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Tribunal quer apagar denúncias em blogue contra a precariedade

Uma denúncia recebida no blogue dos Precários Inflexíveis acusava a empresa Axes Market de estar a burlar os jovens contratados. Centenas de comentários confirmaram a história, que era repetida por outra empresa: a Ambição Internacional, que pôs uma providência cautelar para esconder as denúncias. Ao seu lado tem os juízes das varas cíveis de Lisboa, para quem "pouco importa que o facto seja verdadeiro". O PI diz que a liberdade de expressão está em causa e vai recorrer da decisão.
Foto Paulete Matos

O movimento Precários Inflexíveis "não aceita que o Tribunal e a Justiça sejam instrumentos para afirmar que as empresas podem exigir que os comentários negativos sejam apagados ou que os seus textos e marcas valem mais do que as opiniões e denúncias dos cidadãos", diz o comunicado publicado no site. "Como sempre dissemos, nunca faremos qualquer censura nem julgaremos ninguém pelas suas opiniões. Por isso, discordamos frontalmente da sentença executada", acrescentam.

O caso teve início em maio de 2011, com um testemunho de uma pessoa enganada pela empresa Axes Market. Aguentou três semanas a trabalhar doze horas e seis dias por semana, ganhando comissão de 20 a 30 euros por venda, a recibo verde e com transporte e alimentação por sua conta. Nunca chegou a receber um cêntimo e diz ter visto entrarem pelo menos vinte novas pessoas nesse período. "As minhas suspeitas confirmaram-se: a empresa não passa de um esquema para encher os bolsos de quem está no topo, não tanto através das vendas, mas sobretudo do recrutamento de "distribuidores"", diz o relato que despertou uma vaga de comentários.

Os comentários alertam para o mesmo tipo de esquema usado pela Axes Market em Espanha e para a mudança do nome da empresa para Ambição Internacional, continuando o mesmo modus operandi. É justamente esta empresa que interpôs uma providência cautelar para a retirada das denúncias, que alegadamente estão a prejudicar a sua política de contratações.

Numa sentença que na prática ameaça a existência de sites na internet com denúncias de atropelos à legislação laboral ou de consumo, os juízes das varas cíveis de Lisboa citam Antunes Varela - ministro da Justiça de Salazar que aprovou o Código Civil vigente em 1966 - para fazer prevalecer o bom nome da empresa sobre a a divulgação das denúncias dos trabalhadores enganados, mesmo que sejam verdadeiras: "Pouco importa que o facto afirmado ou divulgado seja ou não verdadeiro - contanto que seja susceptível, ponderadas as circunstâncias do caso, de diminuir a confiança na capacidade e na vontade da pessoa [NR: neste caso a empresa abusadora] para cumprir as suas obrigações (prejuízo do crédito) ou de abalar o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que ela seja tida (prejuízo do bom nome) no meio social em que vive ou exerce a sua actividade".
 
A decisão dos juízes obriga o administrador do site a retirar os comentários com referência à Ambição Internacional nos próximos dez dias, sob pena de "aplicação de sanção pecuniária cumpulsória de 50 euros por cada dia de atraso no cumprimento da decisão".

João Camargo, do PI, disse aos jornalistas que a decisão judicial “é contrária aos princípios do Estado Democrático”. Os Precários estranham que nada tenha sido feito para investigar as ilegalidades denunciadas no blogue, mas que a preocupação da justiça esteja com as supostas "dificuldades" da empresa em angariar mais vendedores.   
 

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