Que temos, um dia, de “contar aos nossos pais”, coisa que nenhum heterossexual vê necessidade de fazer. Que ainda levamos porrada de taxistas por beijarmos alguém do mesmo sexo na cidade do Porto. Que ainda somos espancados na festa do Avante, quando apanhados em flagrante. Que ainda temos de enfrentar o olhar incrédulo do médico quando lhe contamos que somos homossexuais.
Tanto mais preferimos ignorar isto tudo, quanto mais leis aprovamos. Casamento, adoção, PMA, maternidade de substituição... Fizemos tudo isto, a muito custo, com muito suor. Porque raio havemos hoje, depois de tanto progresso, de falar ainda de homofobia?
Somos tão evoluídos, tão modernos, que achamos que já nem vale a pena falar muito de homossexualidade. Preferimos achar que se é só uma questão de orientação sexual, então somos todos iguais e não há lugar a tratamentos distintos. E ignoramos a realidade: que a infeção por VIH está a explodir entre os homens que têm sexo com homens; que não existe educação sexual dirigida aos nossos adolescentes gays; que o SNS não sabe lidar com nem resolver questões especificas nossas; que o psicólogo lá da escola não sabe responder às perguntais mais importantes quando temos 16 anos e descobrimos o que somos. Se nos custa tanto falar de homofobia, imagine-se então de transfobia.
E esta negação tem um objetivo: querem-nos iguais a todos os outros (vocês). Normalizados. Conformados. Calados e quietos. E impõem-nos aquilo que nós não somos nem queremos ser: gays e lésbicas respeitáveis, recatados, tímidos e discretos. Pois calem a homofobia, mas não calem a nossa essência: somos bichas, paneleiros, florzinhas, maricas, camionas, fressureiras, travecas, sapatonas, invertidas, rabetas.