Perguntas e respostas sobre a guerra que estava esquecida em Donbass

A atenção mediática mundial virou-se para o bombardeamento de um jardim de infância no leste da Ucrânia. Mas a região está em guerra há oito anos. Alberto Sicilia esclarece o que está em disputa neste conflito.

19 de fevereiro 2022 - 9:42
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Jardim de infância bombardeado esta quinta-feira. Foto de EPA/JOINT FORCES OPERATION PRESS SERVICE/Lusa.
Jardim de infância bombardeado esta quinta-feira. Foto de EPA/JOINT FORCES OPERATION PRESS SERVICE/Lusa.

Esta quinta-feira, um obus de artilharia atingiu um jardim de infância numa povoação na região de Luhansk, no leste da Ucrânia. Três pessoas ficaram feridas ligeiramente. O governo da Ucrânia acusou as forças separatistas do Donbass pelo ataque. Estas responderam no seu canal oficial do Telegram que o exército ucraniano foi o culpado por ter atacado o território que controlam.

O leste da Ucrânia está em guerra há oito anos

A atenção de todos os meios de informação do mundo tem estado centrada por estes dias na Ucrânia. Por isso, este ataque teve tanta repercussão. Mas a realidade é que a zona de Donbass está em guerra permanente há oito anos, houve vários milhares de mortes e mais de um milhão de refugiados internos.

Porque há uma guerra no leste da Ucrânia?

No ano de 2014, algumas semanas depois dos protestos de Kiev que culminaram com o governo de Yanukovich a fugir do país e com a anexação russa da Crimeia, duas regiões do leste da Ucrânia proclamaram-se independentes do país.

A República Popular de Donetsk e a República Popular de Luhansk contam com o apoio económico e o fornecimento de armas por parte de Moscovo.

Porque é que a Rússia não anexou estas regiões como o fez com a Crimeia?

A península da Crimeia tinha para a Rússia um valor simbólico e estratégico muito maior que o de Donbass.

A Rússia considerava que a Crimeia sempre tinha sido uma “parte histórica” da sua nação que nunca deveria ter sido transferida para a Ucrânia.

Para além disso, o porto de Sebastopol fica na Crimeia. É a base naval importante da Marinha Russa no Mar Negro (e, assim, a sua saída para o Mediterrâneo).

Então que quer a Rússia para estas duas regiões do Leste da Ucrânia?

O governo de Moscovo defende que Donetsk e Luhansk deveriam continuar a fazer parte da Ucrânia mas com um estatuto constitucional especial. Por exemplo, estas regiões deveriam ter poder de “veto” se alguma vez o governo de Kiev quiser integrar-se na Nato.

Quem está a ganhar esta guerra?

Nenhum dos dois lados. A frente apenas se deslocou quando o conflito estalou em 2014. O exército ucraniano de um lado e os milicianos do outro disparam artilharia que muitas vezes acaba por atingir edifícios onde vivem civis.

Através dos “Acordos de Minsk” negociaram-se 29 cessares-fogo que foram violados sucessivamente com acusações cruzadas sobre quem teve a culpa.

Porque esta guerra poderia desembocar num conflito de grande escala?

A guerra de Donbass continuou no esquecimento durante anos.

Mas agora a Rússia tem mais de 100.000 tropas na fronteira com a Ucrânia, vários governos ocidentais estão a enviar armas ao governo de Kiev e todos os meios de comunicação voltaram a estar interessados no que acontece na zona.

Nestas condições, qualquer desgraça como a que poderia ter acontecido esta quinta-feira no jardim de infância de Luhansk poda desencadear um conflito de grande escala.


Alberto Sicilia é doutorado em física teórica e jornalista freelancer que tem acompanhado a Grécia, a Ucrânia, o Egito, a Síria, Gaza e o Iraque.

Texto publicado originalmente no seu blogue Principia Marsupia. Traduzido para o Esquerda.net por Carlos Carujo.

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