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"O 15 de setembro é o principio do derrube da austeridade"

O esquerda.net entrevistou Paulo Raposo, professor de Antropologia no ISCTE e um dos promotores da manifestação "Que se Lixe a Troika! Queremos as Nossas Vidas!". Ele aborda a origem deste protesto da cidadania, a sua dimensão internacional e a forte adesão que é esperada para o próximo sábado, 15 de setembro.
Paulo Raposo, antropólogo, é um dos promotores do protesto "Que se Lixe a Troika! Queremos as Nossas Vidas!"

Como é que nasceu esta ideia de convocar uma manifestação contra a troika e como é que as pessoas se juntaram?

Desde logo, juntaram-se porque a troika estava na iminência de chegar cá. A partir do momento que soubemos que iria haver mais uma presença de comissários da troika em Portugal, um grupo de pessoas decidiu circular um texto e construi-lo coletivamente. Cerca de 30 pessoas participaram na elaboração desse texto no final de agosto. E daí para a frente foi crescendo a urgência de fazer esse protesto, que acabou por culminar na última comunicação ao país do primeiro ministro - na sexta-feira passada - dando razão à urgência deste protesto.

É um grupo de cidadãos de diversas áreas, de investigadores a desempregados e artistas, enfim, de todas as sensibilidades possíveis, que se tentaram juntar para escrever um texto que fosse abrangente e amplo e que despertasse um pouco o protesto de cidadania em Portugal.

A adesão ao protesto de 15 de Setembro aumentou depois da comunicação do primeiro-ministro ao país. Esperavam uma adesão tão forte?

Nós estávamos à espera que a adesão fosse forte, porque as medidas já implementadas são suficientemente gravosas. É óbvio que o primeiro-ministro deu um contributo para que a população toda despertasse definitivamente e se levantasse do seu sofá. E penso que hoje [a entrevista foi feita na terça-feira, enquanto decorria a conferência de imprensa do ministro das Finanças] o ministro Vítor Gaspar está também a contribuir para que, mais uma vez, a aplicação de medidas cegas que vão sempre no mesmo sentido despertem ainda mais a consciência cidadã, que em Portugal precisa mesmo de estar acordada e de sair para a rua. Ela é um dos únicos espaços que nos resta de contestação e de combate às políticas que vão sendo implementadas.

Vocês começaram por convocar este protesto em Lisboa, mas entretanto ele alarga-se a outros locais do país. Quais as expetativas para sábado?

Não esperávamos esta multiplicação nem fizemos nenhum contacto para que isso acontecesse. Foi espontaneamente que foram aparecendo no site do evento e através do email do protesto. Eu diria que eles têm brotado como cogumelos e vamos em cerca de onze locais do país que aderiram a este protesto. Nós em Lisboa não gerimos a organização dos protestos no resto do país e eles organizam-se da forma que entendam localmente.

Eu diria que a expetativa é a melhor possível. Atingimos liminarmente o máximo da nossa tolerância e da nossa paciência. Vemos nas inúmeras postagens que têm sido feitas nas páginas do evento: elas projetam já uma angústia e uma impaciência absoluta. Por isso estou convencido que teremos uma das maiores manifestações de sempre em Portugal no dia 15 de setembro e conto com todas as pessoas para que contribuam para que isso aconteça.

E não temem que aconteça o mesmo que no 12 de março, ou seja, depois duma enorme explosão de indignação se siga um período de adormecimento do protesto?

Eu penso que não. A minha opinião pessoal é que isto completa o ciclo do 12 de março. O 12 de março foi talvez o momento mais importante de repúdio do que foi o início de uma série de medidas austeritárias que na altura o governo Sócrates entendeu implementar. E foi também o início da abertura do processo de negociação com a troika. Penso que neste momento, quase dois anos decorridos sobre esse facto, estamos a atingir - e o que é supreendente é que atingimo-lo muito rapidamente, ao fim de um ano de governação de Passos Coelho e Paulo Portas - um grau de saturação de medidas de austeridade que me levam a pensar que provavelmente as pessoas vão mesmo para a rua dizer "Não, chega, não aguentamos mais e não queremos mais isto!".

Há um evidente acumular de tensões, os movimentos sociais saíram por diversas vezes em diversos setores à rua no último ano e meio desde o 12 de março. Penso que o 12 de março, tendo representado um protesto de amplo espectro da população portuguesa, não teve contudo as consequências que dele se deveriam tomar. Basicamente, o governo Sócrates caiu. Mas a iminência da queda era já muito evidente.

Neste momento não é apenas o governo de Passos Coelho que está, digamos assim, na nossa mira. Ele é obviamente o interlocutor principal com que este protesto se degladia. Mas é justamente um conjunto de políticas que têm sido adotadas nos últimos anos internacionalmente e que levam vários países à miséria e outros a uma situação de desorganização completa. Isto para não falar daqueles poucos que tiram dividendos desta crise à escala global.

Por isso eu penso que a manifestação de 15 de setembro vai um pouco mais além que o 12 de março porque tem esta dimensão global e internacional. O 12 de março foi claramente um protesto nacional, de contestação àquilo que no país se vinha implementando e que se adivinhava que se viesse a implementar, enquanto o 15 de setembro é um protesto que está a ser articulado com os companheiros em Espanha. E isto é muito importante do ponto de vista da contestação social e dos movimentos sociais europeus, pelo menos. Finalmente começa a haver uma agenda que não é apenas a agenda do grande capital ou das grandes organizações internacionais de poder, é também a agenda dos movimentos sociais, da contestação social internacionalizada.

Estamos a incentivar uma manifestação que vai ocorrer ao mesmo tempo em Portugal e em Espanha. E sabemos que nos últimos dias, na Grécia, em França, na Bélgica têm sido desencadeados muitas manifestações e protestos na rua. E irão continuar, porque o 15 de setembro não é o fim deste caminho. É apenas o princípio do derrube deste modelo de governação e desta forma autoritária de impor a austeridade às pessoas.

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