa poderá alegar. Portugal continuará a ter fábricas de rolhas ou de batata frita a operar 24/24 horas.

Cuidadores: nova licença anual de cinco dias terá regras muito apertadas

A licença anual, não remunerada, terá de ser marcada com antecedência de dez dias e gozada numa única vez. Outras normas reconhecem direitos: a horário flexível, a proteção em caso de despedimento, a dispensa de prestação de trabalho suplementar e ao trabalho a tempo parcial, embora por apenas quatro anos.

Reforma das leis laborais: um balanço provisório

Henrique Sousa regista que esta reforma não elimina ou enfraquece direitos dos trabalhadores - dado o histórico -, embora falhe numa ambição reformista mais exigente. A crítica maior é ao que não está e devia estar e à oportunidade assim perdida de se ir mais longe. Agora será preciso vencer, pela acção colectiva, muita inércia, rotina e a resistência patronal nas matérias em que há avanços.

Sindicatos com mais direitos, novos mecanismos de inspeção

Sindicatos poderão entrar nas empresas mesmo que lá não haja sindicalizados. Autoridade para as Condições do Trabalho, Fisco e Segurança Social poderão cruzar dados no combate à precariedade. ACT e Ministério Público passam a poder suspender despedimentos ilícitos. Mesmo depois dos escândalos sobre abusos contra trabalhadores imigrantes na agricultura, PS chumba proposta que responsabilizaria empresas utilizadoras pelos abusos cometidos por intermediários sobre trabalhadores ao serviço daquelas.

Proibidos estágios abaixo do salário mínimo

Estagiários passam a beneficiar de cobertura integral na segurança social. Em contrapartida, mantém-se o alargamento do período experimental - símbolo do compromisso de António Costa com a precariedade -, apenas com mínimas alterações. Mais informalidade também na contratação de estudantes em período de férias, ficando dispensado qualquer escrito.

Mais uma oportunidade perdida no apoio à parentalidade

PS fez um truque de publicidade enganosa sobre o aumento da licença parental exclusiva do pai. PS e direita chumbam propostas para promover amamentação e proteger pais de bebés prematuros.