O Fundo Soberano de Angola (FSDEA), lançado em Outubro passado com grande fanfarra, mereceu cobertura mediática global de órgãos internacionais como o New York Times, CNN e Euromoney.
Jornalistas nacionais e estrangeiros apinharam-se no novo e impressionante escritório do FSDEA, nas imediações da Sagrada Família, em Luanda, para admirar a escadaria em espiral de aço inoxidável e vidro, mobiliário laqueado e as paredes cobertas de papel de seda cru.
Os profissionais da comunicação social receberam, dos anfitriões, refinados pacotes de imprensa, com fotografias a preto e branco de crianças angolanas sorridentes. A informação contida nos referidos pacotes anunciava como o FSDEA mudaria o futuro de Angola, para melhor, e preservaria a grande riqueza de petróleo para usufruto das gerações futuras.
Após um esplêndido e bem regado almoço-buffet, os anfitriões mostraram um filme produzido por uma empresa sul-africana, que juntou imagens de cidadãos angolanos “comuns” a exprimir o quanto amam o seu país. Seguiu-se um discurso murmurante e a apresentação do fundo em powerpoint, pelo presidente do seu conselho de administração, Armando Manuel.
Na sessão de perguntas e respostas, Armando Manuel, que também é o secretário para os assuntos económicos do Presidente José Eduardo dos Santos, admitiu que o FSDEA é basicamente uma versão “remodelada” do atual Fundo Petrolífero (FP). Ele também admitiu que o FSDEA não tem existência legal própria ou quaisquer políticas de investimento.
O assessor presidencial falava, ladeado por outros dois membros do conselho de administração – o filho do presidente, José Filomeno de Sousa dos Santos “Zenú” e Hugo Gonçalves, um parente do anterior ministro da economia, o deputado Manuel Nunes Jr.
Apesar das circunstâncias, Armando Manuel sublinhou que, até à presente data, o fundo não fez quaisquer aquisições ou investimentos. Passou, então, de forma confiante, a enunciar os planos do fundo para investir no sector hoteleiro em Angola, bem como na abertura de um hotel-escola para atrair estudantes de toda a África.
É difícil imaginar como a construção de hotéis servirá para responder às necessidades crónicas de Angola, quanto ao seu desenvolvimento. Também é caricato entender porquê e/ou como potenciais estudantes africanos de hotelaria e turismo gostariam de estudar na mais cara capital do continente africano, onde se fala inglês de forma ínfima.
Dois meses após o seu lançamento, em Dezembro, o FSDEA continua sem um quadro legal que sustente a sua existência e não tem qualquer política de investimento. Na realidade, o FSDEA começa a revelar-se como sendo apenas pouco mais do que um logo/uma marca bastante caro.
Soberania Familiar ou Nacional?
Para que seja possível compreender o fundo, é imperativo abordar como o mesmo surgiu, bem como as pessoas envolvidas na sua criação e gestão.
A ideia de um fundo de petróleos para infraestruturas foi anunciada primeiro pelo então ministro de Estado e chefe da Casa Civil do Presidente, Carlos Feijó, em resposta aos apelos do Fundo Monetário Internacional (FMI) para que Angola criasse uma política de médio-prazo relativamente às suas despesas.
Passados seis meses, em Março de 2011, o Fundo Petrolífero foi formalizado por Decreto Presidencial. O mesmo explicava que o fundo teria receitas diretas equivalentes a 100.000 barris de petróleo por dia, destinadas ao investimento em projetos e melhoramentos de produção e distribuição de água e eletricidade em todo o país.
De acordo com o decreto, o fundo poderia investir no que bem entendesse e apenas prestaria contas ao Presidente.
Os economistas que estudaram os estatutos do fundo concordaram que a sua linguagem era de um Fundo Soberano de Riqueza, com o rótulo de fundo de petróleo para infraestruturas. Mas, tal como grande parte dos projetos de grande envergadura em Angola, o Fundo de Petróleo desapareceu do radar público.
No início de 2012, vários artigos na imprensa privada e nos média revelavam que o filho do presidente, o Zenú, havia sido nomeado pelo pai para o conselho de administração do fundo. O África Monitor chegou a afirmar que a nomeação de Armando Manuel para presidente do fundo era apenas um engodo. Demasiado ocupado com as suas funções de assessor presidencial e, por deferência ao chefe, Armando Manuel delegaria sempre a presidência no filho do seu chefe.
Muitas pessoas manifestaram-se incrédulas. “Não era possível, certamente, Dos Santos teria mais juízo,” algumas vozes sussurravam. “Poderia apenas ser um rumor…” Mas, era verdade.
Então, em Agosto deste ano, a imprensa britânica reportou que “o Fundo Soberano Angolano” comprou uma propriedade imobiliária, numa das zonas mais caras de Londres, por 350 milhões de dólares.
Os mais atentos coçaram as cabeças: Como era possível, a um fundo soberano que não existia, comprar propriedade em Londres?
Ademais, porquê o negócio tinha de ser feito por via de um intermediário, a firma de investimentos suíça Quantum Global?
Os Amigos do Filho do Presidente
As investigações sobre o assunto revelam a teia de poder, os tentáculos e conflitos de interesse. Uma das figuras centrais do Quantum Global é o empresário suíço/angolano, Jean Claude Bastos de Morais, amigo pessoal e mentor de Zenú. Ambos criaram e partilham, como sócios principais, o primeiro banco de investimentos em Angola, o Banco Kwanza Invest.
Por via de uma investigação mais pormenorizada, ficou claro que o cidadão suíço Marcel Kruse, um parceiro de negócios, de longa data, de Bastos de Morais, é o presidente do Conselho de Administração do Banco Kwanza, que até 2010 se chamava Banco Quantum. Contrariamente aos outros bancos que estão obrigados a revelar anualmente os seus relatórios e contas, o Banco Kwanza está isento, pelo menos para o público, de cumprir com este requerimento legal de transparência e boa gestão.
De acordo com o processo de registo de empresas suíço Moneyhouse, o Quantum Global é propriedade de Ernest Welteke, um antigo presidente do Banco Central da Alemanha, que é atualmente o presidente não-executivo do conselho de administração do Banco Kwanza.
Durante o lançamento do FSDEA, que foi organizado por um batalhão de especialistas em relações públicas, vestidos de forma impecável, provenientes do Dubai, Lisboa, Zurique, Joanesburgo e Londres (não havia ninguém de Luanda), Armando Manuel insistiu que não havia qualquer ligação entre o Banco Kwanza e o FSDEA.
O filho do presidente, Zenú, pessoalmente anunciou aos microfones que estava a cuidar do “processo” de venda da sua participação no banco, de modo a evitar perceções de conflitos de interesse. Até à presente data sabemos que o referido “processo” continua, assim como os resultantes conflitos de interesse.
Este não é o primeiro envolvimento do Quantum Global em Angola. Esta firma tem estado a gerir, há alguns anos, fundos do Banco Nacional de Angola, avaliados em milhares de milhões de dólares. Numa entrevista recente, a uma publicação suíça, Bastos de Morais alegou ser o cérebro da ideia de criação de um fundo soberano em Angola.
Nenhum dos jornalistas presentes questionou a relação entre o Quantum Global e o FSDEA. No entanto, o Mail & Guardian citou Zenú, após uma entrevista exclusiva, na qual ele afirmava que o Quantum Global era o gestor “temporário” dos ativos líquidos do FSDEA. Mais afirmou que a firma suíça permaneceria nessa função até à criação de uma política formal de investimentos que, por sua vez, permitiria um concurso público para a gestão dos ativos líquidos.
Como até ao momento não se vislumbra a criação de uma política de investimentos para o fundo, é mister assumir que o Quantum mantém as responsabilidades de gestão dos milhares de milhões de dólares de Angola.
Uma vez que o FSDEA e o seu predecessor, o Fundo de Petróleos, não têm apresentado qualquer informação pública sobre quanto dinheiro tem sido gasto e como, o povo angolano, sobre quem repousa a soberania, pode apenas tentar adivinhar o destino dado à sua riqueza. A falta de informação choca com os compromissos assumidos pelo fundo de ser uma entidade gerida com transparência.
O fundo tem um portal, que é pouco mais do que se pode dizer da maioria das entidades públicas. Os portais do governo revelam ínfima informação ao público. De qualquer modo, é estranho considerar o fundo como entidade pública quando não tem estatuto legal e é gerido de forma privada pelo filho do presidente.
Mas, para além das fotografias de crianças angolanas, a preto e branco (constantes também nos pacotes de imprensa), o portal do fundo pouco ou nada apresenta de substância. Contém mais ligações que remetem o leitor para o mesmo PDF com os dois parágrafos seguintes:
“Em conformidade com a política e as orientações de investimento do Fundo Soberano de Angola, a sua carteira de investimentos será distribuída gradualmente por várias indústrias e classes de activos, incluindo acções públicas e privadas; obrigações; moeda estrangeira; derivados financeiros; produtos base; títulos do tesouro; e fundos imobiliários e fundos de investimento.
“Ao procurar investimentos que geram rendimentos financeiros e sustentáveis a longo prazo, o Fundo Soberano de Angola representará um papel importante na promoção do desenvolvimento socioeconómico de Angola através da criação de riqueza para o povo angolano”.
Ao invés de impressionar, os propósitos anunciados pelo fundo levantam mais questões sobre o que esta instituição realmente é e como funcionará.
Também é incerto a forma como o FSDEA escolheu a empresa de relações públicas Spicy Communications, recentemente criada por Bastos de Morais, o amigo do Zenú, e o escritório do Dubai da empresa Londrina Grayling Momentum. No portal do FSDEA, o contacto de informação disponível é o endereço de e-mail de Nicole Anwer, da Spicy Communications, e o seu número de telefone móvel angolano, que não está atribuído. A assessora de imprensa do FSDEA é cidadã suíça com residência neste país. Não há um número fixo. Como é possível um fundo de 5 mil milhões de dólares não ter um número de telefone funcional?
Maka Angola– assim como muitos angolanos – continua a interrogar-se como 5 mil milhões de dólares de fundos públicos angolanos acabaram sob gestão de um simples logotipo, cujos cordelinhos são movimentados a partir da Suíça pelos amigos do filho do Presidente? Alguns desses amigos foram recentemente condenados por gestão criminosa.
O Talentoso Sr. Bastos de Morais
Um dos condenados é Jean-Claude Bastos de Morais, o principal parceiro de negócios de José Filomeno dos Santos “Zenú”. Bastos de Morais foi condenado por um tribunal suíço do Cantão de Zug, por “gestão criminosa qualificada e reincidente”. A sentença foi proferida a 13 de Julho de 2011. Inicialmente, o empresário suíço-angolano recorreu da sentença. A 11 de Dezembro passado, Bastos de Morais devia ter interposto mais um recurso ao Tribunal Superior de Zug. No entanto, o empresário desistiu do recurso e a condenação mantém-se.
De acordo com a nota de imprensa divulgada pela agência de relações públicas de Bastos de Morais, a Spicy Communications, a razão para a desistência do recurso resulta do facto do empresário ter sido “ilibado de todas as principais acusações.” O que permaneceu da acusação são apenas “uma multa condicional e duas outras multas por pagamentos incorrectos de salários”.
Em entrevista ao semanário económico suíço Handelszeitung, o suíço-angolano negou que as suas actividades empresariais em Angola sejam devidas às suas boas relações com o varão presidencial. “Não é o caso”, disse.
De acordo com Bastos de Morais, foi sua a ideia de criação de um fundo para investimentos de capital. Mencionou, ao semanário suíço, as suas relações estreitas com o ministro da Economia, Abrahão Gourgel, que se manifestou “disponível a ouvir”. Através dos ouvidos atentos do ministro, e através de uma teia de ligações ao poder, o Banco Kwanza obteve centenas de milhões de dólares do Banco Nacional de Angola. Nessa altura, o ministro Abrahão Gourgel, exercia as funções de governador do BNA. “O ministro avançou com a ideia. Eu fui o produtor”.
“Eu sou uma máquina de ideias”, auto-descreveu-se Bastos de Morais.
O seu parceiro de negócios de longa data, Marcel Krüse, que atualmente é o presidente do Conselho de Administração do Banco Kwanza, também foi condenado no Cantão de Zug, sobre o mesmo caso: “gestão criminosa qualificada e reincidente”.
Bastos de Morais foi condenado a pagar uma multa de 160.000 Francos Suíços, com efeitos suspensivos, sendo obrigado a pagar 4.500 Francos Suíços. O Tribunal multou Marcel Krüse a uma multa suspensa de 170.000 Francos Suíços e tem de pagar 5.000. A multa suspensa significa que não têm de a pagar a menos que cometam outro crime nos próximos dois anos. No entanto, os dois são cadastrados como criminosos.
Artigo publicado a 16 de dezembro de 2012 em Maka Angola