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150 anos de Alexandra Kollontai

Primeira mulher a dirigir um ministério no mundo após a revolução russa, dirigiu a Oposição Operária e mais tarde ficou em silêncio durante o estalinismo. Foi também a primeira mulher a ser embaixadora. As suas ideias sobre feminismo, sexualidade e amor ainda são discutidas ardentemente. Dossier organizado por Carlos Carujo.

Alexandra Kollontai nasceu há 150 anos. Neste dossier invocamos a sua vida apaixonada e apaixonante, polémica e marcante. Pioneira, terá sido a primeira mulher a ocupar um cargo correspondente ao de ministra (comissária do povo) no governo que resultou da revolução russa de outubro de 1917. Mais tarde, foi também a primeira mulher a ocupar o cargo de embaixadora. Pelo meio e antes disso, a sua vida foi marcada pelas batalhas contra a opressão das mulheres, pelas suas posições sobre sexualidade e pelas dissidências políticas que protagonizou nos debates entre os bolcheviques.

Patricia Latour percorre todo esse percurso cheio de acontecimentos, vendo-a como uma “revolucionária aguerrida”, interessada nos problemas da vida quotidiana, na construção de uma nova moral e de uma relação não hierárquica entre os sexos.

Megan Trudell faz o enquadramento histórico do período revolucionário russo, mostrando que, nesses anos quentes, o seu envolvimento político não foi exceção. Para ela, as mulheres não foram “espetadoras passivas”. Foram, aliás, não só a “centelha” que despoletou essa revolução mas ainda uma das suas forças motrizes depois.

Damos ainda a voz à própria Kollontai para contar a história dessa centelha e daquele que se tornou o dia internacional da mulher. Em 1910, Clara Zetkin apresentara pela primeira vez a proposta da criação da comemoração de um dia internacional das mulheres trabalhadores. No dia 8 de março de 1917, as mulheres de Petrogrado deram início nesse mesmo dia internacional ao processo revolucionário que mudou o mundo.

Também recordamos as palavras de Kollontai com alguns dos trechos da sua “Autobiografia de uma mulher comunista sexualmente emancipada” sobre a sua ação durante o período revolucionário.

O historiador Jean-Jacques Marie recorda igualmente essa época em que Kollontai foi nomeada comissária do Povo para a Proteção Social. Esse primeiro governo bolchevique afirmou o desejo de criar uma rede de creches, jardins de infância, lavandarias e cantinas para libertar as mulheres das tarefas domésticas, decidiu a não ingerência do Estado nas relações sexuais entre os indivíduos e aboliu as penas de prisão por homossexualidade.

No mesmo sentido, Peter Drucker sublinha as “intuições valiosas acerca da política sexual” de parte desse bolchevismo dos primeiros tempos que produziu uma “extraordinária riqueza de pensamento e ativismo sobre questões de género e sexualidade”. Isso, que será depois apagado pelo estalinismo, ainda hoje nos interpela e espanta. Como, por exemplo, o conceito de amor-camaradagem de Kollontai que implicava um ideal de “liberdade completa, igualdade e amizade genuína” e se teria de materializar naquela “infraestrutura socializada abrangente” anteriormente referida.

Hannah Proctor é outra das que se interessa pelo conceito de amor de Kollontai que apresenta como um sentimento que a revolucionária russa pensava poder revelar “novas facetas de emoção que possuem beleza, força e esplendor sem precedentes”.

Mas neste dossier também damos espaço às análises mais crítica. Jacqueline Heinen, a partir das Conferências de 1921 da militante russa na Universidade Sverdlov avalia escrupulosamente as forças e as fraquezas do pensamento. O que, faz questão de salientar, não implica subestimar a importância do seu combate porque de todos os dirigentes revolucionários do princípio do século foi quem nos legou a obra mais rica sobre a questão das mulheres.

E, numa perspetiva ainda mais crítica, António Louçã defende que Kollontai passou de revolucionária a estalinista mas faz questão de analisar as muitas contradições da sua vida e de fazer um balanço crítico de cada uma das várias metamorfoses da sua atividade política.

Para salientarmos outras duas facetas de Kollontai para além das questões das mulheres, esclarecemos sinteticamente o que foi a Oposição Operária e o debate dos bolcheviques acerca do papel do sindicatos no início do anos 1920.

E Miguel Pereira recupera as memórias de Andrei Gromiko que foi durante cerca de 30 anos ministro dos Negócios Estrangeiros do regime soviético sobre o tempo em que ela foi embaixadora na Noruega, no México e na Suécia.

Ainda damos espaço a dois testemunhos sobre a divulgação do pensamento de Kollontai em Portugal no início dos anos 1930. Jaime Brasil, que tinha sido secretário-geral do Sindicato dos Profissionais de Imprensa de Lisboa, comentou o seu pensamento em 1932 no livro A Questão Sexual. E o famoso escritor Ferreira de Castro prefaciou a primeira tradução de uma obra dela, A mulher moderna e a moral sexual , no ano seguinte.

política: 
feminismo
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Neste dossier:

150 anos de Alexandra Kollontai

Primeira mulher a dirigir um ministério no mundo após a revolução russa, dirigiu a Oposição Operária e mais tarde ficou em silêncio durante o estalinismo. Foi também a primeira mulher a ser embaixadora. As suas ideias sobre feminismo, sexualidade e amor ainda são discutidas ardentemente. Dossier organizado por Carlos Carujo.

Alexandra Kollontai.

Alexandra Kollontai: revolução, feminismo, amor e liberdade

Revolucionária aguerrida, interessou-se por problemas como a revolução da vida quotidiana e dos hábitos, a luta contra a opressão das mulheres, a construção de uma nova moral e relação entre sexos. Desprezada e adorada na sua época, a sua elegância lendária encontra-se no seu pensamento e nos seus escritos. Por Patricia Latour.

As mulheres de 1917

As mulheres não foram apenas a “centelha” da Revolução Russa, mas a força motriz que a impulsionou. Por Megan Trudell.

Marcha de mulheres em Petrogrado em 1917.

Uma celebração militante, por Alexandra Kollontai

O Dia Internacional da Mulher é um dia de solidariedade internacional e um dia para rever a força e organização das mulheres proletárias. Artigo de Alexandra Kollontai, escrito em 1920.

Alexandra Kollontai.

Autobiografia de uma mulher comunista sexualmente emancipada: Os anos da revolução

Kollontai lembra o período que imediatamente anterior à revolução de Outubro até ao que se seguiu à sua saída do governo: “as minhas ideias sobre sexo e moral, foram amargamente combatidas por muitos camaradas do partido de ambos os sexos, assim foram ainda outras diferenças de opinião a respeito dos princípios políticos”.

Kollontai, Comissária do Povo para a Proteção Social numa revolução feminista

O primeiro governo bolchevique afirmou o desejo de criar uma rede de creches, jardins de infância, lavandarias e cantinas para libertar as mulheres das tarefas domésticas. Decidiu a não ingerência do Estado nas relações sexuais entre os indivíduos e aboliu as penas de prisão por homossexualidade. Por Jean-Jacques Marie.

Performance de estudantes na noite do livro. Por Varvara Stepanova.

A revolução russa e o sexo

A política sexual dos bolcheviques iniciais é um legado rico. O amor-camaradagem de Kollontai traz-nos um ideal de “liberdade completa, igualdade e amizade genuína”. A sua visão de uma sexualidade livre pressupunha uma infraestrutura socializada abrangente que libertasse as mulheres do trabalho doméstico. Por Peter Drucker.

Imagem do filme Reds.

Romance revolucionário

Porque é que prazeres extravagantes e sentimentos intensos deveriam ficar reservados apenas para a burguesia pergunta Hannah Proctor a propósito da conceção de amor Kollontai. Um sentimento que a revolucionária russa pensava poder revelar “novas facetas de emoção que possuem beleza, força e esplendor sem precedentes”.

Cartaz dos irmãos Stenberg.

Luzes e sombras da contribuição de Alexandra Kollontai para a libertação das mulheres

A partir das Conferências de 1921 na Universidade Sverdlov, Jacqueline Heinen avalia forças e fraquezas do pensamento de Kollontai. Isto não implica subestimar a importância do seu combate porque de todos os dirigentes revolucionários do princípio do século foi quem nos legou a obra mais rica sobre a questão das mulheres.

Alexandra Kollontai.

Alexandra Kollontai, de revolucionária a estalinista

António Louçã analisa as contradições da vida da revolucionária e faz um balanço crítico das várias metamorfoses da sua atividade política desde os tempos antes da revolução de Outubro até ao período em que se torna embaixadora.

Kollontai e a Oposição Operária

Mais conhecida pela sua intervenção no debate sobre a “questão das mulheres” e pela sua ação feminista, Kollontai foi também uma das dirigentes de uma corrente minoritária no seu partido tendo protagonizado um dos debates centrais da política soviética no início dos anos vinte, o “debate sindical”.

Alexandra Kollontai em 1946.

Kollontai nas memórias de Gromiko: “a primeira mulher embaixadora”

“Mulher inteligente e com uma língua afiada, que sabia debater com habilidade e fazia-o em vários idiomas” assim era invocada a primeira mulher à frente de uma embaixada nas memórias daquele que foi cerca de 30 anos ministro dos Negócios Estrangeiros do regime soviético num documento histórico trazido por Miguel Pereira.

Kollontai e Jaime Brasil.

Kollontai na obra de Jaime Brasil (1932)

O ex-secretário-geral dos Profissionais de Imprensa de Lisboa foi uma das primeiras pessoas em Portugal a prestar atenção atenção à obra de Kollontai no âmbito da sua intervenção em defesa da educação sexual.

Capa da tradução portuguesa do livro de Kollontai.

Prefácio a Kollontai, de Ferreira de Castro

Em 1933, a primeira edição portuguesa conhecida de uma obra de Kollontai foi prefaciada por um dos maiores escritores portugueses da época, José Ferreira de Castro. Divulgamos aqui esse documento histórico na íntegra.