Neste momento, o comboio da recessão já saiu da estação; o comboio da crise financeira e bancária saiu da estação. A ilusão de que a contracção dos EUA e das economias avançadas seria curta e superficial foi substituída pela certeza de que será longa e prolongada.
Por Nouriel Roubini, RGE monitor
O sistema financeiro dos EUA e das economias avançadas caminha agora para um desastre financeiro sistémico a curto prazo, já que a cada dia as bolsas de valores entram em queda livre, os mercados financeiros estão paralisados e os seus spreads subiram às alturas, e os spreads do crédito estão ao nível do telhado. Já está a ocorrer o início de uma corrida generalizada ao sistema bancário destas economias; um colapso do sistema bancário-sombra, isto é, os não-bancos (corretores, empresas de crédito de hipotecas não-bancárias, SIV - structured investment vehicle -, fundos de risco, fundos de mercado financeiro, empresas de património privado) que, como os bancos, tomam emprestado a curto prazo e líquido, são altamente alavancados e emprestam e investem a longo prazo e sem liquidez, estão assim em risco de verem esgotadas as suas obrigações de curto prazo; e agora uma saída das obrigações de curto prazo dos sectores empresariais que pode conduzir a falências generalizadas de firmas financeiras e não-financeiras solventes, mas com falta de liquidez.
No lado da economia real, todas as economias avançadas que representam 55% do PNB global (EUA, Eurozona, Reino Unido, outros pequenos países europeus, Canadá, Japão, Austrália, Nova Zelândia) entraram em recessão ainda antes dos choques financeiros maciços que começaram no último Verão e tornaram a crise de crédito e de liquidez ainda mais virulentas, e vão assim causar uma ainda mais severa recessão do que a que começou na Primavera. Temos assim uma recessão severa, uma crise financeira severa e uma crise bancária severa nas economias avançadas.
Não houve um desemparelhamento entre as economias avançadas, e não há desemparelhamento mas sim uma reconexão das economias do mercado emergente com a severa crise das economias avançadas. No terceiro quarto deste ano, o crescimento económico global será negativo, assinalando uma recessão global. A reconexão dos mercados emergentes foi de início limitada às bolsas de valores, que caíram mesmo mais que as das economias avançadas, à medida em que os investidores estrangeiros saíam desses mercados; mas depois espalhou-se aos mercados financeiros e de crédito, trazendo à superfície as vulnerabilidades de muitos sistemas financeiros e de sectores empresariais que tinham experimentado booms de crédito e que tinham tomado emprestado a curto prazo e em moedas estrangeiras. Países com grandes défices de transacções correntes e/ou grandes défices fiscais e com muitas obrigações e empréstimos de curto prazo em moeda estrangeira foram os mais frágeis. Mas mesmo os de maiores performances - como o clube BRIC do Brasil, Rússia, Índia e China - estão agora em risco de uma aterragem dura. Os canais de comércio, financeiro, moeda e confiança estão a caminhar para uma desaceleração maciça do crescimento nos mercados emergentes, com muitos deles a correr o risco não só de uma recessão mas também de uma crise financeira severa.
A crise foi causada pela maior bolha de activos alavancados e a maior bolha de crédito na história da humanidade, onde a excessiva alavancagem e as bolhas não se limitaram ao imobiliário nos EUA, mas também ao imobiliário em muitos outros países e à excessiva tomada de empréstimos por instituições financeiras e alguns segmentos do sector empresarial e do sector público em muitas e diferentes economias: uma bolha do imobiliário, uma bolha hipotecária, uma bolha de capital, uma bolha de títulos, uma bolha de crédito, uma bolha de matérias-primas, uma bolha de fundos de risco, todas elas a estourar ao mesmo tempo, na maior desalavancagem do sector real e do sector financeiro desde a Grande Depressão.
Neste momento, o comboio da recessão já saiu da estação; o comboio da crise financeira e bancária também saiu da estação. A ilusão de que a contracção dos EUA e das economias avançadas seria curta e superficial - uma recessão de seis meses em forma de V - foi substituída pela certeza de que será uma longa e prolongada recessão em forma de U, que pode durar pelo menos dois anos nos EUA e perto de dois anos na maioria do resto do mundo. E, dados os riscos crescentes de um desastre financeiro sistémico global, a probabilidade de que o resultado possa ser uma década de recessão em forma de longo L - como a que viveu o Japão depois do estouro da sua bolha de imobiliário e de património líquido - não pode ser descartada.
E num mundo onde há saturação e excesso de capacidade de produzir bens, ao mesmo tempo em que a procura agregada está a cair rapidamente, vamos começar a preocupar-nos com a deflação, a deflação da dívida, e com o que os condutores da política monetária deveriam fazer para combater a deflação quando os índices chegam perigosamente próximos ao zero.
Neste ponto, o risco de um choque iminente da bolsa de valores - como o colapso de mais de 20% num só dia dos preços das acções dos EUA em 1987 - não pode ser descartado à medida em que o sistema financeiro entra em colapso, o pânico e a falta de confiança em quaisquer terceiros está a aumentar fortemente e os investidores perderam totalmente a fé na capacidade das autoridades políticas de controlar o desastre.
Esta separação entre acções políticas mais e mais agressivas e as maiores tensões sobre o mercado financeiro é assustadora. Quando os credores do Bear Stern foram salvos com o considerável custo de 30 mil milhões de dólares em Março, a recuperação do mercado financeiro durou oito semanas; quando em Julho o Tesouro dos EUA anunciou legislação para resgatar os gigantes do crédito hipotecário Fannie e Freddie, a recuperação durou quatro semanas; quando o resgate real de 200 mil milhões de dólares destas firmas foi concretizado, e os seus 6 biliões (milhões de milhões, ou trillions) de património líquido foram assumidos pelo governo dos Estados Unidos, a recuperação durou um dia, e, no dia seguinte, o pânico levou o Lehman ao colapso; quando a AIG foi resgatada ao custo de 85 mil milhões de dólares, o mercado nem sequer recuperou um dia, em vez disso caiu 5%. Em seguida, quando o plano de resgate de 700 mil milhões de dólares foi aprovado pelo Senado e pela Câmara de Representantes, os mercados caíram outros 7% em dois dias, porque não havia confiança neste plano falho e nas autoridades. Em seguida, as autoridades nos EUA e no exterior adoptaram acções políticas ainda mais radicais entre 6 de Outubro e 9 de Outubro (pagamento de juros sobre as reservas, duplicando o apoio de liquidez aos bancos, extensão do crédito ao sector de grandes empresas, garantias aos depósitos bancários, planos de recapitalizar os bancos, política monetária coordenada, etc.), as bolsas de valores e os mercados de crédito e de dinheiro caíram mais e mais, e dia após dia, durante toda a semana, incluindo uma queda de 7% nos EUA no dia 9.
Quando os mercados estão claramente no caminho da venda excessiva, e mesmo as mais radicais acções políticas não trazem recuperação ou alívio aos participantes do mercado, sabemos que estamos a um passo de um crack de mercado e de um colapso dos sectores financeiro e empresarial. Um círculo vicioso de desalavancagem, colapsos de activos, quedas em cascata dos preços dos activos muito abaixo dos fundamentos, e o pânico já estão a caminho.
Neste ponto, já foram feitos danos severos e não se pode descartar um colapso sistémico e uma depressão global. Vai ser necessária uma mudança significativa de liderança da política económica e acções políticas coordenadas muito radicais, entre todas as economias avançadas e de mercados emergentes para evitar este desastre económico e financeiro. Medidas necessárias, urgentes e imediatas, que precisam ser tomadas globalmente (com algumas variantes em diversos países, de acordo com a severidade do problema e os recursos globais disponíveis aos governos) incluem:
- Outra rodada rápida de cortes de taxas de juros na ordem de pelo menos 150 pontos base, em média, globalmente;
- Uma garantia temporária de todos os depósitos, enquanto se faz uma triagem entre instituições insolventes que precisam de ser fechadas e instituições combalidas mas solventes que precisam ser parcialmente nacionalizadas com injecções de capital público;
- Uma redução rápida dos encargos da dívida das famílias insolventes, através de um congelamento temporário de todas as execuções de hipotecas;
- Fornecimento maciço e ilimitado de liquidez às instituições financeiras solventes;
- Provisão pública de crédito às partes solventes do sector empresarial para evitar uma crise de refinanciamento de dívida de curto prazo das empresas e das pequenas empresas solventes mas sem liquidez;
- Planos de estímulo fiscal maciço do governo que incluam obras públicas, gastos em infra-estruturas, benefícios aos desempregados, redução de impostos às famílias de baixos rendimentos e fornecimento de fundos aos governos locais e estados carentes;
- Resolução rápida dos problemas bancários através de uma triagem, da recapitalização das instituições financeiras e da redução dos encargos da dívida de famílias e tomadores de empréstimo em dificuldades;
- Um acordo entre países credores que têm superavits de conta corrente e países devedores com défices de conta corrente para manter um financiamento ordenado dos défices e uma reciclagem dos superavits dos credores, para evitar um ajuste desordenado destes desequilíbrios.
Neste momento, qualquer coisa que fique aquém destas acções radicais e coordenadas pode conduzir a um crack de mercado, a um desastre financeiro sistémico global e à depressão global. Neste estágio, os bancos centrais que normalmente são supostos ser "emprestadores de último recurso" precisam tornar-se "emprestadores de primeira e única instância" já que, nas condições de pânico e de total falta de confiança, ninguém no sector privado está a emprestar a ninguém, já que o risco é extremo. E as autoridades fiscais que normalmente gastam e seguram em última necessidade, precisam de fazê-lo temporariamente em primeira instância. Os custos fiscais desta acção serão grandes, mas os custos fiscais e económicos da inacção seriam de muito maior e mais severa magnitude. Assim, o momento de agir é agora, já que todos os responsáveis do mundo estão reunidos este fim-de-semana em Washington e o FMI e o Banco Mundial fazem reuniões anuais.
Actualização de dia 9 de Outubro à noite: Poucas horas depois de ter escrito esta nota, o crash de mercado, de cujos perigos adverti, está em curso na Ásia: o índice Nikkei do Japão está a cair 11% e todos os outros mercados asiáticos estão a cair fortemente. Isto reforça a urgência de acções políticas credíveis e rápidas das autoridades financeiras do G7 que se reúnem dentro de horas em Washington, e a necessidade de envolver também nesta coordenação política global as economias emergentes sistemicamente importantes.
9/10/2008. Tradução de Luis Leiria
Mundo enfrenta risco severo de desastre financeiro e de depressão global
10 de outubro 2008 - 0:00
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