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Sócrates e o Ensino Superior: história de uma cruzada, por Teresa Alpuim

No ano de 2007 o governo Sócrates continuou a sua cruzada para retirar aos Portugueses o direito de ter acesso a um Ensino Superior com qualidade, como tão escrupulosa e valentemente já o tinha feito em 2006 com a campanha de Bolonha e outras aventuras, como a conquista do MIT (Massachussets Institute of Technology), essa mais ao estilo da "conquista" de Alcácer-Quibir, sempre capitaneado pelo valoroso Mariano Gago.

Artigo de Teresa Alpuim

Mas falando-se em espírito de cruzada, fala-se, naturalmente, no saque ao ouro e, portanto, por aí começamos. Se é verdade que o povo Português paga cada vez mais impostos ao Estado também é verdade que daí tira cada vez menos proveitos, e o Ensino Superior é disso um bom exemplo. Já a Lei de Bolonha teve como objectivo desqualificar o tradicional grau de Licenciado, para que os jovens a quem este grau é concedido e que, teimosamente, não se resignam a ficar o resto da vida a lavar pratos ou sentados na caixa registadora de um supermercado, prossigam os seus estudos em Mestrados com propinas exorbitantes. Algumas Escolas e Faculdades têm resistido heroicamente a este cerco, mantendo o valor das propinas de Mestrado, mas não se sabe quanto tempo duram os mantimentos. Mas o grande saque ocorreu quando, logo em 2006, o Ministro Mariano Gago cortou drasticamente os orçamentos das Universidades, Politécnicos e Institutos de Investigação a pretexto de utilizar essas verbas num programa megalómano de investimento na Ciência! Assim, enquanto muitas Escolas e Institutos se debatiam com dificuldades financeiras para comprar papel, pagar a limpeza e algumas, mesmo, para pagar salários, o Ministro reuniu alguns pares do Reino e mais algumas figuras nobres do seu feudo que avançaram, envoltos num manto de névoa espessa, para uma missão da mais elementar caridade e filantropia. Consistiu esta, essencialmente, em desviar os fundos que os Portugueses pagam com tanto esforço na esperança de que os seus jovens possam aceder a um ensino superior com qualidade para Universidades americanas carenciadas, como é o caso do famoso e ultra financiado MIT, entre outras.

Em 2007, a cavalgada contra os infiéis com crenças primitivas - como a de que o conhecimento é Universal e, portanto, propriedade da Humanidade e não pode estar refém de um punhado de cristãos violentos e gananciosos - acelerou o passo. O subfinanciamento das Instituições de Ensino Superior não só se manteve como até se agravou com a novidade de que as Universidades deveriam entregar 7.5% do orçamento respeitante a salários á Segurança Social. Mas o verdadeiro génio criativo de Mariano Gago só se veio a revelar, já o ano de 2007 ia avançado, na sua obra-prima, o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES). Para começar, reduziu a quase nada a participação dos estudantes nos órgãos de gestão das Instituições de Ensino Superior enquanto que a participação dos funcionários não docentes foi mesmo reduzida a zero. Afinal, nada que a lógica mais simples não possa explicar: pôr as Universidades ao serviço dos interesses lucrativos de uns não é compatível com uma gestão democrática que vela para que esta sirva os interesses de engrandecimento intelectual de todos.

Contudo, a novidade mais surpreendente do RJIES foi a possibilidade de Faculdades, Institutos ou Escolas se desligarem das suas Universidades para se transformarem em Fundações Públicas de Direito Privado, uma figura jurídica até aqui totalmente desconhecida até dos mais eminentes juristas da nossa praça. Mas do muito que se tem falado e da pouca regulamentação publicada sobre estas possíveis novas instituições o que se sabe é que serão administradas por personalidades nomeadas pelo governo, serão financiadas por contratos-programa negociados periodicamente com o Estado e serão abertas á participação de capital privado. Supostamente, estas seriam as escolas de élite do nosso país! Pena que o valoroso Mariano Gago, nas suas campanhas além-mar, não tenha reparado que as mais prestigiadas Universidades internacionais prezam, acima de tudo, a sua autonomia científica e administrativa. Ao contrário, neste novo RJIES o que se sugere é que as melhores Escolas devem estar totalmente condicionadas pelos governos e negociar o seu financiamento á luz dos interesses do partido no poder. Ou seja, quem não professar a fé e pelejar arduamente pela sua expansão, não terá direito a financiamento que se veja.

Perante a ameaça de não fazer parte do quadro de honra do Ministro Mariano Gago e de ser remetidas para sempre a uma vida de dificuldades e miséria, algumas Escolas interessaram-se, desde a primeira hora, em se (des)promover ao estatuto de Fundação Pública de Direito Privado. Foi o caso da direcção do Instituto Superior Técnico que, felizmente, foi obrigada a recuar nos seus intuitos quando uma discussão mais generalizada entre os seus docentes e estudantes mostrou claramente que a fórmula das Fundações serve para poupar dinheiro ao Estado e não para aumentar financiamento e que a ideia de Universidade vale muito mais do que a de Escolinha do Ministro. Sábia decisão que pôde ser tomada ao abrigo de uma lei que, apesar de obsoleta, ainda tem alguns resquícios do ideal democrático. Mas quando a sensatez já começava a prevalecer na Universidade Técnica de Lisboa, vem a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa pugnar por se constituir em Fundação numa parceria com o Instituto de Medicina Molecular e com o Hospital de Santa Maria. Nada de concreto se sabe, pois o segredo é a alma do negócio, mas fala-se em forte participação do capital privado, naturalmente através do grupo Mello, e até se ouviu falar mesmo num Centro Comercial nas traseiras do Hospital de Santa Maria...

Se tal se vier a concretizar em 2008, então sim, esse é que será o grande saque de todos os tempos da era cristã. Pois do que se trata aqui é de espoliar os Portugueses de um avultadíssimo investimento público, que foi feito durante anos e anos através dos seus impostos, em três instituições chave do sistema de saúde nacional: o maior Hospital do país, uma escola médica de referência e um instituto de investigação associado, em favor do lucro privado e da extorsão de dinheiro aos desgraçados que têm a desdita de ficar doentes.

Teresa Alpuim

(...)

Neste dossier:

Temas 2007

Neste dossier, oito textos sobre temas importantes em 2007: crise financeira, administração Bush, governo Sócrates, precariedade, política de saúde, ensino superior, evolução social em Portugal e referendo à despenalização do aborto.

Mais Desemprego, Precariedade e Flexigurança marcam o ano de 2007

A palavra «flexigurança» entrou-nos pela casa adentro no ano de 2007. Mas a flexibilidade e a precariedade já são muito elevadas: a população com emprego ou trabalho precário e os desempregados já representam no 2.º trimestre, 41,8% da população empregada. Com contratos precários temos 1,76 milhões de trabalhadores. Neste ano, o desemprego aumentou e a protecção social na situação de desemprego diminuiu. Artigo de José Casimiro.

Sócrates e o Ensino Superior: história de uma cruzada, por Teresa Alpuim

No ano de 2007 o governo Sócrates continuou a sua cruzada para retirar aos Portugueses o direito de ter acesso a um Ensino Superior com qualidade, como tão escrupulosa e valentemente já o tinha feito em 2006 com a campanha de Bolonha e outras aventuras, como a conquista do MIT (Massachussets Institute of Technology), essa mais ao estilo da "conquista" de Alcácer-Quibir, sempre capitaneado pelo valoroso Mariano Gago.

"The final countdown", por José Manuel Pureza

Este foi o ano de um doloroso countdown na política norte-americana. Em perda crescente, o conservadorismo bushista exibe um estilo de fim-de-festa. A erosão política do grupo que rodeia George Bush foi de uma intensidade letal durante o ano que passou. O abandono do seu conselheiro político principal, Karl Rove, foi porventura o símbolo maior dessa desagregação do bushismo.

2007: agravaram-se a pobreza e as desigualdades sociais, por José Casimiro

Portugal é o país da União Europeia onde a desigualdade entre ricos e pobres é maior.
Em Portugal, a pobreza continua a aumentar. Mais de 2,2 milhões de pobres, o que equivale a dizer que um em cada cinco portugueses vive em situação de pobreza. Este valor é significativamente superior ao da média europeia, 16%.

“Política de saúde em 2007, uma política sem remédio”, por João Semedo

O ano acaba como começou: com mais encerramentos de serviços de saúde. Fechou mais uma maternidade, mais uma urgência hospitalar e uma série de SAPs.
Fechar, fechar, fechar: é esta a imagem de marca deste governo. Onde há um problema, uma dificuldade, fecha-se. Foi assim o ano de 2007. Mais um passo no desmantelamento do SNS.

“É a pobreza, pá!” por Luís Fazenda

2007 parecia entrar bem com a despenalização do aborto, símbolo humanista e de género, arrancado em referendo, apesar do governo ter periclitado e do recém-eleito Cavaco ter ficado do lado da reacção, aonde pois?
Logo veio o cortejo de medidas do executivo, "reformas" para a ideologia dominante, perda de direitos sociais para a maioria dos cidadãos.

A “geração 500 euros” ganha nome, por Jorge Costa

2008 começa com uma precariedade recorde, mas começa depois de valiosas experiências feitas pelo precariado em 2007. Elas constituem sinais exemplares, mesmo se embrionários, de um movimento necessário em Portugal.
A luta contra a precariedade será uma corrida de fundo. Além de persistência, precisa de imaginação para inventar o seu percurso.

Nem o Pai Natal salva os mercados financeiros, por Francisco Louçã

É muito raro, mas os principais comentadores dos mercados financeiros internacionais parecem estar de acordo quanto a um prognóstico para 2008: está a chegar uma recessão nos Estados Unidos. Pior ainda, esta recessão irá ter como efeito a conjugação de recessões simultâneas nos Estados Unidos como na Europa, como no Japão e nos mercados asiáticos.

Referendo e Feminismos, por Manuela Tavares

Virou-se uma página na História das mulheres com a vitória do SIM no último dia 11 de Fevereiro. Fortes abraços, porque as palavras não chegavam, as lágrimas no canto dos olhos, a alegria estampada nos rostos. As mensagens a chegarem a cada minuto. Foi assim por todo o lado onde se festejou este tão bem merecido resultado.