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A paranoia do empreendedorismo

O discurso hegemónico tem vindo a propalar o conceito de empreendedorismo como se nele residisse a chave para todos os problemas. Na semana passada, assistimos a mais um ponto alto desta bizarria: músicos, arquitetos, estilistas transformaram-se em “jovens empreendedores”, num jantar que Cavaco Silva ofereceu aos Príncipes das Astúrias.

Esta necessidade constante de difundir o conceito de empreendedorismo não é inocente: ela responsabiliza individualmente as pessoas desempregadas pela sua situação fazendo pender sobre cada desempregada/o a responsabilidade de se fazer à vida e criar o seu próprio negócio. Por outro lado, desresponsabiliza convenientemente o Governo, que tem a obrigação de fomentar a economia e o emprego, contribuindo para a criação de condições que permitam que todas as pessoas possam aceder o seu direito constitucional ao trabalho.

Um risível mas exemplificativo exemplo desta idiotia discursiva ocorreu na semana passada: aquando da visita dos Príncipes das Astúrias a Portugal, Cavaco Silva promoveu um jantar com “jovens empreendedores portugueses”, altamente divulgado na comunicação social.

Foi assim que descobri que toda uma série de profissões deixaram de o ser para passarem a ser designadas pelo conceito lato de “empreendedor”, uma formulação onde tudo cabe porque desgarrada da realidade e que branqueia a falta de respeito com que o Governo trata as/os trabalhadoras/es e as/os desempregadas/os.

O atual Governo, com o beneplácito de Cavaco Silva, desincentiva a formação profissional que permitiu que estilistas como Nuno Baltazar pudessem frequentar cursos de design de moda.

O atual Governo, com o beneplácito de Cavaco Silva, promove iniciativas como o “Estímulo 2012” onde paga 500 euros às/aos arquitetas/os que aqui são designadas/os de empreendedoras/es.

O atual Governo, com o beneplácito de Cavaco Silva, está a destruir o emprego, os direitos laborais, a Segurança Social e a solidariedade social em que uma sociedade decente e digna deve basear-se.

O atual Governo, com o beneplácito de Cavaco Silva, trouxe o país a uma taxa de desemprego jovem que ultrapassa os 36% e nada mais apresenta como solução para esta catástrofe que a chantagem da emigração ou o discurso redondo do empreendedorismo. Mas depois, numas iniciativa para inglês ver (ou neste caso, para espanhol ver) dá-se ares de apoiar imenso as/os jovens e o emprego.

Sim, haverá algumas pessoas que quererão (e terão capital para) criar o seu próprio posto de trabalho mas considerar que essa é a solução de emprego para mais de 1 milhão 244 mil pessoas que estão desempregadas é não só demagógico como mentiroso. No entanto, com esta estratégia de difusão permanente do discurso do empreendedorismo, o Governo, qual Pilatos, lava as mãos de responsabilidades e imputa-as ao povo. E um Governo que vira as costas ao seu povo é um Governo traidor.

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, deputada na Assembleia Municipal de Braga, ativista contra a precariedade
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