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Mineiros tornam-se emblema de luta contra cortes em Espanha

Cento e sessenta trabalhadores das minas de carvão do norte do país marcharam até Madrid durante 20 dias para protestar contra o fim das subvenções ao setor, o que deve colocar centenas de pessoas na rua. Mesmo com o apoio massivo da população, ninguém foi recebido pelo governo e a marcha terminou com 76 feridos em confrontos com a polícia. Por Naira Hofmeister, publicado na Carta Maior.
Mineiros em manifestação em Madrid - Foto do site das CC OO

Madrid - Quando os 160 mineiros saíram das regiões carboníferas ao norte da Espanha, há exatos 20 dias, poucos acreditavam que a promessa de marchar até à capital do país – em protesto aos cortes de subvenções que o governo de Mariano Rajoy determinou como parte dos ajustes anticrise – fosse vingar.

Mas eles não apenas entraram em Madrid, como conquistaram o apoio massivo da população por cada povoado onde passaram ao longo dos 400 quilómetros de trajeto feito a pé. No entanto, o único encontro que esperavam ter, na sede do Ministério da Indústria foi frustrado: o governo recebeu os mineiros com o batalhão de choque da polícia e o confronto terminou com 76 feridos.

Milhares de madrilenos haviam saído de suas casas na noite de terça-feira para apoiar a marcha noturna pelo centro da cidade – que terminou depois da uma da manhã –, e as expectativas dos sindicatos, de que de a jornada derradeira do protesto, na manhã desta quarta-feira fosse reunir 25 mil pessoas “ficou pequena” segundo o diário “El País”.

Ocorre que ao cabo dos 20 dias de marcha, os carvoeiros se transformaram no símbolo de todos os cidadãos descontentes com a política de cortes imposta pelo governo. “Neste momento os mineiros são os únicos que dão mostras de luta para a sociedade”, resumiu o funcionário do metro de Madrid Carlos Ortega, 55 anos, que caminhava tranquilamente ao lado da multidão, sob as árvores, com um livro de suspense de Mary Higgins Clark entre as mãos – todo um contraste com os ânimos arrefecidos dos manifestantes.

Curioso é que no dia em que a Marcha Negra, como foi apelidada, entrou em Madrid, o país tinha que aceitar uma intervenção não declarada (embora com todo o impacto que possa ter) da União Europeia, que reduziu os poderes do ministro da Economia, Luis de Guindos, para dar mais autonomia ao Banco da Espanha.

E enquanto os trabalhadores da mineração caminhavam rumo ao Ministério da Indústria, o presidente Mariano Rajoy anunciava o fim do pagamento especial de Natal aos funcionários públicos e uma nova subida de impostos – o que significa outra quebra de promessa de campanha.

De certa maneira, até o problema com o setor da mineração é resultado de um pacto rompido: Rajoy eliminou do orçamento da União os 175 milhões de euros destinados ao setor a título de subvenção – valor que já era inferior ao pactado no Plano Carvão 2006-2012 e que o anterior presidente, José Luis Rodríguez Zapatero também reduziu durante o seu mandato.

Apoio popular

A marcha dos mineiros dessa quarta-feira saiu da Praça Colombo, coração do bairro da burguesia madrilena, e terminou quase na Praça de Castilha, centro empresarial da cidade. Passou diante de inúmeras instituições bancárias, incluindo várias das que receberão o dinheiro do resgate espanhol que alcança o valor 100 mil milhões de euros, que começam a ser pagos ainda em julho.

“Prefiro resgatar um mineiro que um banqueiro”, dizia um cartaz entre os milhares que se podiam ler na manifestação.

A interação entre público e manifestantes era visível até nas palavras de ordem. Foi o que aconteceu quando, depois de uma parada na marcha para cantar o hino a Santa Bárbara, a patrona da mineração. Ao final da canção, o público, aplaudindo, cantava: “España entera!, siempre minera!” - ao que os manifestantes emendaram: “Ese pueblo!, sí nos quiere!”. Em seguida veio a réplica do público, que dizia “Esta es mi selección!” - uma alusão aos título da Eurocopa de futebol recém-conquistado pelo país e que foi objeto de debate depois que o presidente Rajoy, ao despedir-se dos jogadores antes da competição pediu: “Ganhem, meninos, porque a Espanha precisa de um pouco de alegria”.

Até que a simbiose se completou: quando os trabalhadores das minas de carvão cantaram “Mineros, unidos,! jamás serán vencidos!” e imediatamente, ao redor da marcha, centenas de gargantas iniciaram simultaneamente a cantar: “El pueblo, unido, jamás será vencido”.

Uma das apoiantes era a aposentada Angeles Gomez Losada, de 88 anos, uma senhora que caminhava com dificuldades no meio da multidão, mas que fez questão de prestigiar os mineiros. “O que mais importa é que as pessoas os vejam. É uma de todos tomarem consciência”, ensinava.

Carisma e brutalidade

É verdade que além de serem o grupo organizado que neste momento recebe as atenções do país – antes foram os Indignados e os ativistas da greve geral de 29 de março – em razão dos protestos contra a política de austeridade levada a cabo pelo Partido Popular, que só faz acatar as ordens ditadas pela União Europeia, os mineiros contam também com a simpatia da população.

As histórias de superação “desse setor tão maltratado” – como definiu o trabalhador do setor de serviços José Delfín, que veio dar o seu apoio –, contadas pelos jornais durante os 20 dias de caminhada intensa dos mineiros, além das fotos dos pés repletos de bolhas, comoveram o país.

São narrativas como a de Mar Sánchez, 41 anos, que trabalha 700 metros debaixo da terra. “É um trabalho sub-humano”, admite. “Tens hora para entrar na mina e não sabes se vais sair. Todos os dias morrem mineiros enquanto estão trabalhando... aconteceu com o meu pai, quando tinha 47 anos”, resume a mulher.

Mesmo diante desse sofrimento, é muito comum que famílias inteiras das regiões de Astúrias, Leão, Palência, Aragão e Castilla La Mancha sobrevivem da mineração. “Não temos escolha porque lá não há outra coisa para fazer”, lamenta Juanjo Alonso, 30 anos, mineiro como sua mulher, seu sogro, seu irmão e seus cunhados. “Por isso vamos lutar até que isto termine, isto acaba de começar”, ameaça, com uma bandeira republicana pendurada num cajado – instrumento que virou ícone do protesto.

Outra característica desses manifestantes – que tem lá os seus admiradores – é a agressividade que demonstraram durante a Marcha Negra. Em Madrid, por exemplo, a cada minuto explodiam petardos no meio da multidão e o confronto com a polícia foi também consequência da hostilidade demonstrada pelos manifestantes que atiravam pedras nos agentes de segurança e gritavam acusações.

Artigo de Naira Hofmeister, em direto de Madrid, publicado por Carta Maior

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