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A recuperação económica que não acontece

É um círculo vicioso e não há saída fácil ou aceitável. Pode significar que não há saída alguma. É algo que alguns de nós chamamos crise estrutural da economia-mundo capitalista.

A maioria dos políticos e dos especialistas tem o hábito arraigado de prometer tempos melhores no futuro, desde que as suas políticas atuais sejam adotadas. As dificuldades económicas globais que hoje vivemos não trouxeram uma exceção a este comportamento. Seja nas discussões sobre o desemprego nos Estados Unidos, sobre a escalada alarmante dos custos de financiamento da dívida pública na Europa ou sobre o súbito declínio dos índices de crescimento económico na China, na Índia e no Brasil, as expressões de otimismo a médio prazo permanecem na ordem do dia.

Mas e se esse otimismo não for justificado? De vez em quando, emerge um pouco de honestidade. Em 7 de agosto, Andrew Ross Sorkin publicou um artigo no New York Times em que oferecia “uma explicação mais direta sobre os motivos de os investidores terem saído das bolsas de valores: tornaram-se uma má aposta. Há toda uma geração de investidores que nunca ganhou um tostão”. A 10 de agosto, James Mackintosh escreveu no Financial Times um artigo na mesma linha: “Os economistas estão a começar a aceitar que a Grande Recessão atingiu permanentemente o crescimento… Os investidores estão mais pessimistas”. E, ainda mais importante, o New York Times publicou, em 14 de agosto, uma reportagem sobre o custo crescente das transações cada vez mais rápidas realizadas nas bolsas, onde se afirma, quase no final: “[Os investidores] foram afastados por um mercado que não quase não ofereceu proveitos na última década, devido às bolhas especulativas e à instabilidade da economia global.”

Quando se observa que muito poucos ganharam quantias incríveis de dinheiro, como é possível que as bolsas de valores se tenham tornado uma proposta “perdedora”? Durante muito tempo, a regra básica dos investimentos era de que, a longo prazo, o ganho com ações, corrigida a inflação, era alto, e especificamente mais alto que o dos títulos. Esta era a suposta recompensa pelos riscos derivados da grande volatilidade, a curto e médio prazo, das ações. Os cálculos variam, mas em geral admite-se que, no século passado, os ganhos com ações foram bem mais altos que o dos títulos, desde, é claro, que a aplicação na bolsa fosse mantida.

O que é menos notado é que, no mesmo período de um século, os lucros das ações corresponderam mais ou menos a duas vezes o crescimento do PIB – algo que levou alguns analistas a chamá-las um jogo Ponzi. Acontece que a maior parte dos maravilhosos ganhos com ações ocorreram no período que teve início nos anos 1970 – a era do que se tem chamado de globalização, neoliberalismo e ou financeirização.

Mas o que ocorreu, de facto, neste período? Deveríamos começar por notar que o período pós-1970 seguiu-se à época de maior crescimento (de longe) da produção, da produtividade e da mais-valia global na história da economia-mundo capitalista. É por isso que os franceses chamam este período de trente glorieuses– os trinta anos (1943-1973) gloriosos. Na minha linguagem analítica, foi uma fase A do ciclo Kondratieff, e quem possuía ações neste período deu-se, de facto, muito bem. Assim como os produtores em geral, os trabalhadores assalariados e os governos, no que diz respeito às receitas. Parecia que o capitalismo, como sistema-mundo, recebera um poderoso impulso, depois da Grande Depressão e da vasta destruição da II Guerra Mundial.

Lamentavelmente, tempos tão bons não duraram para sempre, nem poderiam. Por um motivo: a expansão da economia-mundo baseava-se nalguns quase-monopólios, nas chamadas indústrias-líderes, que duraram até serem solapados por competidores que conseguiram, finalmente, entrar no mercado mundial. Mais competição reduziu os preços (a sua virtude), mas também a lucratividade (o seu vício). A economia-mundo mergulhou numa longa estagnação nos trinta a quarenta anos inglórios seguintes (1970s – 2012 e além). Este período foi marcado por endividamento crescente (de quase toda gente), desemprego global em alta e retirada crescente de muitos investidores, talvez a maior parte, das bolsas de valores para o mais seguro mercado de títulos, principalmente dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos.

Estes papéis são seguros, ou pelo menos mais seguros, mas não muito lucrativos, exceto para um grupo cada vez menor de bancos e hedge fundsque manipularam as operações financeiras em todo o mundo – sem produzir qualquer valor. Isso trouxe-nos onde estamos hoje: um mundo incrivelmente polarizado, com os salários reais muito abaixo dos seus picos nos anos 1970 (mas ainda acima dos seus pontos mais baixos, nos anos 1940) e as receitas estatais significativamente mais baixas também. Uma sequência de “crises da dívida” empobreceu uma região do sistema-mundo atrás da outra. Como resultado, o que chamamos de procura efetiva contraiu-se em todo o mundo. É a isto a que Sorkin se referia, quando afirmou que o mercado de ações já não é atrativo, como fonte de lucros para acumular capital.

Bem, poder-se-á dizer, pelo menos há os chamados novos países emergentes, que têm tido melhores resultados ao mesmo tempo que os Estados Unidos e a Europa ocidental parecem estar a enfrentar dificuldades crescentes. A lista é longa e consecutiva. Inclui em primeiro lugar o Japão, a Coreia do Sul e Taiwan, a Europa do sul e a Irlanda, depois os BRICs (especialmente a China, a Índia e o Brasil), a Turquia e a Indonésia, e agora (alguns afirmam) também vários estados africanos. O problema é que muitos destes tiveram bons resultados apenas temporariamente, e depois, por seu turno, começaram a entrar em “dificuldades”.

O núcleo do dilema tem a ver com as contradições centrais do sistema. O que maximiza os ganhos, a curto prazo, para os produtores mais eficientes (margens de lucro ampliadas), esmaga os compradores, a longo prazo. À medida em que mais pessoas e zonas se integram plenamente à economia-mundo, há cada vez menos margem para “ajustes” ou “renovações” e cada vez mais escolhas impossíveis para investidores, consumidores e governos.

Lembrem-se que a taxa de retorno, no século passado, foi o dobro do aumento do PIB. Poderia isso repetir-se? É difícil de imaginar – tanto para mim, quanto para a maior parte dos investidores potenciais no mercado. Isso gera as restrições com que nos deparamos todos os dias nos Estados Unidos, na Europa e, em breve, nas “economias emergentes”. O endividamento é alto demais para se sustentar.

Assim, temos, por um lado, um apelo político poderoso à “austeridade”. Mas a austeridade significa, na prática, eliminar direitos existentes (como reformas, qualidade da assistência médica, gastos com educação) e reduzir também a responsabilidade dos governos na garantia de tais direitos. Mas se a maioria das pessoas tiver menos, obviamente vai gastar menos, e quem vende vai encontrar menos compradores – ou seja, menor procura efetiva. Portanto, a produção será ainda menos lucrativa (reduzindo os ganhos com ações) e os governos ficarão ainda mais pobres.

É um círculo vicioso e não há saída fácil ou aceitável. Pode significar que não há saída alguma. É algo que alguns de nós chamamos crise estrutural da economia-mundo capitalista. Leva a flutuações caóticas (e selvagens) num momento em que o sistema se bifurca, e nos encontramos envolvidos numa luta longa e duríssima sobre o tipo de sistema que deveria suceder àquele em que vivemos.

Os políticos e os especialistas preferem não enfrentar esta realidade e as escolhas que impõe. Mesmo um realista, como o sr. Sorkin, termina a sua análise manifestando a esperança de que a economia tenha “um impulso”, e a sociedade, “fé a longo prazo”. Se pensa que isto será suficiente, vou querer vender-lhe a Torre de Belém.

Immanuel Wallerstein

Comentário nº. 335, 15 de agosto de 2012

Tradução, revista pelo autor, de Luis Leiria para o Esquerda.net

Sobre o/a autor(a)

Sociólogo e professor universitário norte-americano.
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