As posições do Sul global em relação à Ucrânia são mais complexas do que se pensa

As posições neutras ou ambivalentes dos países BRICS (e outros grandes países semelhantes) em relação à guerra da Rússia contra a Ucrânia representam os interesses das próprias elites poderosas emergentes e não os dos milhares de milhões de pessoas do Sul global. Artigo de Michael Karadjis.

07 de outubro 2023 - 17:43
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BRICS

Em 19 de julho passado, a África do Sul anunciou que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, não participaria na cimeira dos BRICS em Joanesburgo, no final de agosto, pondo fim às especulações sobre a possibilidade de a África do Sul o deter ao abrigo da ordem emitida pelo Tribunal Penal Internacional (TPI). O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, esteve presente no seu lugar.

A ordem do TPI acusa Putin de deportar ilegalmente milhares de crianças ucranianas para a Rússia. A Rússia, assim como os EUA, não aderiu ao TPI, enquanto a África do Sul o fez, o que significa que teria enfrentado um grande dilema. Como disse o presidente sul-africano, Thabo Mbeki, “não podemos” convidar Putin para a cimeira e depois detê-lo, “mas também não podemos dizer-lhe ‘venha à África do Sul’ e não o deter, porque estaríamos a infringir a nossa própria lei”.

BRICS é o acrónimo de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, um grupo que foi formado sob a sigla BRIC em 2009, incorporando a África do Sul em 2010. É uma coligação informal de países relativamente grandes e economicamente poderosos que têm tido um rápido crescimento. Estes países emergem do Sul global para ocupar uma posição na qual aspiram a questionar a dominação incontestada da economia mundial pelos países mais poderosos do Norte global. Destes países, apenas o Brasil e a África do Sul aderiram ao TPI, enquanto Rússia, China e Índia não o fizeram, o que implica que a possibilidade de Putin ser detido teria causado graves frições dentro do grupo, para não falar das perigosas consequências globais que poderiam derivar da detenção do líder de uma superpotência dotada de armamento nuclear.

Este breve comentário sobre a África do Sul e os BRICS levanta a problemática questão da neutralidade em relação à guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Enquanto a China, a Índia e a África do Sul se abstiveram nas votações das Nações Unidas que condenaram a invasão russa, o Brasil votou formalmente a favor da condenação. No entanto, este posicionamento foi duramente criticado pelo então presidente de extrema-direita do Brasil, Jair Bolsonaro, que se declarou solidário com Putin. Este não-alinhamento enquadra-se na posição das elites dominantes dos países BRICS, uma vez que procuram pôr em causa o poder dos países ocidentais que protagonizam a defesa internacional da Ucrânia.

Este não-alinhamento enquadra-se na posição das elites dominantes dos países BRICS, uma vez que procuram pôr em causa o poder dos países ocidentais que protagonizam a defesa internacional da Ucrânia

Muitas e muitos comentadores tentaram apresentar esta posição dos países BRICS – e a posição ambivalente de alguns outros estados relativamente poderosos – como uma opinião representativa da totalidade do Sul global, do mundo em desenvolvimento das antigas colónias. Com a presunção de falar em nome de vários milhares de milhões de pessoas em três continentes, esta abordagem afirma que o apoio à Ucrânia é um projecto exclusivo do Ocidente imperialista e mesmo que a maioria do mundo se absteve, uma vez que a China e a Índia abrangem dois quintos da população mundial.

A África voltou a estar em foco em junho, quando uma delegação de África do Sul, República do Congo, Egipto, Senegal, Uganda e Zâmbia visitou a Ucrânia e a Rússia para pressionar ambos os países a concordarem com um cessar-fogo, o que significaria que as forças russas mantivessem o controle sobre um quinto da Ucrânia. Ambos os países rejeitaram o apelo - Putin expressou o seu desdém pela neutralidade pró-Rússia dos países africanos lançando um míssil contra Kiev no momento da chegada da delegação, pondo em relevo uma crise de irrelevância dos países que travaram as suas próprias lutas pela sua independência frente ao colonialismo e agora recusam-se a apoiar a Ucrânia, numa altura em que esta faz o mesmo.

a partir de meados do século XVII, a Ucrânia foi subjugada pelo império emergente do Czar da Rússia, num tempo em que a Grã-Bretanha, a França e outras potências coloniais também estavam a construir os seus próprios impérios

Para ilustrar esta questão: a partir de meados do século XVII, a Ucrânia foi subjugada pelo império emergente do Czar da Rússia, num tempo em que a Grã-Bretanha, a França e outras potências coloniais também estavam a construir os seus próprios impérios. Em 1863, foi proibida a publicação da maioria dos livros em língua ucraniana, incluindo livros didáticos, foi proibida. Em 1876, foi declarada ilegal a publicação de quase toda a literatura ucraniana, a encenação de peças em ucraniano, a escolarização em ucraniano e o uso do ucraniano na vida pública em geral. Apesar do breve florescimento da cultura ucraniana e da criação da República Soviética da Ucrânia após a Revolução Bolchevique de 1917, a supressão da cultura ucraniana logo foi retomada sob o regime estalinista. A população ucraniana votou esmagadoramente pela independência em 1991. Putin aspira a restabelecer o império russo e declara abertamente que a Ucrânia não tem o direito de existir fora da Rússia. É, portanto, uma luta anticolonial clássica.

É uma luta anticolonial clássica

Frequentemente, assinala-se a hipocrisia ocidental para explicar a recusa de alguns governos do Sul global a apoiar a resistência anticolonial da Ucrânia. É um bom argumento: por exemplo, as potências ocidentais que apoiam a resistência ucraniana assumem uma posição diferente em relação à ocupação brutal e ilegal da Palestina durante décadas por parte de Israel, com as consequentes violações dos direitos humanos. Nem mesmo os horríveis atos brutais do próprio Putin na Chechénia ou na Síria provocaram a mesma reacção ocidental que vemos agora na Ucrânia. Afinal, aqueles são países muçulmanos e Moscovo apresentou estas guerras como parte da guerra global contra o terrorismo.

Além do mais, há conflitos em África em que morrem muitas pessoas, como o recente ataque no Tigray levado a cabo durante dois anos pelas forças da Etiópia e da Eritreia. É, portanto, compreensível que muitas pessoas em África tenham ficado ofendidas quando a ministra de Estado francesa, Chrysoula Zacharopoulou, exigiu “solidariedade de África” face à “ameaça existencial” à Europa representada pela invasão russa. As potências ocidentais, tal como a Rússia, agem em função dos seus próprios interesses, que podem ocasionalmente coincidir com os interesses da justiça. A população civil ucraniana bombardeada nos blocos de apartamentos não é culpada pelo facto de o Ocidente apoiar o seu país mais do que outras lutas justas.

Um argumento semelhante é que a ambivalência em relação à guerra Rússia-Ucrânia por parte de alguns governos do Sul global reflete as memórias anticoloniais das suas populações. Os governos ocidentais que agora apoiam a resistência ucraniana ao imperialismo russo foram outrora potências coloniais que governaram os povos do Sul global, enquanto que a União Soviética apoiou frequentemente lutas anticoloniais. Isto tem eco especialmente na África do Sul, onde os EUA e o Reino Unido foram os últimos grandes países do mundo a combater as políticas de apartheid, enquanto a URSS há muito apoiava a luta contra o apartheid.

Isso levanta vários problemas óbvios. A Rússia não é a URSS. Na verdade, muitos líderes do Congresso Nacional Africano (ANC) formaram-se na Ucrânia quando esta fazia parte da União Soviética. A Rússia tem uma longa história como potência colonizadora e hoje procura reconquistar a sua antiga colónia ucraniana no puro estilo colonial do século XIX. Assim, a consciência anticolonial poderia muito bem implicar uma certa simpatia para com o povo ucraniano. E os números não enganam: 140 países votaram a favor da condenação da invasão russa, na sua grande maioria pertencentes ao Sul global, enquanto apenas cinco votaram contra.

Além disso, o argumento de que a hipocrisia ocidental explica a postura ambivalente de alguns governos do Sul é problemático. Muitos destes governos, são opressores ferozes para os quais a hipocrisia ocidental importa muito pouco - a Índia de Modi, Israel, a Arábia Saudita, a Etiópia - estão entre os que se abstiveram, rejeitaram sanções ou tomaram iniciativas que de alguma forma beneficiaram a Rússia.

As elites governantes e a opinião pública

Mas em tudo isto há um problema mais profundo: a suposta unanimidade das elites dominantes e dos governos com os seus povos, ou seja, a ideia de que as pessoas exploradas, oprimidas ou mesmo assassinadas têm as mesmas opiniões que os seus opressores, e que as decisões e as políticas dos seus opressores refletem de facto os seus pontos de vista. Há várias dificuldades quando se trata de discernir as opiniões das pessoas comuns, mas não as dos seus governos.

Em primeiro lugar, é provável que as centenas de milhões de pessoas extremamente pobres em todo o Sul global estejam mais preocupadas com a sobrevivência quotidiana do que com a formação de uma opinião sobre uma guerra europeia. Isto significa que apenas podem sentir alguma simpatia pela Ucrânia, mas também é pouco provável que, pela mesma razão, apoiem a posição pró-Rússia dos seus governos.

Em segundo lugar, a opinião pública é normalmente moldada pelas elites que controlam os principais meios de comunicação social, pelo que uma parte do apoio às posições governamentais pode refletir esta circunstância, em vez de as políticas das elites dominantes refletirem as memórias anticoloniais das massas. Em terceiro lugar, no entanto, a maioria das sondagens de opinião no Sul global não parece, de forma alguma, confirmar esta narrativa. Pelo contrário, tendem a refletir um forte apoio à Ucrânia.

Não podemos confiar na validade absoluta das sondagens realizadas entre meros milhares de pessoas em países que contam com milhões de habitantes, mas são as que temos, e os seus resultados bastante semelhantes sugerem uma desconexão entre as posições de uma série de elites do Sul global e setores significativos das suas populações. Apesar destas reservas, estes dados indicam que necessitamos de uma melhor explicação para as posições neutralistas de muitas elites do Sul global do que a ideia de que refletem o sentimento anti-imperialista dos respectivos povos.

O que chama a atenção no que diz respeito aos principais países que se abstiveram na votação sobre a condenação da Rússia ou aprovaram formalmente a condenação, mas que de outra forma eram pró-Rússia na prática, é a sua natureza subimperial. O investigador sul-africano Patrick Bond, a investigadora brasileira Ana Garcia e o seu colega Miguel Borba qualificam de subimperiais as potências que “sobreexploram excessivamente as suas classes trabalhadoras, mantêm relações predatórias com as suas regiões periféricas e colaboram (não sem tensões) com o imperialismo”. Na sua tentativa de construir as suas próprias zonas regionais de influência, a sua colaboração com as potências imperialistas globais é perturbada por episódios de concorrência, o que o falecido economista brasileiro Ruy Mauro Marini chamou de “cooperação antagónica”. O facto de competir parcialmente com potências imperialistas globais não torna estes países anti-imperialistas; pelo contrário, como argumentam Bond, Garcia e Borba, eles aspiram “a emular os precedentes expansionistas ocidentais, utilizando instrumentos de poder multilateral (orientados para grandes empresas)”.

Desta forma, os seus pontos de vista, decisões e ações são um reflexo dos interesses das elites destas potências médias, e não da consciência popular anticolonial. O seu multilateralismo reflete o seu posicionamento geopolítico - a sua negociação global - entre os imperialismos americano, europeu, russo e chinês, tirando proveito do actual conflito global em torno da Ucrânia para fazer valer os seus próprios interesses subimperiais, a opressão das suas colónias internas e a sua influência e os seus avanços regionais.

Embora 140 países membros da Assembleia Geral das Nações Unidas tenham votado tanto a favor da condenação da invasão russa em março de 2022 como, mais tarde, a favor da condenação da anexação de um quinto da Ucrânia pela Rússia, cinco opuseram-se a ambas as resoluções e 35 abstiveram-se em ambas. Portanto, mesmo a nível governamental, a grande maioria das nações do Sul global aprovou a condenação. É verdade que um terço dos países se absteve, mas 60% votaram a favor da condenação, e embora 43 chefes de Estado africanos tenham participado na última cimeira Rússia-África em 2019, apenas 17 participaram na cimeira que acabou de realizar-se em julho. Lá, disseram a Putin, acima de tudo, para acabar com a guerra e alertaram para as graves consequências para a segurança alimentar de África a retirada da Rússia do acordo que permitiu à Ucrânia exportar os seus cereais.

Como a maioria dos mitos, estas afirmações baseiam-se em fragmentos e pedaços de meias verdades. Uma vez que a maioria das cerca de 30 nações do Norte global votou a favor da condenação da invasão russa, todas as abstenções foram do Sul global, embora o seu número tenha sido muito menor do que o das condenações. Dos cinco países que votaram contra a condenação, a Rússia e a Bielorrússia são países brancos do Norte global, enquanto três pertencem ao Sul: a ditadura assassina de Bashar al Assad da Síria; o estado policial perturbado da Coreia do Norte; a ditadura ferozmente repressiva da Eritreia (pela primeira vez); e o regime autoritário de Daniel Ortega na Nicarágua (pela segunda vez). Na votação de fevereiro de 2023 para condenar novamente a invasão no seu aniversário, juntou-se a eles a ditadura do Mali, apoiada pelo Grupo Wagner.

No entanto, os países votam por diferentes razões. Enquanto alguns Estados maiores se abstiveram porque simpatizam com Moscovo ou desejam projetar o seu poder subimperial à escala global, muitos países pobres abstiveram-se por razões económicas, temendo que o voto a favor da condenação pudesse afetar importantes laços económicos com a Rússia. Outros, como a Síria, o Mali e a República Centro-Africana, assemelham-se mais a subsidiárias russas ou a semi-colónias sob ocupação semi-militarizada.

A outra verdade é que apenas os países ocidentais enviaram armas para a Ucrânia e ativaram sanções económicas contra a Rússia. É claro que isto não é estranho: os principais fornecedores mundiais de armas são os países mais ricos, e só eles podem suportar os efeitos negativos das sanções impostas a um país grande como a Rússia. Para os países mais pobres, a imposição de sanções poderia trazer retrocessos significativos, dada a importância da Rússia nos mercados mundiais de alimentos, fertilizantes e energia. E a guerra na Ucrânia tem lugar na Europa, por isso é lógico que os países europeus estejam mais diretamente interessados, tal como todos os países africanos se opuseram ao apartheid e os estados árabes apoiam oficialmente a Palestina.

Com excepção da Turquia, nenhum aliado dos EUA no Médio Oriente forneceu armas à Ucrânia ou impôs sanções à Rússia. Depois de o Ocidente ter decretado o embargo ao petróleo russo, os Estados Unidos pressionaram os países do Golfo para aumentarem a oferta de petróleo bruto, a fim de reduzir os preços globais. Em julho, os sauditas responderam convencendo a OPEP a reduzir a produção de petróleo em dois milhões de barris por dia, para seu benefício e o da Rússia. O desaire definitivo dos Estados Unidos foi a recepção generosa que o príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman ofereceu ao presidente chinês Xi Jinping em dezembro; ambos assinaram uma parceria estratégica. A ditadura de Sisi no Egipto iniciou a construção da primeira central nuclear egípcia pela Rússia em julho de 2022.

O então primeiro-ministro israelita de extrema direita, Naftali Bennett, foi o primeiro líder mundial a visitar Putin após a invasão. Sob pressão dos Estados Unidos, o ministro dos Negócios Estrangeiros israelita, Yair Lapid, um político centrista, emitiu uma condenação oficial, mas Bennett exigiu que os seus ministros não fizessem declarações, proibiu outros países de enviar armas de fabrico israelita para a Ucrânia e impediu a entrega de tecnologia anti-mísseis israelita “Iron Dome” ao país invadido. Quando o então líder da oposição Benjamin Netanyahu, que há muito mantinha laços estreitos com Putin, foi reeleito em dezembro de 2022, a primeira declaração do seu novo governo prometia “falar menos” sobre a Ucrânia.

Nem todos são países pobres, sem poder de negociação, mas Israel, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos não são normalmente considerados vanguarda anti-imperialista. Se somarmos outros países com governantes de extrema direita - Viktor Orban, aliado de Putin na Hungria, Modi na Índia e Bolsonaro no Brasil, aliados tanto da Rússia como dos EUA - os problemas levantados pela explicação anti-imperialista da moderação com a Rússia saltam ainda mais à vista.

O caso da África do Sul

O que demonstra a eventual correspondência entre as políticas destes poderosos governos do Sul global e os sentimentos anticoloniais das suas populações, que supostamente se expressam no apoio à invasão (colonial) da Ucrânia pela Rússia? A África do Sul é um exemplo revelador. De facto, dada a participação deste país em exercícios navais com a Rússia e a China em fevereiro passado, “toda a pretensão de neutralidade desapareceu”, declarou o jornalista sul-africano Redi Thlabi num episódio recente do podcast The Lede da New Lines.

Ao explicar os votos da África do Sul na ONU, a maioria dos comentários aponta para os “laços tradicionais” entre o ANC, que liderou a luta contra o apartheid, e a União Soviética, que apoiou a sua luta. Será possível que a votação do governo reflita o amor popular por Moscovo na sequência desta história? Segundo Thlabi, mesmo que a África do Sul fosse verdadeiramente neutral, isto não pode ser justificado pela história da luta contra o apartheid, porque tal como a condenação do apartheid, a invasão de um país por outro é uma questão de princípio, e no devido tempo a África do Sul “necessitou de outros países para apoiar a nossa luta contra o apartheid” e não de esconder-se atrás da neutralidade.

Além do mais, de acordo com uma sondagem Gallup entre pessoas africanas de 24 países, realizada em 2021 (antes da invasão), apenas 30% da amostra sul-africana mostrou uma opinião positiva sobre a Rússia, a segunda valorização mais baixa do continente. Na verdade, a maioria de países onde as pessoas expressaram um apoio relativamente baixo à liderança russa (30%-41%) estão na parte sul de África - Tanzânia, Zimbabué, Namíbia e Moçambique - países abstencionistas cujos governos estão associados às lutas anticoloniais, apoiadas pela URSS, das décadas de 1970 e 1980, ligadas ao movimento anti-apartheid. Assim, nos países onde se esperaria o maior apoio à Rússia em virtude desta narrativa anticolonial, na verdade acaba por ser o mais baixo.

Tenha-se em conta que estes são números de 2021; desde fevereiro de 2022, registaram-se quedas acentuadas no apoio à Rússia em todo o mundo. Também convém assinalar que, embora a aprovação do governo russo era, em média, mais elevada em África (42%) do que a nível mundial (33%), era, no entanto, mais baixa nas percentagens de aprovação dos governos dos EUA (60%), China (52%) e Alemanha (49%). É também surpreendente que o índice de aprovação médio da Rússia de 42% em 2021 já refletisse uma descida em em relação aos 57% de 2011, numa década em que as aventuras imperialistas globais da Rússia ganharam mais intensidade. A invasão de 2022 não terá ajudado. Por último, note-se que embora a média africana seja mais elevada, a taxa de aprovação de 30% na África do Sul era inferior à média global de 33%.

longe de representar um sentimento popular favorável a Moscovo, é mais plausível que o voto do governo do ANC represente o posicionamento global da elite dominante subimperialista dos BRICS

Assim, longe de representar um sentimento popular favorável a Moscovo, é mais plausível que o voto do governo do ANC represente o posicionamento global da elite dominante subimperialista dos BRICS. As classes trabalhadoras e os pobres de todo o cone sul-africano, onde os partidos no poder estão próximos da Rússia, sofrem uma exploração brutal por parte das elites dominantes que emergiram do ANC: a União Nacional Africana-Frente Patriótica do Zimbabué, FRELIMO (o partido no poder de Moçambique), SWAPO (o partido no poder na Namíbia) e o Movimento Popular para a Libertação de Angola. Na verdade, a África do Sul é o país com mais desigualdade do mundo, de acordo com o Índice de Gini de 2023, enquanto Namíbia, Moçambique, Angola e Zimbabué figuram todos entre os 15 mais desiguais (o Brasil, membro do BRICS, é o nono).

Outros países africanos

Não é, portanto, surpreendente que muitas pessoas nestes países partilhem muito pouco em termos de perspectivas com o regime subimperial da África do Sul ou com os regimes neocoloniais dos países vizinhos, associados ao imperialismo russo, chinês ou ocidental. Mesmo pondo em dúvida os resultados da sondagem, qual a razão da diferença acentuada com a maior percentagem de aprovação – entre 50% e 70% – da liderança russa na África Ocidental? Diz-se que a Rússia ganhou ali muitos pontos nos últimos anos com os seus esforços para afastar a França do seu papel dominante, especialmente na guerra contra o terrorismo. Será que a abstenção de vários países da África Ocidental – Mali, República Centro-Africana, Guiné e Togo – representa um aumento no apoio à Rússia? E se assim for, reflete isto um sentimento anticolonial?

O problema da substituição um país imperialista por outro é que as boas-vindas iniciais podem tornar-se amargas quando o novo poder estiver consolidado

O problema da substituição um país imperialista por outro é que as boas-vindas iniciais podem tornar-se amargas quando o novo poder estiver consolidado. Uma vez que se trata de uma sondagem de 2021, devemos ter em conta o declínio global da simpatia para com a Rússia após a invasão da Ucrânia e, nos casos do Mali e da República Centro-Africana, a forma como os governantes apoiados pela Rússia revelaram os seus desígnios brutais em 2022. Em novembro daquele ano, o grupo All Eyes on Wagner (https://alleyesonwagner.org) relacionou os paramilitares russos do Grupo Wagner no Mali a 23 incidentes de violações dos direitos humanos, quando soldados malianos e mercenários russos executaram cerca de 300 civis na cidade de Moura. Da mesma forma, na República Centro-Africana, os mercenários da Wagner sequestraram, torturaram e assassinaram regular e impunemente uma série de pessoas, de acordo com um relatório das Nações Unidas, que afirma que uma empresa russa ligada à Wagner “obteve licenças para abrir minas de ouro e diamantes”. Mais uma vez, a brutalidade culminou em março de 2022, quando o grupo Wagner massacrou mais de 100 pesquisadores de ouro de Sudão, Chade, Níger e República Centro-Africana.

O Grupo Wagner começou a operar em África em 2017, a convite do então ditador sudanês Omar al Bashir, obtendo a sua primeira concessão mineira para extração de ouro. A procura de ouro por parte da Rússia cresceu enormemente após a invasão da Ucrânia e as sanções. As comunidades às quais pertenciam as pessoas assassinadas consideram-se parte de um Sul global pró-Rússia que se manifestou com as abstenções do Mali, da República Centro-Africana e do Sudão? Ou será que essas posições representam antes os interesses destes violentos governantes neocoloniais apoiados pela Rússia?

A Eritreia, que aderiu à guerra da Etiópia contra Tigray, foi o único país africano a votar com Moscovo nas Nações Unidas

Outro governo que se absteve foi o da Etiópia, cuja recente guerra de dois anos contra a região de Tigray custou a vida a cerca de 600 mil pessoas. Será a sua abstenção uma voz “contra a hipocrisia ocidental”, expressa apesar do firme apoio dos Estados Unidos ao governo? O povo do Tigray conseguiu votar? A Eritreia, que aderiu à guerra da Etiópia contra Tigray, foi o único país africano a votar com Moscovo nas Nações Unidas. Dado que no passado a União Soviética apoiou a guerra brutal da junta militar etíope (Derg) contra a independência da Eritreia, esta posição não pode ser explicada por uma suposta memória anticolonial. A ditadura eritreia de Isaias Afwerki foi acusada num relatório de 2021 da Human Rights Watch de “submeter a sua população a trabalhos forçados e recrutamento obrigatório, sem um órgão legislativo, sem organizações da sociedade civil nem meios de comunicação independentes, e sem um poder judicial independente.

Brasil

Quanto ao Brasil, tanto o antigo governo de extrema direita de Bolsonaro como o atual do presidente Luiz Inácio Lula, localizado à esquerda do centro, tomaram partido a favor da Rússia. Para Bolsonaro, Putin (assim como Trump) é um aliado ideológico. Na véspera da invasão russa, viajou para Moscovo e declarou a sua “profunda solidariedade” com a Rússia. Embora o seu governo tenha votado formalmente a favor da condenação, Bolsonaro criticou duramente esta posição, afirmando que o povo ucraniano “confiou o destino da nação a um palhaço”. Posteriormente, o Brasil absteve-se no Conselho de Segurança e não condenou as anexações do leste da Ucrânia. Enquanto isso, o comércio entre o Brasil e a Rússia cresceu rapidamente. Embora Lula tenha criticado a invasão russa, afirmou que a Ucrânia era “tão responsável” como a Rússia pela eclosão da guerra.

No entanto, segundo uma sondagem de opinião realizada pela Morning Consult, “a percentagem de pessoas adultas brasileiras com opinião favorável à Rússia caiu de 38% para 13%” desde a invasão da Ucrânia, “enquanto a percentagem da população que tem uma opinião desfavorável disparou de 28% para 59%”. Atualmente, 62% da população do Brasil diz que está do lado da Ucrânia, em comparação com apenas 6% que apoia a Rússia. Isto sugere antes o oposto da “pressão das massas anti-imperialistas”.

Convém destacar que enquanto vários países latino-americanos com governos de esquerda se abstiveram de votar na ONU, outros – Chile, México e Colômbia – votaram a favor da condenação, juntamente com uma grande maioria. Por ocasião da cimeira da União Europeia e da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos de 18 de julho, que teve lugar em Bruxelas, o presidente de esquerda do Chile, Gabriel Boric, condenou a invasão russa, que chamou de “guerra de agressão impperialista inaceitável que viola o direito internacional”. A resolução proposta sobre a Ucrânia foi suavizada para chegar a um consenso com governos ambivalentes, mas expressa “uma profunda preocupação com a guerra em curso contra a Ucrânia, que continua a causar imenso sofrimento humano”, com a única dissidência da Nicarágua.

Índia

As abstenções da Índia nas Nações Unidas representam uma combinação de vínculos tradicionais com a Rússia – apoiando-se na Rússia para contrabalançar a China, que para a Índia é o principal rival – e o posicionamento global de uma elite subimperial dos BRICS. Além disso, tal como no caso de Bolsonaro, a aliança com o Putinismo de extrema-direita é profundamente ideológica para o partido governante supremacista hindu de Modi, o Partido Bharatiya Janata (BJP).

As abstenções da Índia nas Nações Unidas representam uma combinação de vínculos tradicionais com a Rússia – apoiando-se na Rússia para contrabalançar a China, que para a Índia é o principal rival – e o posicionamento global de uma elite subimperial dos BRICS

Pouco depois do início da invasão, membros da organização indiana de extrema-direita Hindu Sena manifestaram-se em apoio a Putin e à sua guerra. O presidente da Hindu Sena, Vishnu Gupta, defendeu que a Índia colocasse o “pé em terra” e apoiasse a Rússia. O conceito de extrema-direita de Akhand Bharat, que abrange todo o subcontinente, do Afeganistão a Myanmar, numa nação indivisa com a Índia no centro, lembra as visões ultranacionalistas russas promovidas por ideólogos como Alexander Dugin e retomadas por Putin, que sustenta que as antigas partes do Império Russo pertencem à Rússia. Considerado o mentor de Putin após a invasão da Crimeia pela Rússia em 2014, Dugin é um influente filósofo russo que exalta as conquistas imperiais russas em nome do que chama de “neo-eurasianismo”.

Modi, que esteve envolvido no pogrom anti-muçulmano em Gujarat em 2002, encabeça um regime profundamente chauvinista num país onde o número de multimilionários está a aumentar tão rapidamente como o maior número de pessoas absolutamente pobres da Terra. Será realmente provável que as centenas de milhões de mulheres, dalits e minorias social e economicamente oprimidas e marginalizadas, tenham a mesma opinião pró-Putin que o regime de Modi ou que esta opinião reflita a memória anticolonial da luta contra a Grã-Bretanha?

Modi encabeça um regime profundamente chauvinista num país onde o número de multimilionários está a aumentar tão rapidamente como o maior número de pessoas absolutamente pobres da Terra

O valor das pequenas sondagens de opinião é duvidoso num país tão grande e diversificado, mas entre as que temos, uma sondagem Ipsos de maio de 2022 revelou que, embora seis em cada dez indianos apoiassem a manutenção de relações com a Rússia e se opusessem às sanções, 77% acreditavam que as sanções impostas por outros eram “uma tática eficaz para parar a guerra” e 70% acreditavam que “não fazer nada encorajaria a Rússia” a espalhar a guerra noutros lugares. Numa sondagem da Blackbox Research realizada em março, apenas 4% das pessoas indianas inquiridas tinham uma imagem positiva de Moscovo, 60% culpavam a Rússia pelo conflito e 91% simpatizavam com a Ucrânia.

À primeira vista, isto sugere, no mínimo, que as pessoas indianas inquiridas eram simpatizavam mais com a Ucrânia do que o regime do BJP. É interessante ver como o apoio à Rússia parece ser mais forte nas redes sociais, o que provavelmente representa os pontos de vista da classe média alta. Entre as justificações expressas, porém, o anticolonialismo não merece qualquer menção; em vez disso, são citados os “laços históricos entre a Índia e a Rússia”, sendo esta última a principal fornecedora de armas da Índia, e a conveniência de evitar que a Rússia se incline demasiado para a China. Contudo, o armamento avançado que a Índia compra à Rússia não se destina a combater o fantasma do colonialismo britânico. É mais provável que seja usado na Caxemira ocupada ou ajude a construir o arsenal da sua aliança anti-China Quad com os EUA, Austrália e Japão.

China

Com os 1.400 milhões de pessoas que conta a população chinesa, uma sondagem realizada a um número relativamente pequeno de pessoas não pode ser muito ilustrativa, e o monopólio quase total do Partido Comunista da China (PCC) sobre os meios de comunicação social (incluindo as redes sociais) torna ainda mais difícil a tarefa de discernir as opiniões populares. Mesmo assim, o inquérito da Blackbox citado acima revela que apenas 8% das pessoas chinesas inquiridas tinham uma imagem positiva de Moscovo e 71% simpatizavam com a Ucrânia, enquanto apenas 10% culpavam a Rússia pelo conflito. Não está claro o que podemos deduzir desta contradição, mas podemos expor algumas questões gerais.

Em primeiro lugar, é lógico assumir que as massas tibetanas colonizadas ou a população muçulmana Uigur de Xinjiang – onde um milhão de pessoas estão sujeitas à assimilação forçada – tenham opiniões semelhantes às do regime que defende um chauvinismo da etnia Han? Num país que conta com mais de 900 mil milionários, qual a probabilidade de a população flutuante de mão-de-obra migrante brutalmente explorada - um quinto da população, sobre cujas costas o milagre chinês foi construído – esteja de acordo com os seus exploradores? Ou que as políticas governamentais refletem as suas opiniões anti-imperialistas?

Em segundo lugar, a decisão da China de se abster nas votações nas Nações Unidas, ao mesmo tempo que afirma que "é preciso respeitar a soberania e a integridade territorial de todos os países, incluindo a Ucrânia", é melhor explicada como um reflexo da política assertiva de uma nova potência imperialista, e não como um reflexo da política assertiva de uma nova potência imperialista do que uma espécie de consciência anti-imperialista de “um quinto da população mundial”. Na sua primeira viagem ao estrangeiro após a pandemia, concretamente ao Cazaquistão – uma antiga república soviética com uma grande minoria russa –, o presidente chinês Xi deu um forte apoio à “independência, soberania e integridade territorial” do Cazaquistão. A Rússia é simultaneamente uma aliada e uma rival imperial, e a China prefere-a mais como vassala do que como igual, algo que Putin não garantiu exatamente com o seu imbróglio ucraniano.

A faustosa visita de Xi à Arábia Saudita em dezembro de 2022, por ocasião da qual ambos os países elaboraram um acordo de associação estratégica e as empresas chinesas e sauditas assinaram 34 contratos de investimento, representou uma incursão significativa no território tradicional dos EUA e da Rússia. Entretanto, enquanto Putin torpedeava a ligação Nord Stream e a sólida relação económica entre a Rússia e a Alemanha com a invasão, o governo alemão abriu a porta a que um grande grupo de transporte marítimo chinês adquirisse uma participação no estratégico porto de Hamburgo.

Os interesses das elites dominantes prevalecem

As sondagens globais corroboram frequentemente os resultados das sondagens nacionais e supranacionais. Uma sondagem realizada pela Open Society a 21.000 pessoas em 22 países, a maioria do Sul global, revelou um “apoio forte e amplo” à opinião de que a paz exige que a Rússia “abandone todas as partes do território ucraniano”. As únicas exceções foram o Senegal (46%), a Índia (44%), a Indonésia (30%) e a Sérvia (12%). As populações que mais apoiam este ponto de vista são as do Quénia (81%), da Nigéria (71%), do Brasil (68%) e da Colômbia (67%), entre outros países, todas acima de Estados Unidos, Japão, França e Alemanha. Em termos gerais, não foi observada diferença entre o Sul e o Norte globais.

Um contraste parcial é fornecido por uma sondagem da Ipsos com 19.000 pessoas de 27 países, mas que se concentrou em questões relacionadas com a imposição de sanções ou o envolvimento militar do seu país. Portanto, não é estranho que os níveis mais elevados de apoio tenham ocorrido na Europa, conforme mencionado acima. Contudo, entre os países onde a população contrária a qualquer tipo de acção ou interferência é maior estão a Hungria, Israel, Arábia Saudita e Turquia, o que não é propriamente uma representação típica do anti-imperialismo do Sul global.

Embora estas sondagens a milhares de pessoas de países cujas populações ascendem a milhões devam ser encarados com cautela, na ausência de melhores dados podemos dizer provisoriamente que nenhuma delas sugere a existência de uma corrente de apoio à Rússia ou à sua invasão no Sul global, mas antes o contrário. E isto apesar da tendência de a opinião pública ser definida pelas elites. O facto de as maiorias inquiridas parecerem simpatizar mais com a Ucrânia do que com os seus governos sugere um ponto de vista consciente entre muitas pessoas no Sul global. Mais uma vez, uma objecção razoável é que é provável que milhões de pessoas desesperadamente preocupadas com a sobrevivência quotidiana não tenham opinião sobre uma guerra europeia, mas isto desmente ainda mais a ideia de que esses governos refletem opiniões dominantes entre as suas populações.

a natureza subimperial dos Estados relativamente poderosos que lideram a abstenção ou, em qualquer caso, uma facção ambivalente, cujos actos refletem o seu posicionamento geopolítico entre o imperialismo americano, europeu, russo e chinês, e que aproveitaram a crise deste conflito global para reforçar a sua posição na mesa de negociações

É por isso que volto a uma explicação que não se baseia na não identificação das elites governantes opressoras com as suas populações, mas nos interesses dessas mesmas elites: a natureza subimperial dos Estados relativamente poderosos que lideram a abstenção ou, em qualquer caso, uma facção ambivalente, cujos actos refletem o seu posicionamento geopolítico entre o imperialismo americano, europeu, russo e chinês, e que aproveitaram a crise deste conflito global para reforçar a sua posição na mesa de negociações.

Embora esta não seja de forma alguma a última palavra sobre as causas da neutralidade efetiva ou da orientação pró-Rússia de várias classes dominantes e governos no Sul global, baseia-se mais na realidade empírica do que na narrativa segundo a qual estes governos não fazem mais que refletir uma consciência popular anticolonial, que se traduz no apoio a um projeto branco, europeu e colonial (a conquista imperial russa).

Os BRICS estão em processo de expansão, com vários países – Argélia, Argentina, Bangladesh, Egipto, Etiópia, Indonésia, Irão, México, Nigéria, Turquia, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos – interessados em aderir. Alguns destes pedidos foram discutidos na cimeira realizada em Joanesburgo. Embora não existam critérios formais de adesão, parece que este bloco pretende abranger países com grandes populações ou economias poderosas como regra, para se tornar uma alternativa ao domínio da economia mundial pelo G7 (as sete economias mais ricas do mundo).

O Banco de Desenvolvimento dos BRICS é visto como uma alternativa ao Fundo Monetário Internacional e ao Banco Mundial, ambos dominados pelo Ocidente, e centra-se na concessão de créditos para a construção de infraestruturas. Alguns países não pertencentes aos BRICS, como o Egito e os Emirados Árabes Unidos, já adquiriram ações do banco. Os Estados membros dos BRICS estão agora a tentar minar o domínio do dólar através do comércio com outras moedas que não o dólar. Não está claro se isto irá funcionar, mas reduzir o domínio global de um conjunto de países e instituições é um objectivo desejável.

Embora não existam critérios formais de adesão, parece que este bloco pretende abranger países com grandes populações ou economias poderosas como regra, para se tornar uma alternativa ao domínio da economia mundial pelo G7

No entanto, é um erro confundir isto com a ideia de que as elites dominantes dos países subimperiais dos BRICS representam a totalidade do Sul global, muito menos os seus milhares de milhões de habitantes. Como tal, os BRICS representam uma faixa situada entre o G7 e o resto do Sul global e têm os seus próprios interesses, que podem entrar em conflito entre si. Na verdade, a ascensão da China é muito mais espetacular do que a de qualquer outro país membro dos BRICS, ao ponto de ameaçar transformar os BRICS num clube de apoio a uma nova potência mundial. Por outro lado, o repúdio da Rússia ao acordo sobre os cereais ucranianos e os seus ataques aos portos ucranianos representam uma séria ameaça ao bem-estar de milhões de pessoas no Sul global que dependem das exportações de alimentos ucranianos.

Tudo isto reforça o argumento de que as posições neutras ou ambivalentes dos países BRICS (e outros grandes países semelhantes) em relação à guerra da Rússia contra a Ucrânia representam os interesses das próprias elites poderosas emergentes e não os dos milhares de milhões de pessoas do Sul global.

Artigo de Michael Karadjis, professor de ciências sociais e desenvolvimento internacional na Western Sydney University da Austrália, publicado em New Lines Magazine. Traduzido para espanhol por viento sur e para português de Portugal por Carlos Santos.

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