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O ACTA é uma ameaça à liberdade de expressão e à democracia

O ACTA está em completa conformidade com o Direito Comunitário? Por que estão os parlamentos nacionais e o Parlamento Europeu a votar o ACTA – não foi já assinada, não está o processo terminado? FAQ elaborada pela organização Direitos Digitais Europeus – EDRI.
Manifestação em Lisboa contra o ACTA. Foto de Paulete Matos

O ACTA requer que os países imponham a regra dos “três avisos”?

Os países que ratifiquem o ACTA necessitam apoiar a “cooperação” entre empresas privadas para cumprir a lei. Tal cooperação deve ser extensiva, incluindo a possibilidade de desligar a internet a utilizadores, com base em decisões tomadas pela indústria privada. Isto é provado por um documento publicado pelo próprio Parlamento Europeu (nota de rodapé 6, página 4):

“Um exemplo de tal política é proceder, perante as circunstâncias apropriadas, à terminação de contas e assinaturas nos servidores do sistema ou rede dos infractores reincidentes.”

http://www.edri.org/files/acta_disconnection.pdf

Então as empresas não são obrigadas a impor medidas repressivas contra os consumidores?

As empresas são ameaçadas com sanções criminais se obtiverem benefícios económicos “indiretos” da infração e/ou se for considerado que “ajudaram e incitaram” a um ou mais a infringir (possivelmente como resultado de não tomada de medidas repressivas, por exemplo).

Mas a ACTA está em completa conformidade com o Direito Comunitário existente?

As sanções criminais por violações de direitos de propriedade intelectual (DPI) não são parte do Direito Comunitário – de facto, a única proposta apresentada não foi aprovada. Mais, as penas criminais no ACTA vão além do que foi discutido na proposta rejeitada. Por exemplo, o Parlamento Europeu exigiu que houvesse exceções para a cópia privada e o “uso justo” para certas atividades como a crítica, comentário, notícias, ensino e investigação. Existem muitos outros pontos em que a conformidade com a lei da União é dúbia – por exemplo, o valor quase ilimitado que pode ser imposto através do ACTA baseado no preço de venda, em vez do dano realmente causado.

Contudo, é bom para “nivelar o campo de jogo” na implementação da lei dos direitos de propriedade intelectual?

O ACTA procura exportar partes da lei comunitária, assumindo inexplicavelmente que terá o mesmo impacto noutros lugares, em ambientes legais diferentes. Por exemplo, o ACTA requer uma transmissão extensiva dos dados pessoais dos consumidores para os detentores dos direitos, e o policiamento “voluntário” indefinido pelas mesmas entidades. Dentro da UE, a Diretiva da Privacidade Eletrónica e a Diretiva da Proteção de Dados criam um contexto que permite algum grau de proteção. Criar perigos sem salvaguardas significativas é um risco para a Democracia e o Estado de Direito para cidadãos dos países parceiros nas trocas comerciais onde tais salvaguardas não existem ou são muito limitadas. Isto vai contra o Tratado da União Europei,a o qual requer que a UE apoie a democracia e o Estado de Direito nas relações internacionais. Não podemos violar uma lei para implantar outra.

Ao menos onde estamos a impor a nossa lei a nós próprios não há perigo, certo?

Muitas das disposições (acesso aos dados pessoais, por exemplo) no ACTA têm origem na Diretiva da Execução da Propriedade Intelectual (DEPI). Estas disposições causaram sérios problemas em alguns países europeus – no Reino Unido onde os dados foram usados para coagir e, de acordo com um dos membros da Câmara dos Lordes, “chantagear” consumidores. Uma vez postas no ACTA, a UE estará sob a obrigação legal internacional de não mudá-las. O início da revisão da Comissão Europeia do processo está marcada para depois de o ACTA ser adotado pelo Parlamento – isto é, a UE decidirá se quer fazer mudanças substanciais à DEPI antes de avaliar o seu impacto.

Numa altura de crise económica, com certeza que é bom promover o crescimento económico através de um acordo comercial.

O estudo independente do ACTA levado a cabo pelo PE conclui que “há um ponto em que reforçar os DPI torna-se contraproducente e pode, de facto, dificultar a inovação”. A Comissão recusou avaliar o impacto, portanto, não existe nenhuma análise sobre se as medidas alargadas incluídas no ACTA que são, nas palavras do estudo, “contraproducentes”.

Da mesma forma, o ACTA “encoraja” o policiamento das redes por intermediários (fornecedores de serviços, servidores, serviços de pagamento, motores de busca, redes de publicidade, etc.). Não há nenhuma análise que avalie o perigo real de que esta atividade de policiamento seja usada para manter as empresas europeias fora de mercados estrangeiros. Pior, como estas são medidas “voluntárias” extra-legais, seria particularmente difícil encontrar uma norma da Organização Mundial do Comércio (OMC) para combater tal protecionismo.

Deve ser bom estabelecer um marco para o mundo seguir.

O problema está na natureza fechada e secreta das negociações do ACTA, as quais evitaram deliberadamente fóruns multilaterais e criaram um diplomacia contraproducente. O estudo do PE diz que “as maiores economias emergentes, a China, o Brasil e a Índia aparentemente não foram convidadas a participar,” possibilitando à Índia liderar a causa dos países menos desenvolvidos no Conselho TRIPS onde se queixou da “exclusão da maioria dos países, incluindo aqueles em desenvolvimento e os menos desenvolvidos.”

Num mundo globalizado, pelos menos o ACTA ajudará os negócios online europeus, certo?

O ACTA requer que os Estados-partes apoiem a execução da lei por parte de companhias privadas. Várias vezes, estas estarão noutros países, com regimes de copyright e graus de responsabilização diferentes. A qualquer momento, portanto, as empresas online estarão em risco de ver os seus serviços removidos dos motores de busca, pagamentos bloqueados pelos servidores, os seus domínios removido pela companhia à qual pagaram para se registarem, a companhia que mantém o registo de domínios ou redes de publicidade – ou serem bloqueados pelos fornecedores de Internet, procurando proteger os seus interesses da concorrência.

Isto é tudo um exagero – não existe qualquer ameaça à liberdade de expressão e à democracia, pois não?

Um deputado conservador do parlamento alemão pôs, sem intenção, uma imagem protegida no seu website. Várias visitas levaram a sua página a uma reprodução de “escala comercial” da imagem. Ele conseguiu uma vantagem “económica indireta” ao não pagar por essa imagem e o seu fornecedor de serviço “ajudou e encorajou” a “violação” ao não tomar medidas contra a sua ação “ofensiva”. Ele ou o seu fornecedor são criminosos? De acordo com o ACTA, são. Isto é uma ameaça à liberdade de expressão e à democracia.

Por que estão os parlamentos nacionais e o PE a votar o ACTA – já não foi assinada, não está o processo terminado?

O ACTA recai parcialmente fora do âmbito do Direito Comunitário (o chamado acquis communautaire). A parte de fora (as sanções criminais) precisa ser aprovada por cada Estado-Membro. A parte que está no âmbito pode ser decidida e ratificada ao nível comunitário. A UE só pode aceitar ou rejeitar o texto – embora nada impeça de estabelecer diretivas internas sobre como proceder à implementação na prática.

Assinar um acordo internacional não é como assinar um contrato – simplesmente dá início ao processo de decisão dentro de um governo.

1 de Fevereiro de 2012

http://edri.org/edrigram/number10.2/faq-acta

Tradução de Sofia Gomes para o Esquerda.net

(...)

Neste dossier:

O ACTA ameaça a net

Um acordo internacional negociado sigilosamente, que parecia abordar temas como o combate aos produtos falsificados, mas que afinal se revela um atentado à liberdade na Internet, instaurando "um big brother orwelliano gerido por empresas privadas". Eis o ACTA, assinado por 31 países, mas que pode ainda ser barrado, porque nenhum Estado o ratificou. Dossier coordenado por Luis Leiria.

A Internet após o fim do Megaupload

O desligamento do site de partilha de ficheiros Megaupload desencadeou uma torrente de reações. O problema não foi a perda do site mas sim a brutalidade do procedimento dos EUA, a sua base jurídica e os problemas que este encerramento coloca em termos de partilha de obras culturais na Web. Por Andrea Fradin e Guillaume Ledit, Owni

ACTA, a nova ameaça contra a Internet livre

Radiografia de um acordo internacional: objetivos, métodos antidemocráticos, estratégia. Por que é arriscado menosprezá-lo. Como ele copia a China e o Irão. Por Alexander Furnas, The Atlantic

Ainda vamos a tempo de travar o ACTA

A deputada europeia Marisa Matias, explica como a mobilização internacional ainda pode travar a entrada em vigor na Europa do Acordo Comercial Anticontrafação, que ameaça a privacidade na internet.

"ACTA é atentado à liberdade e à democracia"

PSD e CDS chumbaram o voto proposto pelo Bloco de Esquerda, que repudiava a forma como o Governo assinou o ACTA, um acordo negociado em segredo e que institui "um big brother orwelliano gerido por empresas privadas". Apenas cinco deputados do PS contrariaram a abstenção da restante bancada.

Perguntas e respostas sobre a partilha de ficheiros na Internet

Quem nunca ouviu um CD emprestado, viu um DVD de um amigo, recorreu a uma biblioteca? A partilha de bens culturais sempre existiu. Na era digital, tem especificidades próprias, mas é falso que a cópia de um ficheiro não autorizado seja um 'roubo'.

A partilha e o roubo

A equivalência entre partilha e roubo é um dos maiores embustes dos tempos modernos.

Bloco apresentou proposta para defender privacidade e proteção de dados

O Governo Português assinou esta semana o ACTA. Em Novembro de 2010, Marisa Matias foi signatária de uma importante resolução sobre o ACTA que dividiu o plenário e que acabou rejeitada por uma margem mínima no Parlamento Europeu. Em Junho próximo, o Bloco votará contra o Acordo Comercial Anticontrafação no PE.

ACTA: A revolta cresce

Os Estados Unidos assinaram o ACTA em outubro, assim como a Austrália, o Canadá, a Coreia do Sul e o Japão. A 26 de Janeiro, 22 países europeus e a Comissão Europeia assinaram-no igualmente. Entraria em vigor depois de seis Estados signatários o terem ratificado. Nenhum o fez até à data.

SOPA: Anti-pirataria ou censura?

A Democracy Now pôs frente a frente Jimmy Wales, da Wikipedia, com Sandra Aistars da Copyright Alliance, dias depois do enorme protesto online que provocou uma reviravolta no apoio aos projetos de lei SOPA (Stop Online Piracy Act – Lei de Combate à Pirataria Online) e PIPA (Protect Intelectual Property Act).

Quais são os prejuízos reais da “pirataria” para a economia dos EUA?

Como disse Mark Twain, há três espécies de mentiras: mentiras, mentiras danadas, e estatística. A estatística pode ser especialmente enganadora quando é usada para avaliar os efeitos da pirataria digital. Por Kal Raustiala e Chris Sprigman do site Freakonomics.

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