Hungria: a tentação da teocracia neoliberal

O poder político húngaro esforça-se por instaurar um regime teocrático – a ordem social deveria ser, aos seus olhos, uma ordem moral judaico-cristã fundamentalista – que mistura nacionalismo, autoritarismo e neoliberalismo. Por Attila Jakab.

05 de fevereiro 2012 - 0:12
PARTILHAR

A chegada ao poder, em Abril de 2010, do primeiro-ministro Viktor Orbán, profundamente convencido de ser um homem providencial encarregado de uma missão divina, empurra a Hungria para um regime autoritário.

O poder político húngaro esforça-se por instaurar um regime teocrático – a ordem social deveria ser, aos seus olhos, uma ordem moral judaico-cristã fundamentalista – que mistura nacionalismo, autoritarismo e neoliberalismo. As palavras de ordem são a lealdade política incondicional, bem como a obediência e o respeito absoluto pela autoridade. O maniqueísmo do governo – e da direita húngara – baseia-se num dualismo demarcado, opondo de modo acentuado os amigos e os inimigos, bem como o bem e o mal. Este maniqueísmo é fortemente influenciado pelo pensamento do filósofo Carl Schmitt, o ideólogo por excelência do Estado totalitário moderno, para quem a moral não tem nenhuma ligação com a política, nem com o direito.

Os grandes perdedores do regime Orbán, que favorece essencialmente as classes médias superiores e os ricos nomeadamente reduzindo os seus impostos, são os assalariados de fracos recursos. Enquanto assistimos à criminalização da pobreza, o governo efetua cortes drásticos nas despesas sociais e educativas. Assim, os desempregados beneficiarão apenas de três meses de subsídio de desemprego. Comparados aos preguiçosos e aos parasitas, terão que se desenrascar sozinhos. Os que procuram emprego, desaparecendo do sistema social, permitirão embelezar as estatísticas.

Para reforçar a escravidão e promover a flexibilidade dos trabalhadores, institucionalizou-se o despedimento abusivo (revogando a necessidade de justificação). Preconiza-se o não financiamento das ciências humanas nos estabelecimentos de ensino. Os encerramentos de escolas e reestruturações no ensino superior estão na ordem do dia. Reservar-se-à doravante o saber e a cultura para aqueles que tenham os meios de os pagar. Reduzir-se-ão assim as despesas sociais e os subsídios para a cultura. Além disso, este desprezo evidente do governo face ao social e à cultura é acompanhado de repressão policial e jurídica crescente.

As intrigas do governo húngaro são caracterizadas pela improvisação e ambiguidade. Para restaurar a confiança dos investidores, conduz uma política de austeridade mascarada por uma retórica nacional-religiosa (“a ressurreição da Hungria”) que encobre também o nepotismo e o desejo de enriquecimento pessoal daqueles que chegaram ao poder no ano passado.

É certo que neste contexto, as desigualdades sociais e as fraturas territoriais vão aumentar de maneira radical. Já quatro, das vinte regiões mais pobres da Europa, estão na Hungria. Nas aldeias de forte população cigana, a taxa de desemprego atinge entre 60 e 80%. As tensões socioétnicas podem mesmo transformar-se praticamente em intratáveis. Os motins não são de excluir. Tanto mais que aproximadamente 200 000 famílias estão à beira da falência, não tendo condições de pagar as suas faturas (água, eletricidade, gás, taxas e impostos) ou de pagar os empréstimos à banca. Dezenas de milhares de alojamentos estão sob ameaça de serem vendidos em hasta pública.

Nesta situação dramática, que dizem as igrejas católicas e protestantes? Nada! Permanecem silenciosas, pois esperam subsídios importantes do Estado, assim como o crescimento da sua influência nos domínios sociais e políticos. Reserva-se-lhes, com efeito, o papel de cães de guarda do regime, encarregados de atenuar e moralizar os descontentamentos sociais.

No fim de contas, a via seguida pelo governo húngaro visa, na realidade, a destruição e a reestruturação total do tecido social e institucional do país – em nome da nação e de um cristianismo ideológico redefinido como renascimento (rebirth) pessoal. Só pode desembocar numa explosão social. Assim sendo, uma desestabilização da região central da Europa não é de excluir. O que se passa na Hungria diz respeito a toda a Europa e é motivo para que a União Europeia não possa deixar que o primeiro-ministro Orbán faça o que quer, sem nada dizer e sobretudo sem exercer pressões. É a sua credibilidade que está em jogo.

Artigo de Attila Jakab, historiador, licenciado pela Faculdade de teologia católica de Estrasburgo. Publicado em Revue Relations

Tradução de Cristina Barros para esquerda.net

Termos relacionados: