Está aqui

Resistência e alternativa: A esquerda europeia e a crise da dívida

Contributo de António dos Santos Queirós

Coloco sobre o título do artigo de Francisco Louçã_FL o tema desta reflexão política, porque nela se apoia e inspira. Para sublinhar, em primeiro lugar as suas virtudes políticas e potencial de debate, no interesse do fortalecimento da esquerda e no interesse nacional, pois ali são tratadas algumas das questões cruciais para o futuro imediato e para a sobrevivência da nação portuguesa e da sua democracia, no quadro da União Europeia.

O artigo de FL é longo, complexo e estruturado com um estudo muito sério, fundamentado numa base técnico-centífica mas acessível, das questões económicas e políticas. Exige renovadas leituras atentas e uma análise progressiva de todas as importantes questões que levanta. Mesmo que a esquerda fora do Bloco o ignore, ele fará o seu caminho. Pior seria que os militantes do Bloco não lhe dessem a atenção que merece.

Pela sua abrangência de tema, comporta certamente omissões e ou temas simplificados, quer pela economia do debate quer por necessidade de maturação, que só a discussão colectiva e o contraditório permitem aprofundar. Quer ainda, porque coloca na ordem do dia novas questões políticas, enunciadas originalmente mas não menos relevantes.

A primeira solução autoritária contra o austeritarismo: o federalismo”

Escreve FL: “Veja-se então a primeira proposta, o federalismo. Segundo esta proposta, se há uma crise da dívida, a solução estaria na transformação da União Europeia num Estado unificado, com uma autoridade fiscal única, um governo único e um orçamento único. É a saída “por cima”. Há uma dívida, o Estado Europeu que se encarregue dela e que dirija o nosso orçamento a partir de agora. Eles que tomem conta disto.

O federalismo é um conceito que, em si mesmo, diz tudo: a federação é uma forma de organização de um Estado, com regiões ou províncias (nos Estados Unidos ou no Brasil chamam-se estados) com alguma margem de autonomia, mas submetidos a um poder político centralizado, que decide o orçamento e a política económica e social, que tem leis uniformes, um exército e uma representação externa.”

E conclui FL: “Um governo europeu significaria que a Inglaterra e a França poderiam ser governadas de Berlim. Impossível.”

Mas o federalismo orçamental instalou-se, depois da última cimeira de Dezembro e o Orçamento de Estado é o instrumento principal de gestão económica de um país. Com o consentimento maioritário dos governos europeus liberais e conservadores ou socialistas e de forma autoritária: um verdadeiro golpe institucional nos tratados europeus anteriormente negociados. É a Alemanha de Merkel que governa a Europa. O seu opositor, o governo conservador de Inglaterra, foi-o por razões nacionalistas e eleitoralistas, defendendo os interesses do capital financeiro alojado na City. O impossível tornou-se realidade, pelo menos por agora. Como já eram realidade “as leis uniformes” de que fala FL, as que fazem desta Europa a região que mais contribuiu para combater a mudança climática e recuperar a saúde do ambiente, mas também onde a legislação comunitária afasta o estado democrático da propriedade dos meios de produção, fundamento jurídico da actual e derradeira política de privatizações das empresas lucrativas do estado português.

E continua FL, no seu argumentário político contra a solução Federalista: “Imaginemos que não havia nenhuma resistência, que o consenso era forte, que o federalismo tinha vencido e que o Estado Europeu era criado, e que o seu governo era eleito, tudo hipóteses bastante extravagantes. Só que, como se verificou nas eleições para o parlamento europeu, o resultado dessa eleição seria uma estrondosa vitória da direita europeia, incluindo os sectores mais populistas e agressivos.”

Este argumento, a verificar-se, não é relevante, porque na actual situação os resultados eleitorais têm sido já de estrondosas vitórias da direita europeia e a os conservadores e liberais são largamente maioritários nos governos europeus dos últimos 50 anos.

Para concluir: “O Estado Europeu não é por isso democrático, porque exclui a democracia representativa realmente existente, que é a que existe nos Estados-Nação. Ainda não há nem houve qualquer forma de democracia internacional, que tenha como base de sustentação a legitimação perante um povo global. Faz falta, mas não existe.”

O Estado Federal não tem de excluir a democracia representativa. Ao contrário, mesmo na Alemanha actual, a esquerda tem ganho as eleições para os parlamentos e governos estaduais (Berlim, Baden Wuerttemberg, Renânia-Palatinado_o estado de Merkel…).

Na Espanha, onde triunfou o PP conservador, os nacionalistas catalães e bascos ganharam as eleições para os parlamentos e governos regionais e cresceram, incluindo o partido político ligado ao movimento independista basco o AMAIUR, que conquistou o maior número de deputados (7). Na Catalunha , a descida ligeira da Esquerda Republicana, que manteve os seus 3 deputados, foi contrabalançada com a subida da Esquerda Unida, que passou de 1 para 3. O Federalismo não constitui sempre o fim da nação e, pode mesmo ser a solução para que o estado democrático espanhol se conserve unido. A Catalunha já é hoje, de facto, um estado semi-federado, assumindo-se institucionalmente como ”nação”.

O Federalismo pode ser oligárquico ou democrático. Os maiores estados dominando os pequenos, ou cada estado, por mais pequeno, com o mesmo peso político nos órgãos institucionais. (Ver os casos da Suíça e dos EUA ou mesmo da Alemanha ou da China). Na versão democrática, o Federalismo Europeu é hoje uma Utopia, mas, porventura, fará o seu percurso político.

Acrescenta ainda, FL, um argumento de peso: “Nesse momento, chamávamos também a atenção para o significado imperialista da ideia do Estado Europeu: com ele chegam um exército e um aparelho repressivo unificado”.

Mas, observamos nós, a NATO já cumpre bem esse papel e a cooperação entre os aparelhos policial, serviços de informação e sistema judicial, intensifica-se, para o bem ( combate ao crime organizado, ao terrorismo, defesa civil…) e para o mal! Na verdade, ainda durante a presidência do democrata Bill Clinton, a estratégia militar americana evoluiu da presença directa em todos os cenários militares, para a criação de uma rede de aliados preferenciais que vão executando as tarefas de controle e intervenção militar onde os interesses estratégicos dos EUA se sentem ameaçados. A Austrália na Oceânia, a Inglaterra na Europa e agora os países de Leste face à Rússia e aos seus aliados e, como se viu na intervenção na Líbia, já com Obama, a França, que se assume como o gendarme da Àfrica. (Não será estranha a esta estratégia, a dimensão insustentável do Orçamento Militar dos EUA, que em 10 anos quase duplicou. O estado americano, endividado como a antiga potência soviética pelos formidáveis gastos improdutivos do complexo militar industrial_em 2001, 379 biliões e, em 2010, 687 biliões de dólares, 6 vezes mais que a China e 11 vezes mais que a França, que ocupa o terceiro lugar deste sinistro ranking mundial, caminha para a implosão  e só a compra dos seus títulos de dívida pela China_1.300 biliões de dólares e pelos países árabes, mantém ainda o precário equilíbrio).

Talvez fosse este momento, no contexto da reflexão de FL, para analisar e debater as contradições e convergências entre a política financeira dos EUA e da União Europeia, nomeadamente a questão da hegemonia do dólar e da sua posição como moeda de referência internacional. A actual crise financeira e o ataque das agências de rating visa a destruição do Euro e manter esse domínio? Há uma contradição entre os interesses dos financeiros de Wall Street e o complexo militar-industrial americano, que ganha nas exportações com a valorização do euro em relação ao dólar? Mas deixemos por agora esta questão, para nos concentrarmos na proposta táctica de FL.

E chegamos ao momento da definição de uma política alternativa. Aqui a argumentação de FL parece não só enfraquecer como tornar-se contraditória. Considerar ainda hoje que o “principal adversário da nossa alternativa de projecto é o federalismo”, ao mesmo tempo que se afirma “Nem as partes da social-democracia que a defendem – e que são alguns partidos quando estão na oposição, nem todos e nem sempre – terão um protagonismo suficiente para colocarem na agenda essa solução. Nem ela ganhará credibilidade noutros sectores de esquerda. Pura e simplesmente, ela não existe no campo das decisões”, é, em si mesma, uma argumentação política contradita.

Pois se a proposta não tem apoio em “nenhuma das burguesias – nem as opiniões públicas – de qualquer dos grandes países aceitaria a incógnita de um governo europeu.” E lhe falta “…para isso o consentimento social e a hegemonia ideológica”, não pode ser a principal ameaça a uma alternativa de esquerda.

Mas não é só contraditória: está, em parte desfasada da nova realidade gerada pelo surgimento da crise financeira em 2007. Na avaliação táctica do principal adversário do europeísmo de esquerda, denuncia o Federalismo Europeu na sua forma global, os Estados Unidos capitalistas da Europa e prevê a sua impossibilidade.

Mas a realidade política evoluiu de forma diferente, com a política de desmantelamento dos acordos políticos e até do próprio princípio de negociação que desenvolveram e ampliaram a União Europeia e a sua substituição pela tutela da oligarquia político-financeira germano-francesa, com um Federalismo autoritário, imposto progressivamente e a golpe institucional.

O austeritarismo como FL o classificou e bem, é mais do que uma reforço da vigilância sobre os orçamentos, é a subversão da ordem constitucional democrática e do princípio da igualdade e reciprocidade entre os direitos e interesses das nações comunitárias. Cada passo neste caminho já é um passo de gigante contra a democracia e o direito de as nações a disporem de si próprias. E já não está só em causa a possibilidade da saída voluntária e nacionalista de um país da zona euro e do acordo da União Europeia; mas a ameaça de marginalização e expulsão dos países mais dependentes, primeiro a Grécia e depois…? Mas tal significa que o “Contrato pela Europa”, fez uma avaliação incompleta nesta matéria e é preciso corrigi-la.

É o que faz FL, e de novo bem, na minha opinião, ao elaborar o programa do europeísmo de esquerda”

“…os objectivos essenciais que definem o europeísmo de esquerda que temos vindo a defender:
• A obrigação do BCE de certificar e de comprar dívida soberana de cada Estado,
• O lançamento de obrigações europeias mutualizando parte da dívida,
• A desvalorização do euro para aliviar as economias,
• A tributação do capital e o fim dos offshores, em particular o de Londres e do Luxemburgo,
• A criação de uma agência europeia de notação para os títulos privados,
• O reforço do orçamento europeu para um plano de criação de emprego,
• A criação de regras fiscais comuns como uma taxa mínima para o IRC, para evitar a concorrência fiscal entre Estados,

A reestruturação profunda da dívida da Grécia, em prejuízo dos bancos credores.”

Como é óbvio, nenhuma destas consignas políticas é de combate às teses Federalistas tradicionais, que, assim sendo, desaparecem do lugar de alvo principal. Ou, dito com mais conteúdo político, são medidas de combate ao Federalismo Oligárquico imposto a golpe e propõem medidas que se integram numa estrutura (ainda incompleta, FL irá propor mais adiante a cúpula deste programa, com duas Câmaras) de Federalismo Democrático para a Europa.( a afirmação é minha)

Prossegue FL: “Dito tudo isto, a minha conclusão é esta: a ideia federal do Estado Europeu unificado não vai ter qualquer papel determinante na política portuguesa ou europeia nos anos que vivemos. Haverá medidas de reforço do Conselho, da Comissão, do BCE, criar-se-ão fundos comuns e regras rígidas, vigiar-se-ão orçamentos e políticas, nada que não conheçamos com a tutela dos credores hoje em dia. Haverá medidas para os tais pequenos passos de avanços e recuos, mas não haverá o salto imenso para um Estado Europeu federal.”

Já o demos, da pior maneira e é prudente, em sentido oposto, ver o que sucede depois da derrota de Sarkozy na França e de Merkel na Alemanha.

A segunda solução autoritária contra o austeritarismo: sair do euro e da União Europeia”

Afirma FL: “A segunda solução, em contrapartida, terá um peso crescente no debate político. A proposta da saída do euro será persistente, é com ela que nos vamos defrontar. Ela será defendida por dois tipos de correntes: os economistas que recusam o espartilho do euro e não encontram outra solução, e as esquerdas que preferem o nacionalismo ao arrastamento da crise europeia.”

FL argumenta e demonstra que “é uma resposta que propõe uma austeridade salarial permanente e indiferente à economia que afecta as pessoas.”

Face ao novo quadro económico criado pelo abandono do euro, questiona as vantagens previstas: “Alguém acha que se pode impor a nacionalização dos bancos, que colapsaram com a desvalorização; depois apresentar como solução o corte com os credores externos; e esperar ao mesmo tempo ter um mercado aberto para as exportações que vão salvar a economia? Ou seja, a socialização do capital e ao mesmo tempo a aliança com projectos exportadores bem acolhidos pelo capital em todo o mundo?”

Conclui assim que esta solução não interessa ao movimento popular e à esquerda.

A dado passo, analisa as condições estratégicas para uma rotura em favor de uma alternativa de governo socialista:”… o não isolamento internacional é uma questão de vida ou de morte para um governo socialista, que precisa de ganhar apoios na Europa e no mundo para a sua luta.” Sublinho a justeza desta ideia e o seu coerente desenvolvimento político:

Faço aqui um parêntesis para tornar clara a minha opinião numa questão ideológica: sim, estou certo de que a nacionalização do sistema financeiro é uma necessidade estratégica para a política socialista, porque o sistema de crédito deve ser um bem público. E estou também certo de que um governo de esquerda terá de enfrentar a resistência do capital financeiro, que é o seu principal adversário, e pode por isso ser forçado a um imperativo realista mesmo que inconveniente de nacionalização em condições que não sejam as desejáveis para o seu sucesso. Mas não deixo de pensar que deve fazer tudo o possível para construir sempre as melhores condições para a sua acção. Como toda a experiência histórica demonstra, o não isolamento internacional é uma questão de vida ou de morte para um governo socialista, que precisa de ganhar apoios na Europa e no mundo para a sua luta.
 

E a sua avaliação da correlação de forças “Em todo o caso, para vencer é preciso ter a força necessária e, para que seja possível ter um sistema de crédito público que funcione, é preciso um tempo certo para uma política vencedora contra os especuladores. Ora, entendamo-nos bem, nenhuma das actuais discussões sobre a saída do euro é acerca de um hipotético governo de esquerda e desse tipo de situação. Por isso mesmo, o que importa agora são as relações de forças concretas, as que existem agora e as que podemos criar no contexto de uma resposta social muito mais forte contra a ditadura da dívida. É o que podemos fazer e o que vamos fazer, não um romance de ficção política. Fim de parêntesis.”

Ao longo do texto, desenvolve-se a análise que parte da ideia central que “A política que dirige a Europa é autoritária mas consensual entre a direita e a social-democracia”.

E conclui, FL: “Se me permitem, recomendo-lhes por isso que não contem com a social-democracia europeia: ela não vai erguer uma alternativa europeia, porque defende para a Europa o Tratado de Lisboa com o seu Directório e o euro tal como ele existe.”

Questionamo-nos? Nada mudou na social-democracia, nos partidos da Internacional Socialista, depois do início da Revolução Democrática na África do Norte, depois da crise financeira mundial e das derrotas pesadas das suas lideranças tradicionais?

O europeísmo de esquerda é a referência da política socialista”

FL passa então a analisar mais em detalhe a construção de uma alternativa política: “Começo pela Europa. Bem sei que, desde o definhamento dos Fóruns Sociais Europeus, não se tem conseguido refazer um dispositivo mínimo de resposta. O Partido da Esquerda Europeia é muitíssimo limitado, como outras redes em que participamos; nunca conseguimos concretizar a nossa proposta de um grande congresso dos movimentos sociais e políticos europeus; e os partidos de esquerda do Norte da Europa receiam os efeitos eleitorais da defesa do povo grego contra o estrangulamento da dívida e nem querem ouvir falar de uma greve europeia.”

É aqui que falta a análise da situação do movimento popular em Portugal e na Europa e da correlação de forças entre as classes sociais: Qual é a natureza do movimento? Não sabemos exactamente o que pensa FL, nesta matéria, mas conhecemos a estratégica que define, pela reestruturação da dívida, denunciando a dívida odiosa, em que a direcção do golpe principal é a auditoria da dívida. Tal proposta, parece-me a mais ajustada à actual conjuntura política, em que o movimento sindical e os movimentos de cidadãos em Portugal se caracterizam hoje pelo seu carácter pacífico (mas não imune ao desespero dum novo “proletariado em farrapos” mais do que às vanguardas revolucionárias, que não se vislumbram na Europa mas sim no Norte de África); por ser defensivo_ a sua reivindicação fundamental é o direito ao trabalho e por estar politizado e internacionalizado contra o arbítrio e a corrupção do estado democrático pelas oligarquias financeiras e políticas sem pátria.

Mas a partir daqui, FL não desdobra e elabora esta táctica para a aplicar à questão da alternativa de poder imediato, do programa e do governo da nação portuguesa que deve suceder ao governo de maioria PSD-CDS.

O movimento é tudo, a alternativa de poder, nada? Não está claro, neste problema crucial, o pensamento político de FL.

Ainda mais uma nota sobre os novos movimentos sociais, nascidos à margem dos partidos políticos, incluindo o BE, que na Europa e nos EUA ocupam as ruas: não podemos confundir estes movimentos com os movimentos revolucionários dos países árabes. Estes são movimentos insurreccionais, que ocorrem numa situação objectiva revolucionária; aqueles, os novos movimentos sociais europeus, não são formas de organização superior do movimento popular, mas sim formas elementares, com reduzida capacidade de intervenção política.

Se é certo que constituem uma prova indirecta da perda da capacidade de atracção política dos partidos de esquerda e da sua eventual falta de democraticidade, tal não deve ser confundido com o elogio do movimento espontâneo contra a organização política: sem organização política permanente o movimento dilui-se e desaparece como água na areia. Essa falta de eficácia política faz com que possam coexistir, em Espanha, como em Portugal, grandes movimentações da geração à rasca, precários e indignados ocupando as praças e uma vitória massiva da direita em eleições gerais.

A alternativa táctica tem que ser capaz de englobar a ofensiva e a defensiva. E é aqui que sublinho, o emergir de outra ameaça política que este governo está a gerar no seu seio e na oligarquia que governa o país, “a democracia musculada”, de que falava o dono da Mota Engil e a sua institucionalização pela prática governativa e com a revisão constitucional:

Perante a crise e o peso insuportável da dívida soberana, o estado da República de Portugal, o primeiro estado nacional verdadeiramente democrático para todos os cidadãos, no que respeita ao reconhecimento pela Constituição, que não na vida real, da igualdade de direitos políticos e sociais face ao poder e às leis, independentemente da classe, género ou cor da pele, o estado democrático, é retratado como um monstro gorduroso, confundindo democracia e desgoverno. E a direita triunfa nas eleições tendo como bandeira política o seu desmantelamento no governo e no texto constitucional.

A destruição do estado nacional e democrático é hoje uma consequência da nova globalização promovida pelo capital financeiro sem pátria nem controle pelo direito internacional, as nações africanas como as suas primeiras vítimas e agora os países da periferia da Europa. Como escreveu o liberal Paul Krugman, a propósito dos 6,7% de juros impostos à emissão da dívida portuguesa em Janeiro de 2011 :” A few more successes and the European periphery will be destroyed.”

O diktat da Troika e agora do orçamento de estado constituem uma forma inédita de neo-colonialismo na Europa democrática do século XXI. Tal como o assalto da tecnocracia financeira aos governos grego e italiano e a sua forte presença no governo português ( Vitor Gaspar).

Encontrar e aproveitar a mais pequena brecha no conglomerado de interesses da oligarquia, é a missão da táctica política, sobretudo quando a derrota é pesada e o risco de maiores danos para o movimento popular permanecem.

O governo Passo Coelho-Portas aceitou vender os últimos anéis do estado: privatizar parcialmente a CGD, entregar as suas posições nas empresas mais lucrativas, tornando o nosso estado miserável, incapaz de financiar a sua função social, mas também a segurança, a justiça, a educação, o serviço nacional de saúde, a segurança social ou a defesa nacional, e inclui entre os seus apoiantes os defensores de uma “democracia musculada”, e é preciso sublinhar este facto político, pois há outra alternativa a este governo, que é o de um governo mais autoritário legitimado por sucessivas alterações legislativas e, no culminar do processo, uma revisão constitucional.

Como há uma alternativa para a Europa dos 27, que é uma estratégia Federalista progressiva e discriminatória, com dois círculos de países, os mais ricos e poderosos que irão impor as cláusulas dos tratados e reservarão a zona euro para si e os arruinados pela crise, que partilharão apenas alguns dos acordos da União Europeia e poderão ser expulsos do Euro.

Que alternativa de acção táctica propõe FL e qual é o seu programa e objectivo estratégico:

Devemos por isso explorar, com os nossos aliados, a ideia de recuperar o Fórum Social – ou de abrir as portas a uma nova forma de rede global –, talvez de o reunir em Espanha, com os movimentos dos Indignados, para lançar uma agenda europeia para a luta contra a austeridade. E, com eles, manter os objectivos essenciais que definem o europeísmo de esquerda que temos vindo a defender.

Finalmente, a proposta da refundação da Europa é o centro do europeísmo de esquerda. Deve ser concretizada. Devemos trabalhar mais na sua explicitação, propondo por exemplo um novo Tratado que crie duas câmaras, um parlamento eleito directamente e uma câmara que represente em igualdade todos os Estados, para mobilizar as duas dimensões da Europa, ou uma única câmara com representação que evite a marginalização dos países pequenos e médios.”

Mas estamos afinal em presença de uma proposta de Federalismo Democrático, de dupla representação, nacional e cidadã: É a Utopia. É certo que FL não define os poderes atribuídos a estas Câmaras, mas se todos os cidadãos votam para uma delas e todos os estados, em pé de igualdade, tomam assento na outra, não é esta a base institucional e política do Federalismo…Democrático?

Escrevo democrático e não o classifico como socialista, porque esta última classificação política pressupõe uma vaga revolucionária, atravessando vários países, em favor de uma nova ordem social, socialista, que não se vislumbra no estado de consciência e de luta dos movimentos populares europeus.

Continuemos a especulação política, que nada tem de anti-científico, se se basear nas ciências políticas e na observação do fluir da realidade objectiva: Um estado europeu que realizasse a utopia das duas câmaras proposta por Louçã, seria provavelmente o melhor aliado internacional para a transição socialista de qualquer um dos seus membros onde o movimento popular conquistasse uma etapa mais elevada de democracia política, económica e social, uma nova ordem socialista.

Na experiência histórica do nosso país e essa é ainda uma lição actual da revolução democrática de Abril, os avanços mais profundos da revolução social tiveram como resposta o boicote económico, o cerco político e a ingerência estrangeira, mas apanharam igualmente toda a esquerda impreparada para ultrapassar a desorganização das forças produtivas e sem um programa para a democracia socialista. Esta questão, a da transição para o socialismo nas condições actuais, que é de programa, estratégia e acção táctica, nenhum partido a resolveu na Europa.

Seria a altura, e prossigo na utopia, de invocar a experiência da República Popular da China ( desconhecida e mal estudada), em sentido oposto: Em Macau e Hong Kong, os acordos de integração respectivos obedeceram ao princípio de “um país, dois sistemas”, exemplo maior de democracia política, sem paralelo em qualquer outro país e que baralhou os dogmas das ciências políticas. E permitiu manter o capitalismo na sua forma democrática naquelas duas regiões autónomas, em paralelo com o estado chinês que se auto-define como uma República Popular em transição para o socialismo (Artº 6º da Constituição da República Popular da China (1999)”. «A base do sistema económico socialista da República Popular da China é a propriedade pública socialista dos meios de produção, designadamente a propriedade de todo o povo e a propriedade colectiva do povo trabalhador. O sistema de propriedade pública substitui o sistema de exploração do homem pelo homem e aplica o princípio «de cada um conforme as suas capacidades, a cada um segundo o seu trabalho» «No período inicial do socialismo, o Estado persiste no sistema económico fundamental, tendo por principal a propriedade pública com o desenvolvimento conjunto da economia de propriedades diversificadas, e no sistema de distribuição tendo por principal «a cada um segundo o seu trabalho» com a coexistência de meios diversificados de distribuição.»)

Enfim, Portugal, ou outro pequeno país, que não pode evoluir desligado da economia mundial, dominada pelas potências capitalistas modernas, proclamando o direito a constituir uma nação autónoma e um estado socialista dentro da Europa democraticamente federada, segundo o princípio de uma Federação e dois sistemas. Utopia pura, face à conjuntura, mas seguramente uma realidade política mais fácil de impor nesse contexto político, do que numa Europa e num mundo dividido por estados concorrentes e dominantes.

Fim da utopia (Uma questão a estudar?) e regresso ao imprevisível fluir da realidade política, onde as formas do capital e do seu poder político se tornaram voláteis, como Marx previa. Numa situação tão grave e instável, a derrota eleitoral das oligarquias na França (Março 2012) e na Alemanha (2013) pode desencadear um movimento político sem precedentes que aponte para um caminho de reformas em sinal oposto ao percorrido.

Continuemos a analisar o plano táctico proposto por FL, para Portugal:.

Em primeiro lugar, rejeitamos a ideia de que não existem alternativas ao plano da troika…Exige-se por isso mais ofensiva, sacudir a letargia social, ganhar iniciativa.

Portugal precisa de vencer o plano da troika, porque ele significa empobrecimento e desemprego para no fim ter mais dívida (o maior aumento da dívida desde sempre, 125% do PIB em 2014, diz o Banco de Portugal). O fim da submissão à austeridade é a condição para a democracia poder decidir. É ela que define todo o nosso quadro de diálogos, convites e alianças.

• Devemos apresentar um plano para o emprego, indicando os sectores em que é possível desenvolver a economia: criar emprego a partir de uma política industrial baseada em novos sectores estratégicos, investimento público, reduzir em meia-hora o horário de trabalho em vez de o aumentar, proibir os despedimentos em empresas com resultados, etc.”

Responder a mais meia-hora com menos meia-hora, pode parecer simplismo, tem de ser explicado, tal como têm de ser concretizados os novos sectores estratégicos sugeridos como criadores de emprego. E a questão da “transição ecológica da economia”, que nasceu à esquerda do espectro político, não deve ser ignorada.

“…/…
• A alternativa imediata para recuperar a economia é a criação de moeda, e o Estado pode fazê-lo através do banco público, da capitalização da CGD e do efeito multiplicador que pode ter uma injecção de liquidez em investimento para o emprego, criação de novas indústrias, exportações e sobretudo substituição de importações.

Uma palavra mais sobre a criação de moeda. Esta é uma alternativa concreta à saída do euro e à desvalorização do escudo, e tem a enorme vantagem de não atingir os salários e rendimentos do trabalho, permitindo pelo contrário o aumento da actividade económica com custos de crédito mais baratos, orientados para a produção e portanto com mais possibilidade de equilibrar a balança externa.

É uma questão nova e carece de explicação, sobretudo se tem um alcance equivalente à saída do euro ou à desvalorização do escudo. Que quantidade de euros, em que escala de milhões estamos? A sua emissão é suportada pelas nossas reservas de valor? Não pode fazer crescer de forma incontrolada a inflação? A União Europeia não se lhe pode opor? Não é verdade que os bancos nacionais da Zona Euro não têm autonomia para imprimir dinheiro?

Prossegue FL, indicando uma nova frente de luta: “Em segundo lugar, e porque a apresentação de alternativas deve conduzir ao confronto social, é na luta contra a dívida que nos devemos concentrar. “

Finalmente a orientação central da táctica, segundo FL.

Assim, sugiro a seguinte orientação:

A ideia da renegociação da dívida deve assumir uma forma mais concreta: reestruturação. Ou seja, anulação de uma parte da dívida. A proposta, que tinha razão e ganhou força, é até cada vez mais apoiada por economistas diferentes, e mesmo por políticos de outras opiniões. Mas já está em segundo plano, porque respeita mais ao argumento do que ao movimento.

• No movimento social e na disputa directa, o centro deve ser a auditoria à dívida. E toda a clareza: a auditoria faz-se para recusar toda a dívida abusiva. Isso mesmo, serve para recusar pagar a dívida abusiva. Esse é o “não pagamos” que tem coerência. Atacar os credores onde eles são mais fracos, porque culpados. “

A auditoria da dívida conduzirá também à compreensão da origem e composição da dívida, isolando as proclamações esquerdistas que se pronunciam radicalmente em favor da consigna “não pagamos”. Por mais sincera que seja esta palavra de ordem, e aparentemente progressista, a verdade é que, por exemplo, metade dos nossos fundos de pensões está investida em títulos da dívida pública nacional, o que conduziria ao absurdo de provocar a falência e a perda de metade das pensões de reforma dos trabalhadores e cidadãos portugueses.

Mas o movimento para uma auditoria cidadã da dívida só terá sucesso movimento só terá sucesso político se for amplo e nacional, e sobretudo, se conseguir falar aos que “não pensam como nós”, se articular a acção dos especialistas com a mobilização dos cidadãos e com a luta política que confronte o estado democrático e as suas instituições e partidos, com o imperativo político, jurídico-constitucional e ético de promover o combate à corrupção e o combate à sua própria corrupção e para mobilizar os cidadãos com esse objectivo.

As alianças

Após as análises anteriores, FL está em condições de sistematizar a sua proposta política para a actual conjuntura:

Esta orientação tem uma ideia nuclear: sim, chama-se resistência. Mas, se a única alternativa à resistência que quer criar movimento social é procurar uma fantasia – o nacionalismo, o capital exportador, ou o federalismo de António José Seguro – então é preferível mesmo fazer resistência

E, se é política a sério, discutamos que interessa na política: as alianças. O federalismo serviria para nos juntarmos ao PS. “

É aqui que devia entrar a avaliação da política de alianças do Bloco e dos outros partidos de esquerda, que conduziu à derrota eleitoral e à perca de influência política de todos os seus partidos. Reproduzo aqui a minha contribuição sobre a matéria, apresentada em anterior artigo, publicado no âmbito deste debate com o título “Miséria do Estado e Estado Miserável. Porque perdeu a esquerda as eleições!?” E actualizo-a.

 

A arte do compromisso e a política de alianças

A arte do compromisso é uma das componentes da coerência reformadora e revolucionária, sob o princípio de que é válido todo o compromisso que permite elevar e não rebaixar a consciência popular.

Não podemos considerar que exista uma generalizada cultura política em Portugal: tal não acontece em virtude da substituição da propaganda política organizada dentro e fora dos partidos, pelas acções de agitação eleitoral mediatizadas; por causa da transformação das juventudes partidárias em antecâmaras dos corredores do poder; pela redução da actividade partidária aos períodos e formas de acção eleitorais; pelo esvaziamento da democracia dos congressos e da sabedoria colectiva dos órgãos partidários. Pela escassez de informação política de qualidade na comunicação social, sobretudo sobre temas internacionais e pelo enfraquecimento da educação política nas escolas públicas e privadas, sobretudo no ensino superior, com um crescente preconceito contra as ideias rotuladas de marxistas….À medida que saímos do centro urbano para as periferias, da cidade para o campo, reencontramos o analfabetismo (ainda quase 1 milhão de pessoas em Portugal) e um ainda mais vasto analfabetismo funcional, acompanhados por um elevado índice de iliteracia política.

Se o fenómeno de degradação da vida democrática dos partidos políticos afecta sobretudo os da oligarquia no poder, acabou por se disseminar entre a esquerda, nuns casos substituindo a acção política pela acção sindical e noutros pela concentração da actividade organizativa e de acção política no aparelho eleitoral. O enfraquecimento do PCP nas autarquias e empresas, a fragilização da organização sindical e cooperativa, a reduzida expressão política do BE nestes campos políticos, são o sinal de que também nesta esquerda o trabalho político de base tem vindo a decair ou está por fazer, mais acentuadamente no mundo rural e em torno dos problemas da crise ambiental.

Alianças políticas e governo de coligação da esquerda

As alianças políticas não podem ser confundidas e reduzidas à participação no “governo de coligação”.

Quando PS, PCP e BE convergiram no parlamento para despenalizar o aborto, esse foi um acto político de aliança. Quando, no passado, todas as forças de esquerda convergiram para a vitória de Mário Soares sobre o candidato presidencial da direita, ou para apoiar as candidatura de Sampaio (à Câmara de Lisboa ou à Presidência da República) ou de Alegre, estamos de novo em presença de alianças políticas pontuais concretizadas num objectivo e num programa.

Portanto, não só é redutor olhar a política de alianças, no terreno da luta pelo poder e pelo controle dos órgãos de estado, apenas na óptica da coligação ( com partilha de cargos governamentais), como é ignorar a própria experiência política nacional e do movimento popular.

Assim, “a impossibilidade histórica de as esquerdas se entenderem em Portugal”, opinião comum entre os politólogos de esquerda, como a de André Freire e sobretudo propagandeada pela direita para se afirmar como a única alternativa estável de governo, também não corresponde à realidade política do país, mas continua a ser muito eficaz na propaganda eleitoral.

“Mais recentemente, o Bloco apresentou 15 propostas concretas para o Orçamento em negociações propostas pelo governo, e confirmou que votaria um orçamento que consagrasse a prioridade do emprego e do salário qualificado (ignoro se Freire discorda destas 15 medidas, porque nada diz sobre o que deve fazer o governo)”, escreveu Francisco Louçã no âmbito do debate em curso (“Para pensar o futuro: vale a aposta de um governo de coligação dentro da economia cruel?”) E esta foi uma proposta de participação na política de governo de Sócrates, arrancando-lhe um compromisso mínimo em defesa dos direitos democráticos e populares. E conclui Louçã: “Mas o governo virou-se naturalmente para o PSD, porque era quem lhe garantia o ataque ao Estado social e o corte nos salários.”

Ora esta acção táctica, passou praticamente despercebida na opinião pública nacional e o que prevaleceu, nos meses seguintes, foi uma orientação de sinal contrário: moção de censura para derrubar o governo numa correlação de forças desfavorável à esquerda. Na altura em que o governo Sócrates ainda resistia à entrada da troika e à pressão das agências financeiras, e recuperava para o PS outros valores da esquerda, nos costumes ( a legalização do casamento homossexual), na educação ( as “novas oportunidades”), no ambiente ( as energias renováveis), e aqui o que conta não é a”nossa” consciência crítica da inconsequência do PS nestas políticas, mas o modo como elas são percepcionadas pela sua base popular. Estas políticas de “esquerda” trouxeram (provavelmente) de novo para o PS uma parte do seu eleitorado, tal como (provavelmente), as conversações Bloco/PCP terão trazido outros, os que conservam preconceitos anti-comunistas.

Governo democrático de esquerda e programa de transição para o socialismo

Esta oscilação táctica (que incluiu uma reunião com a direcção do PCP sem resultados políticos nem sequer o da sua continuidade) e uma grande crispação interna como ponto de partida para o debate destes temas, evidenciam que o problema das alianças políticas e da alternativa de governo e de poder, é fundamental para o futuro político do Bloco e da sua unidade (as dissidências e os abandonos não depuram nem reforçam os movimentos políticos democráticos, antes enfraquecem-nos e os maus métodos de discussão radicalizam estupidamente as posições; neles, movimento políticos democráticos, a decapitação e a morte política são abolidos).

Exige-se pois um debate aprofundado, que retire lições da experiência da revolução em Portugal e da luta política na Europa (e Louçã convoca a trajectória dos Verdes e da Refundação Comunista, questão pertinente mas face à qual é preciso dizer que estes partidos são de uma matriz muito diferente do Bloco e que no caso dos Verdes a sua evolução política ainda decorre), mas também de outras experiências internacionais. Como no Brasil, onde, sem perda de coerência programática e autonomia partidária, as forças revolucionárias que lutam pelo socialismo fazem há muito parte da maioria de governo do PT. Um debate que conduza à reavaliação da estratégia, da táctica mas também à elaboração do programa de transição para o socialismo.

 

 

O Federalismo ou os Federalismos? A luta de classes no seio da social-democracia

E retomo à conclusão de FL: “E, se é política a sério, discutamos que interessa na política: as alianças. O federalismo serviria para nos juntarmos ao PS. “

O conceito de Federalismo engloba diferentes conteúdos políticos e na proposta de FL, a realizar-se, a que chamei Federalismo Democrático, seriam os velhos partidos socialistas europeus, os partidos do chamado socialismo democrático e da social-democracia a aderir parcialmente ao programa e “a juntar-se” às forças do novo socialismo. E não o contrário. Julgo que é esta questão que o PCP e alguns sectores do BE, não percepcionam a maior parte das vezes na sua acção táctica, porque não reconhecem, paradoxalmente, que mesmo na derrota e no sofrimento incomensurável, o movimento popular vai fazendo caminho e aumentando a consciência política “nos de baixo”, obrigando “os de cima”, instalados à esquerda e à direita do “arco do poder”, a ceder privilégios para conservar o essencial do sistema, desvalorizando também os reflexos da luta de classes dentro dos partidos social-democratas e outros. Esta é uma das origens do radicalismo, ou da rigidez na táctica.

A política do partido Socialista Francês, do Partido Trabalhista da Grã-Bretanha, do PS em Portugal, do PSOE em Espanha, liberalizou o mercado, contribuiu para que o sistema financeiro passasse a controlar a economia e se instalasse nos paraísos fiscais, reduziu o estado social, apoiou intervenções militares em países soberanos, em nome de uma terceira via que serviu apenas para degradar a imagem do socialismo e virou contra ele grandes massas eleitorais. Após as derrotas históricas nestes países, os seus dirigentes, sem ideologia nem programa alternativos, mas sobre pressão da opinião pública e do movimento popular e das suas bases, viraram-se para as alternativas políticas e de alianças políticas geradas à sua esquerda, procurando regressar ao poder, pragmaticamente ou por genuína consciência reformadora, a vida e a prática nos dirá. E é verdade que esta viragem visa não só recuperar terreno eleitoral à esquerda, como comprometer e, em última análise, absorver os novos partidos e movimentos de esquerda.

Podemos observar esta evolução política na aliança do PS galego com o BNG no governo regional, do PS catalão com a Esquerda Republicana, mas sobretudo na Alemanha, com acordos parlamentares e de governo com os Verdes ou mesmo com o Die Link ( o partido comunista da RDA renovado) nos estados alemães onde a CDU conservadora saiu vencida. Estes dirigentes socialistas (social-democratas), sobre forte pressão das suas bases e do movimento popular, aceitaram defender as reformas nos costumes (despenalização do aborto, casamentos homossexuais…) e evoluíram recentemente para propostas políticas mais globais e reformadoras, como a criação de eurobonds_obrigações europeias que mutualizam parte da dívida, a obrigação do BCE de comprar dívida soberana de cada Estado e, até a extinção dos paraísos fiscais, que FL coloca como objectivo imediato na sua plataforma do “europeísmo de esquerda”. Propostas aparentemente iguais na forma mas diferentes no conteúdo? É o que veremos, sobretudo se esses dirigentes forem confrontados com a pressão do próprio movimento popular.

E também aqui o que conta não é a”nossa” consciência crítica da inconsequência dos partidos social democratas e do PS português nestas políticas, mas o modo como elas são percepcionadas pela sua base popular e eleitoral.

As votações em favor da direita em Portugal como em Espanha e antes na Alemanha e no Reino Unido, evidenciam a falência da alternativa política da chamada 3ª via, leia-se a política neo-liberal levada à prática pelos “trabalhistas, socialistas e social-democratas”.

Mas hoje e na França a esquerda, em 50 anos, é pela primeira vez maioritária no Senado. Na Alemanha, como na Itália, a esquerda venceu todas as eleições intercalares. E, de novo em França, 2 milhões de eleitores, após uma vastos e plural debate político que englobou 7 candidatos, votaram nas primárias socialistas para a escolha do seu candidatado às presidenciais, votação que foi aberta a filiados e não filiados que tinham de subscrever um compromisso político e pagar para o efeito um euro!

Analisemos então as propostas do PSF para a Europa, apresentadas pelo vencedor e agora candidato às presidenciais de Março de 2012, François Hollandde, no documento intitulado “Le Rêve Français”.

Os eurobonds e a mutualização da dívida contra a especulação financeira : « Au sein de la zone euro, il s'agira de défendre l'instauration des euro-obligations qui permettra à l'union monétaire de faire face aux tentatives de déstabilisation qu'elle subit à travers la spéculation sur les dettes souveraines des Etats en difficulté. »

A obrigação do BCE de comprar dívida soberana de cada Estado « Je crois aussi que le rôle de la BCE comme prêteur en dernier ressort est une nécessité dans les situations de crises, et je défendrai cette évolution auprès de nos partenaires européens. »

E até, no que respeita à dívida pública francesa, que atinge 700.000 milhões e é acompanhada por um deficit da Segurança Social de 135.000 milhões de euros, a proposta de uma reforma fiscal que irá incidir sobre a unificação de todos os rendimentos e será progressiva em relação com os mais elevados, acompanhada po um programa de reequilíbrio da dívida deferido até 2017, de modo a permitir o crescimento da economia e do emprego.

« C’est la raison pour laquelle je propose une réforme fiscale avec un impôt sur le revenu unifié et progressif qui porte le sacrifice sur ceux qui sont le plus capables de le supporter : les revenus les plus élevés. »

Finalmente, e no que respeita às zonas francas e paraísos fiscais, « Une révision de la fiscalité des territoires sera également introduite et une évaluation strictes de ces niches fiscales, innombrables et baroques sera effectuée afin que n’existe plus de refuges pour des privilèges injustifiés. », uma reforma que conduza ao fim dos seus privilégios.

Este programa será referendado em Março próximo e as sondagens dão-lhe a vitória nas presidenciais francesas. Se os social-democratas se vêm compelidos a defender hoje o que recusavam à esquerda apenas há alguns meses, não apenas no governo, mas também na oposição, é porque as alternativas de esquerda fizeram o seu caminho no movimento popular e no eleitorado da França.

Mas atenção, há neste discurso uma outra proposta que procura impor o federalismo orçamental em torno do eixo franco-alemão e dos países fundadores da União Europeia, agora em nome da necessidade de construir um programa de crescimento económico e “de transição ecológica” da economia, contra a recessão e que deixará num segundo círculo de menor cooperação aqueles outros países que não aceitem as políticas defendidas por esse primeiro círculo decisor. E ainda a proposta de entregar ao G 20 ( os 20 países mais ricos) e ao FMI a tarefa de regular os desequilíbrios orçamentais e reformar o sistema monetário internacional, sem mencionar qual será o conteúdo dessa reforma e identificar a instância internacional que a regulará, desvalorizando cada vez mais o papel das Nações Unidas.

« Je préconise une méthode nouvelle avec la distinction de deux cercles concentriques : les pays fondateurs autour de la France et de l’Allemagne qui définiront une politique commune et les objectifs à mettre en œuvre et un second cercle incluant l’ensemble des adhérents qui participeront selon leur choix aux politiques communes. »

“.. le G20 règlera la question des déséquilibres commerciaux, le FMI devra avoir la responsabilité de la réforme du système monétaire international, le tout sous l'autorité d'une instance politique internationale qui prendra la responsabilité de la résolution de ces questions monétaire, commerciale et financière. »

As contradições internas do eixo franco-alemão têm uma base económica real e é ela que determina a política dos seus líderes: o deficit do comércio exterior francês sobe a 75.000 milhões de euros, enquanto que a Alemanha apresenta um excedente de 150.00 mil milhões. Mas a burguesia alemã está prisioneira do seu próprio sucesso: 2/3 das exportações da Alemanha têm como destino a União Europeia, a sua recessão é o caminho para a crise alemã. E os bancos alemães são também detentores de uma boa parte da dívida soberana. Por isso, mesmo na actual conjuntura, tornou-se realidade mais uma das consignas do programa do europeísmo de esquerda proposto por FL: a reestruturação, com redução para 50%, da dívida grega!

No entanto, a última cimeira do Conselho Europeu avisa: “Reiteramos claramente que as decisões adoptadas em 21 de Julho e 26/27 de Outubro em relação à dívida grega são únicas e excepcionais.” (Declaração dos Chefes de Estado ou de Governo da Zona Euro. 9/12/2011). Mas os mercados financeiros voltam a colocar a questão na ordem do dia: Países como Grécia, Espanha, Portugal e Itália operam no limite insuportável de juros próximos ou acima de 7% ao ano em títulos de longo prazo. Há três meses, esses juros não passavam, em média, de 4%. O banco britânico Barclays Capital estima que seja necessário um programa de resgate somente para as economias italiana e espanhola, no valor entre € 500 mil milhões e € 800 mil milhões para os próximos 24 meses, muito mais do que dispõe o FEEF_MEE, Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF) e Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), 500 mil milhões de euros (670 mil milhões de USD).

Vejamos agora, o que aconteceu na Convenção do SPD alemão do passado 5 de Dezembro, já que foi este partido, sob a liderança de Scröder, que levou mais longe a conversão dos partidos social-democratas em partidos ao serviço das políticas neo-liberais, no caso da Alemanha, em coligação governamental com a conservadora CDU, num processo políitico que FL classificou e bem, como “A política que dirige a Europa é autoritária mas consensual entre a direita e a social-democracia”. E, que nos interessa particularmente, porque a matriz original e o financiamento e suporte político do PS português, é o SPD e a criatura transporta sempre a marca do seu criador.

A figura central do congresso foi o velho líder da esquerda social-democrata
e antigo chanceler Helmut Schmidt, opondo-se à austeridade e ao diktat da CDU sobre os países europeus, preconizando ao contrário uma política comum de crescimento e de criação de emprego. “We Germans cannot force our economic or social model on to European partners as model or benchmark, merely offer it as one example among many realities. Without growth and new jobs no state can reorganize its budget.”

O líder parlamentar Steinmeier, que apresentou a moção sobre política europeia, defendeu a o recurso aos Eurobonds antes de 2013, através do Fundo de Resgate Europeu ( mil milhões de Euros), classificando-os como o núcleo criador do Fundo Monetário Europeu. Defendeu a criação de uma taxa sobre as transacções financeiras europeias, para aplicar em medidas anti-recessivas, e a harmonização de taxas, contra a “tax dumping”. que podemos enquadrar na linha de outra proposta de FL, sobre “A criação de regras fiscais comuns como uma taxa mínima para o IRC, para evitar a concorrência fiscal entre Estados”. Sigmar Gabriel, actual líder do SPD e protegido do direitista Shcröder, avalizou esta viragem à esquerda. Mas as eleições federais estão agendadas apenas para 2013!

O Partido Trabalhista inglês, berço da 3ª via, parece ser aquele que mais resiste a uma viragem táctica. Mas, sobretudo ele, não pode ficar indiferente aos mais de dois milhões de ingleses que saíram às ruas na quarta-feira 30 no Reino Unido, contra o aumento das contribuições para a previdência.

Não está nas nossas mãos prever mecanicamente ou evitar o caminho Federalista da Europa. A rigidez de posições nesta matéria poderá conduzir a novas oscilações tácticas e à desorientação da base de apoio do Bloco. É preciso deixar claro quais são os conteúdos políticos federalizantes que a esquerda não pode aceitar e, se esse for o caminho objectivo, que a correlação de forças na Europa imponha, defender as alternativas que possam reforçar os direitos democráticos dos cidadãos e das nações. E é esse o sentido geral da táctica imediata proposta por FL.

A luta contra o acordo imposto pelos conservadores alemães, é o combate contra um federalismo fiscal que destrói a independência do estado nação, porque passa a decidir sobre o seu orçamento, que é a base da acção política autónoma do seu governo democrático, esvaziando uma conquista civilizacional secular. Constitui uma nova tarefa de frente ampla, capaz de promover um combate mobilizador de todas as forças populares e democráticas.

A táctica do PCP

Mas voltemos a acção táctica, agora para analisar em paralelo a conduta política do PCP: Na sua crítica justa às políticas direitistas do PS, aquele partido tem demonstrado uma grande incapacidade para captar a simpatia das suas bases populares. Tal fica a dever-se, na minha opinião, a uma táctica rígida que trata o PS em muitos contextos políticos como inimigo principal, não considerando relevantes as suas contradições com os partidos de direita e as suas contradições internas, a luta de classes dentro do PS, que fez emergir no passado movimentos políticos como o de Lopes Cardoso (Para as legislativas de 1980, Mário Soares, na tentativa de derrotar a AD, fez uma coligação com a U.E.D.S. de Lopes Cardoso e com a ASDI, a Frente Republicana Socialista. Não resultou e a AD de Sá Carneiro e Freitas do Amaral voltou a ganhar com maioria absoluta. Lopes Cardoso e os seus camaradas da U.E.D.S., voltaram ao PS e nunca mais se manifestaram mais à esquerda ) e candidaturas presidenciais como a de Manuel Alegre.

Mas essa impotência política também se deve à incapacidade para apresentar uma alternativa de poder e de programa de governo para a nossa democracia constitucional e para elaborar um novo programa de transição para o socialismo, vitorioso que foi na Revolução Democrática de 74/75, mas também esgotado, o programa elaborado por Álvaro Cunhal em 1964, “Rumo à Vitória, As Tarefas do partido na Revolução Democrática”.

Finalmente, e não menos importante, as alternativas e propostas políticas parciais do PCP não chegam à opinião pública, e, pelo contrário, são muitas vezes deturpadas; não me recordo de ver no Expresso, em 50 anos, um único artigo que transcrevesse fielmente as posições do PCP ou emitisse uma opinião que lhe fosse favorável. Uma descriminação que, receio, atinja também e cada vez mais o BE.

A necessidade de uma táctica de frente ampla

Seria interessante perceber porque é que o Bloco foi, em eleições anteriores, capaz de captar também votos de eleitores tradicionais do PSD e CDS, e de abstencionistas, agora perdidos.

A estreiteza na táctica da esquerda e o seu sectarismo não se manifesta apenas na incapacidade para valorizar na acção política e na política de alianças as posições políticas comuns, mesmo que pontuais ou de menor relevância; é ainda mais grave na incapacidade histórica para disputar o apoio político de grandes massas populares que a direita consegue manter sob seu controle político e constituem a sua base de apoio eleitoral. E, no entanto, ficou provado que batalhas políticas e eleitorais, como o movimento gerado em torno da libertação dos presos políticos antifascistas em greve de fome, coordenada pela Comissão de Solidariedade_CSPA, como a da primeira conquista da Câmara de Lisboa à coligação de direita ou, anteriormente, a candidatura independente de Lurdes Pintassilgo às presidenciais, tal como os votos no Bloco provenientes de abstencionistas e votantes em branco, novos eleitores e mesmo votantes tradicionais da direita, representaram alternativas de esquerda que encontraram apoio mais amplo em novos sectores populares.

É para responder a esta questão, que se torna necessário abrir outras frentes de trabalho, para além do europeísmo de esquerda, da luta contra a dívida odiosa, do desenvolvimento sustentado e pelo emprego, enfrentando problemas que têm de receber uma nova atenção política da parte dos dirigentes de todos os partidos de esquerda.

Se o Bloco, na sua fase de ascensão política, falou sobretudo às minorias marginalizadas, que fale agora às maiorias marginalizadas pela crise financeira e pela política neo-colonial da troika.

A renegociação da dívida das famílias e empresas em risco de insolvência, tem de passar para o primeiro plano das propostas e da acção política!

Uma terceira frente de batalha política

É hora de abrir uma terceira frente de batalha política, com questões de importância nacional e europeia, “fracturantes” porque confrontam políticas, menos evidentes, mas que são de facto movidas pelos interesses do capital financeiro e consequência da sua natureza antidemocrática, soluções políticas novas que são indispensáveis para construir uma alternativa global à esquerda,

_Como a renegociação da dívida das famílias insolventes, sobretudo em defesa da habitação familiar, com o apoio da banca pública e privada. Essa renegociação deverá assentar na amnistia da dívida ao fisco e à segurança social ( quando co-existir) em 50% e das coimas fiscais e juros em 100 %, estabelecendo prazos mais alargados para o restante pagamento. E no que respeita ao crédito à habitação, na redução de 50% da dívida contratada à banca e na ampliação do seu prazo de pagamento sem juros.

_como a renegociação da dívida das empresas em risco de insolvência “fortuita” ( sem dolo jurídico), em defesa do emprego, com amnistia de 50% das dívidas à Segurança Social e às Finanças, perdão das coimas fiscais e juros devidos, e prazos dilatados de pagamento.

_Como a promoção do movimento cooperativo de produção, comercialização e consumo, apoiado na banca pública e privada, como forma de organização colectiva para acesso ao crédito e para a produção, comercialização ( e exportação) e aquisição de bens sociais e de produtos nacionais de substituição das exportações.

_ Como o futuro demográfico de Portugal (menos 1 milhão de jovens e mais 900.000 idosos, no censo de 2011), a previsão da queda da nação para 7,5 milhões de habitantes num prazo de apenas algumas dezenas de anos, num país que não será para velhos nem para novos e a construção e liderança de um projecto capaz de obter o mais amplo consenso nacional para suster e resolver este problema, que é de sobrevivência nacional!?

_A democratização da justiça e a racionalização e qualificação do Serviço Nacional de Saúde e da Escola Pública. (Na saúde como na educação, o Bloco tem políticas e alternativas estruturadas e respeitadas, sobretudo na primeira, embora pouco divulgadas).

_A salvaguarda da Segurança Social, sobretudo do sistema universal de pensões de invalidez e de reforma e o seu reequilíbrio em favor das pensões mais baixas

_A democratização das forças armadas e militarizadas e a redefinição da sua missão nacional orientada estrategicamente para evitar a guerra e proteger a soberania nacional, para a Defesa Civil ( onde se insere não apenas o enfrentar das catástrofes humanitárias, mas também o combate aos incêndios, apoio às forças de segurança no combate ao crime organizado e o combate contra o terrorismo) e para as tarefas de pacificação e resgate dos conflitos internacional, estendendo esta cultura às forças policiais e a todo o aparelho repressivo do estado

_O relançamento do movimento pela Paz mundial sob a consigna de destruição e proibição de todo o arsenal atómico e químico mundial, mais ampla e mais importante que a mera dissolução da NATO

_ A superação do deficit externo, origem estrutural da dívida soberana,

no quadro de retoma do Plano Estratégico para os Oceanos, território marítimo que é a última reserva da riqueza nacional e cuja soberania a UE reclama, mas a quem reconhece a necessidade de uma nova gestão integrada e ambiental

e da luta contra o ermamento do mundo rural, questão ambiental de suma importância,

Questões políticas que estão para além da querela eleitoral e precisam de ser abordadas na perspectiva de um programa e de um governo democrático de esquerda. Algumas delas susceptíveis de serem usadas de imediato ma luta política de massas e na acção legislativa parlamentar.

E volto a questionar-me: O movimento é tudo, a alternativa de poder, nada? Não está claro, neste problema crucial, o pensamento político de FL.

FL escreve: “A greve geral que foi hoje convocada é uma boa prova provada desta política. Ela não tem como objectivo qualquer sonho do Estado Europeu, nem muito menos a exigência da saída do euro. Nem podia, pois não? Tem a plataforma correcta que junta mais gente, a da rejeição dos cortes dos subsídios ou dos aumentos dos impostos, a defesa do salário e de uma política de emprego. Chama-se resistência e responde pelo país – é a luta pela hegemonia e cria acção social. É nessa acção que se aprende e que se erguem alternativas. Como dizia alguém, é sempre da prática que vêm as ideias justas. Vamos à luta.”

O PS, sem a acção política independente dos partidos à sua esquerda, jamais se renovará, mas, a flutuação política da sua base popular nos últimos anos, parece indicar que só o confronto provocado pelo exercício do poder, no quadro de um programa independente apresentado “em baixo” mas também negociado “ em cima “ à sua esquerda, nas condições actuais do país e da Europa, conduzirá à diferenciação política das suas tendências. Isso foi visível quer na transferência inicial de votos para o BE, quer no peso que Alegre teve ao confrontar Sócrates internamente e nas primeiras eleições presidenciais a que concorreu.

Mas um governo democrático de esquerda, se realizável no actual horizonte político e eleitoral, assentará provavelmente num PS ainda hegemónico e numa aliança política mais ampla (questão que não se deve confundir com o governo de coligação) com o PCP e o Bloco de Esquerda, ou mesmo com novos partidos e movimentos políticos heterodoxos que a crise e a revolução democrática contemporâneas fazem nascer, e tenderá a ser socialmente alargada ao movimento sindical, cooperativo (que é uma alternativa para resistir à crise), de desempregados e precários, às instituições de solidariedade social, autarquias e entidades de administração regional e, incontornavelmente, ao mundo empresarial e financeiro.

Identificado a principal ameaça à democracia e ao socialismo, como refere Louçã, “ …o sector da burguesia que tem dominado os governos do PS e do PSD-CDS é o que produz bens não-transaccionáveis, e que por isso coloniza o Estado para garantir o apoio à banca, aos empresários das obras públicas, da especulação imobiliária, das grandes superfícies, dos casinos, dos monopólios naturais, da energia e das comunicações. É o capital financeiro.”

A esquerda, quando e se sair vencedora da luta democrática pelo poder, não terá nem os quadros, nem os recursos financeiros, nem a solidariedade europeia e internacional das forças progressistas, suficiente para realizar o seu programa de defesa e aprofundamento da democracia política, económica, social e ambiental.

Terá então de incluir num compromisso civilizacional, ou, em linguagem mais política, num programa de frente ampla, não apenas a grande maioria dos pequenos e médios empresários, proprietários e investidores, que constituem o tecido empresarial do país e estão situados nos sectores em crise da construção civil, comércio, turismo e produção alimentar, carteiras de investimento e poupança, mas estender-se à banca e às grandes empresas ( ainda haverá bancos e grandes empresas “nacionais”?) que aceitem o seu programa de criação de emprego, riqueza nacional e desenvolvimento sustentável do país.

Os partidos de esquerda têm de elaborar a táctica e uma estratégia que lhes permita enfrentar a catástrofe iminente, em qualquer correlação de forças.

O BE e todos os partidos de esquerda, falam em primeiro lugar para o movimento popular. Mas precisam de falar claro uns com os outros:

Se a ofensiva da direita tiver sucesso, ela chegará até à subversão dos direitos democráticos fundamentais da Constituição e ao governo musculado.

Se a resistência popular tiver sucesso, ela tem que se materializar num governo que aceite e realize um programa mínimo de esquerda, que terá de reconstruir não só um estado reduzido à miséria mas também uma nação empobrecida. E esta tarefa, atravessará gerações e custará rios de suor e lágrimas e, esperamos, mais nenhum sangue.

 

22 de Dezembro de 2011

 

António dos Santos Queirós_ Não filiado no Bloco

Termos relacionados Debates 2011
Comentários (2)