Está aqui

Para o Zeca

Digo-to, também por ti, para que saibas que a tua força não se acabou quando te foste, e enquanto houver memória, haverá força para ir longe, bem longe, mesmo além de Taprobana. Por Camilo Mortágua.
Foto retirada da página de internet de Viriato teles.
Se lá no assento etéreo onde subiste
Memória desta vida se consente
Não esqueças quem insiste
Em de Ti se lembrar eternamente
 

Procuro-te. Hoje mais do que então, da tua absoluta e imprecisa presença retiro as alegrias gravadas na memória. Porém, por mais que me esforce, agora como então, não consigo vislumbrar com precisão a forma ou os traços da tua imaterial figura. Não tens limites, absoluto e infinito, pura luz, como sempre foste, mesmo quando a matéria do teu corpo vibrava de revolta contra as injustiças do Mundo.

Há momentos sensoriais em que julgo aperceber-te, esgueirando-te pelos labirintos intermináveis das “meias praias” dos infernos comuns, guitarra às costas e andar ondulado, com um certo ar de marítimo, que tanto nos fez rir, ao recordar a nossa comum condição de “cagaréus”.

Sabes…não tive oportunidade de te dizer, mentira…, oportunidade tive, o que não tive, foi a coragem de repetidamente te ver sofrer tanto, preparando a partida. Para conseguir controlar a emoção, e não manifestar ser tristeza a dor do momento, levei-te as filhas para de ti guardarem memória… possivelmente de nós.

Digo-to, também por ti, para que saibas que a tua força não se acabou quando te foste, e enquanto houver memória, haverá força para ir longe, bem longe, mesmo além de Taprobana.

Gostava, oh! se gostava, que tivesses presenciado a realização do teu maior anseio cultural e político - A ESQUERDA UNIDA GOVERNANDO ESTE PAÍS, - e a memória do teu exemplo como inspiração imortal dessa união. OS DOIS SABEMOS QUE FOI ESSE O SONHO QUE NOS FEZ UM-!

Foi esse o sonho que nos permitiu reconhecer-nos e colaborar confiadamente sem necessidade de confirmadas fidelidades restritivas ou mesquinhas..

Esse o sonho que sem explicitações verbais, soubemos ser comum e condicionador de tudo o que se ia fazendo sem regras nem estatutos pré definidos. O Sonho da LIBERDADE e da SOLIDARIEDADE geral, de gente igual por dentro e por fora, sem muros nem ameias, nem gavetas para as etiquetas ou capelas para os dogmas.

Este foi sempre o nosso tema preferido. Como ser cidadão inteiro, abraçando, sem temer, a contradição da necessidade natural da afirmação do indivíduo, com a exigência da força do colectivo, para afirmar e defender colectivamente cidadãos Submetidos!. Tínhamos tacitamente, sempre o esperei, agendado para uma outra fase, a continuidade das nossas inacabadas conversas sobre os comportamentos humanos, Eram conversas que aconteciam sem interrupção, esparsas no tempo e em diferentes lugares e contextos, mas sempre encadeadas pela vontade de chegar aos Outros, à Solidariedade com os outros.

Vê lá tu, que até as cadelas cá de casa, passaram, de geração em geração, a mensagem da necessidade de não ladrarem de noite, para não te incomodar, ignorantes da tua ausência.

Por estas pequenas e diferentes coisas dum quotidiano longínquo é que, sem aparente razão, fico por vezes parado, olhar fixo no voo saltitante dum pardal vadio, a pensar numa coisa que erradamente nunca verbalizei e hoje, sem consequências nem vergonha, se-me impõe!

Ao escutar uma ocasional canção de alguém que não sei quem seria, revelou-se em mim uma certeza!

Na mais pura e total acepção da palavra, continuas a ser “o meu amor de longe”, como de resto quase sempre assim foi, do dia do nosso reconhecimento até ao dia em que os ribeiros se calaram porque tu não voltavas a cantar, e alguém que não conhecemos decidiu, anti-democraticamente, que já era tempo de embalares a trouxa e zarpar!

Até sempre companheiro, por cá me aguento na firme esperança de te voltar a encontrar.

Camilo, Fevereiro de 2017


*Camilo Mortágua - Agente de desenvolvimento local. Histórico militante antifascista e revolucionário

Testemunho enviado ao Esquerda.net a 19 de fevereiro de 2017.

Sobre o/a autor(a)

Agente de desenvolvimento local. Histórico militante antifascista e revolucionário
(...)

Neste dossier:

Zeca Afonso: Sem muros nem ameias

Um homem comprometido com a luta pela Liberdade. Um homem bom e humilde, solidário, com um enorme sentido de humor. Um criador nato, um génio. É assim que o descrevem músicos, ex-alunos, jornalistas... os Amigos do Zeca Afonso com quem o Esquerda.net falou. Dossier organizado por Mariana Carneiro.

Zeca Afonso: A incessante tentativa de transformar o mundo

As letras das músicas de Zeca Afonso, os seus poemas, as declarações prestadas nas inúmeras entrevistas que concedeu ao longo da sua vida, todos os seus testemunhos, não só nos dão a conhecer um pouco mais o seu percurso, a sua forma de estar na vida, a sua incessante tentativa de transformar o mundo, como também retratam a intemporalidade do seu contributo.

José Afonso: O Homem, o Professor, o Companheiro, o Amigo

No dia da sua partida, ia apanhar o comboio, de regresso, mas, quando chegou à estação, tinha uma quantidade de gente – população e alunos – a querer despedir-se do professor e do homem. Por Francisco Naia.

Com o Zeca Afonso aprendi a estar no palco e na música de modo diferente

O palco como espaço de partilha, não só entre músicos mas com o público; máximo rigor na prestação musical, inovação constante rejeitando «importações» alienantes preservando a nossa identidade, sempre valorizando a palavra. Por Janita Salomé.

Zeca Afonso em vídeo

Neste artigo, poderá aceder, entre outros, ao vídeo do concerto do Zeca Afonso no coliseu, em Lisboa, em 1983, a entrevistas concedidas pelo próprio à RTP e a uma televisão espanhola, assim como a um testemunho de Mário Viegas sobre o Zeca e a alguns tributos que lhe foram prestados após a sua morte.

Zeca Afonso, a força das palavras

O Esquerda.net relembra o grande artista e ativista e reproduz uma entrevista na qual Zeca fala sobre a necessidade de os jovens se oporem a um modelo de sociedade que é “teleguiado de longe por qualquer FMI, por qualquer deus banqueiro”.

“Quando eu cantava o fado na rua não nos livrávamos da polícia”

O esquerda.net republica a entrevista de Maria Eduarda a Zeca Afonso publicada na edição nº145 de 9 de dezembro de 1981 do jornal “em marcha”.

Zeca Afonso era de uma grande coragem física e intelectual

Questionado pelo Esquerda.net sobre qual é a grande herança do Zeca Afonso, Carlos Guerreiro responde: “Era um gajo muito bom. Era farol mas também era regaço, era riso mas também era profundidade intelectual. Era o Zeca, pá! Era um homem bom e humilde”.

O que aprendi de mais importante com o Zeca tem a ver com uma postura em relação ao mundo

No testemunho recolhido pelo Esquerda.net, o cantor Manuel Freire recorda a primeira vez que cantou com o Zeca e lembra o amigo como “um fulano normal que era um grande intérprete e um grande criador”.

Zeca Afonso foi estruturalmente um homem de cultura

Em conversa com o Esquerda.net, o arquiteto José Veloso fala sobre o seu convívio com Zeca Afonso aquando da participação de ambos no documentário do realizador de cinema Cunha Telles “Os Índios da Meia Praia”.

Zeca Afonso: Grande admiração pela juventude

Júlio Pereira recorda o seu melhor amigo, e como era fundamental para a sua criatividade estar rodeado de jovens e de coisas novas. O músico assinala ainda a forma como Zeca Afonso sente de uma maneira catastrófica a falência do 25 de Abril.

O Zeca era um inovador nato

Em conversa com o Esquerda.net, Sérgio Godinho afirma que a importância de Zeca Afonso "passa também por ele ser tão inovador, tão inventivo na maneira como compunha e tão surpreendente”. O músico deixa um conselho: “Ouçam o Zeca, vale a pena!”

Que viva o Zeca

De tanto se falar em José Afonso, o artista, por vezes corremos o risco de esquecer o Zeca, o ser inteiro. Por Viriato Teles.

Zeca Afonso: Um homem comprometido que fez da sua arte uma luta

Em entrevista ao Esquerda.net, Rui Pato fala sobre o seu companheiro de música e de estrada: “é um símbolo da liberdade e da luta pela liberdade. Sobre o ponto de vista musical, ele é que atirou a pedrada ao charco. Há música portuguesa antes do Zeca Afonso e depois do Zeca Afonso”.

Zeca Afonso: Instantes de vida

Com o Zeca, companheiro-intérprete de uma geração, aprendíamos as canções pilares de resistência, de esperança. Nas palavras certas para dizer revoltas e sonhos cabiam revolucionários, pacifistas… e todos os homens de boa vontade. Por Maria Antonieta Garcia.

Zeca Afonso: Um grande amigo e um homem extraordinário

Luís Cília refere a grande amizade que o une a Zeca Afonso. A enorme qualidade do seu trabalho “deixa grandes marcas na cultura portuguesa”, assinala o compositor e intérprete no testemunho que deu ao Esquerda.net.

Ação ou Acção ou há são

Sempre gostei de agir atuar e falar tal cumo Zeca escrevia cantava tocava atuava agia na clandestinidade depois no sucesso daí nossa amizade simples”. Por José Duarte.

Encontrei no Zeca Afonso um dos melhores seres humanos que alguma vez conheci

Num testemunho enviado ao Esquerda.net, Jorge Palma afirma que “quanto ao seu trabalho enquanto criador, a sua voz clara e sincera, o seu constante combate pela Liberdade, só temos de lhe ficar eternamente gratos e seguir o seu exemplo”.

Vejo sobretudo o Zeca como um músico e um poeta extraordinário

Em declarações ao Esquerda.net, Joaquim Vieira sinalizou que, enquanto músico, Zeca Afonso “reunia três qualidades: a poesia, a música e a voz”. “Nessa medida foi insuperável, ninguém chegou ao nível dele”, destaca o jornalista.

Zeca Afonso: As suas aulas eram absolutamente revolucionárias

Hélida Carvalho foi aluna de Zeca Afonso no Liceu Nacional de Setúbal durante cerca de dois meses, até o seu professor de Organização Política ser preso pela PIDE. Ao Esquerda.net descreve o primeiro contacto com a “ave rara”.

O Zeca passou a vida a dar-me conselhos

O encenador e diretor artístico Hélder Costa conheceu Zeca Afonso em Coimbra, na República do Prá-Kis-Tão. Já o último encontro teve lugar em Azeitão: foi “num dia absolutamente tétrico”, aquando da eleição de Cavaco Silva com maioria absoluta.

José Afonso, um cantor de valores

A maior herança que nos deixa é a sua obra, em musicalidade e conteúdo, que se revaloriza e se renova dia a dia pelos diferentes grupos e cantoras/es que continuam a beber da sua fonte, que parece inesgotável. Tem grande impacto e influência na Galiza. Por Francisco Peña (Xico de Carinho).

Fazemos da saudade e da memória do Zeca Afonso uma arma

Francisco Fanhais fala-nos da sua cumplicidade com o Zeca Afonso, dos vários momentos em que partilharam o palco, da gravação do álbum “Cantigas do Maio”, dos tempos do PREC, da participação nas campanhas de dinamização cultural do MFA.

Zeca Afonso: Ode à alegria

No caso do Zeca Afonso nunca resultaram os guetos de silêncio a que tentaram condená-lo, desde antes de Abril, quando a censura cortava o seu nome, impondo-lhe a morte do silêncio, tão pouco com os silêncios de matriz "democrático" por via da incomodidade do seu canto insurrecto. Por Fernando Paulouro Neves.

Para o Zeca

Digo-to, também por ti, para que saibas que a tua força não se acabou quando te foste, e enquanto houver memória, haverá força para ir longe, bem longe, mesmo além de Taprobana. Por Camilo Mortágua.

Sobre o Zeca Afonso

O que nos unia? Sei que nunca por nunca tentámos “converter-nos” um ao outro a opções religiosas ou ideológicas; tínhamos em comum o ideal que Mário Sacramento sintetizou naquela recomendação lapidar: “Por favor, façam que o mundo seja bom”. Por António Correia.

AJA celebra 30 anos a evocar a Obra e o exemplo de cidadão de José Afonso

Em declarações ao Esquerda.net, o presidente da direção da Associação José Afonso (AJA), Francisco Fanhais, afirma que a AJA tem como objetivo “dar continuidade ao legado do Zeca, preservar a sua memória e pôr a sua arte ao serviço da cidadania”.