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Estavam à espera de quê?

O Primeiro-Ministro, o Presidente da República e até o PS elogiam a atuação criminosa das polícias. Estavam à espera de quê?

Existem comportamentos e posturas que nunca deixam de me surpreender. E a reação maioritária à carga policial de 14 de Novembro enquadra-se precisamente neste tipo de surpresas que, a bem dizer, se calhar há muito deviam ter deixado de o ser. Apesar das manchetes e de todas as notas de abertura dos telejornais destacarem as duas horas de apedrejamento do corpo de intervenção, as primeiras imagens sobre a carga policial foram inequívocas: a polícia a varrer impiedosamente tudo e todos. Levando tudo à frente, nomeadamente a grande maioria que se manifestava pacificamente no local e que, segundo uma série de testemunhos, se distinguia claramente da “meia dúzia de profissionais da desordem”. Como é possível uma violência tão evidente e desproporcionada sobre quem nada fez, sobre quem se limita a permanecer de forma “ordeira” no local?

É então aqui que nos aparece o “Estavam à espera de quê?”. Milhares de pessoas foram varridas à cacetada. Estavam à espera do quê? O Primeiro-Ministro, o Presidente da República e até o PS elogiam a atuação criminosa das polícias. Estavam à espera de quê? Os comentadores da praça e a vasta maioria da opinião pública não vê com qualquer estranheza o sucedido. Pelo contrário, consideram normal que a polícia carregue sem pruridos. Estavam à espera do quê?

Numa democracia desde sempre habituada a grandes manifestações sem o mínimo distúrbio, começa a engrossar o número daqueles que se manifestam de forma violenta e começam também a aumentar as reações policiais violentas. Julgo que nem vale a pena explorar muito o quão sintomático é o que agora se está a passar. Estavam à espera de quê?

É no meio deste mar de cinismo acomodado e destas falsas discordâncias que o país se vai afundando, que a democracia vai sendo suspensa e que o futuro vai sendo hipotecado. Aos poucos, tudo é admissível e tudo é evidente. E para quê fazer alguma coisa quando se pode ser cínico e simplesmente observar o espetáculo. Um dia destes, o país desaparece e, surpresas das surpresas, a maioria nem sequer se importará. Estavam à espera de quê?

Sobre o/a autor(a)

Politólogo, autor do blogue Ativismo de Sofá
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