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Israel: Direitos humanos em retrocesso

As conclusões do Comité de Direitos Humanos da ONU sobre os direitos básicos em Israel assinalam a falta de colaboração de Telavive e apelam ao fim da tortura, das execuções extrajudiciais e do bloqueio a Gaza. Por Gustavo Capdevila, da IPS
Casa destruída pela aviação israelita em Gaza. O bombardeamento de Gaza em 2009 e o despejo dos beduínos da região do Negev são outras preocupações deste Comité da ONU. Foto Zoriah/Flickr

A vigência dos direitos básicos em Israel, e nos territórios palestinos que ocupa, retrocederam nos últimos anos, afirmou uma activista após conhecer as conclusões sobre o tema adoptadas, no dia 30 de julho, pelo Comité de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU).

A situação nesse país piorou, disse a fonte, próxima a esse organismo da ONU. A jurista francesa Christine Chanet, uma das 18 especialistas independentes que integram o Comité, afirmou que o diálogo com a delegação israelita, durante o exame do relatório sobre os direitos humanos nesse país, “foi franco, mas difícil”. A fonte consultada pela IPS disse que “houve uma falta de colaboração muito clara” dos delegados de Israel. Julie Gromellon afirmou que a organização que representa em Genebra, a Federação Internacional de Ligas de Direitos Humanos (FIDH), ficou decepcionada porque o governo israelita recusou-se a responder todas as perguntas sobre os territórios ocupados.

Acrescentou que os israelitas tampouco responderam de modo concreto e detalhado sobre os temas de maior preocupação, como o uso de tortura ou a nova lei que restringe o financiamento das organizações não governamentais que actuam no país. Por sua vez, Bana Shoughry-Badarne, assessora legal do Comité Público Contra a Tortura em Israel, com sede em Jerusalém, afirmou que o país se absteve de responder nove das 30 perguntas feitas pelo Comité.

A atitude dos delegados israelitas incomodou o Comité porque voltaram a recusar a discussão sobre a aplicação do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, a razão de ser do organismo da ONU. Christine recordou que esse tema é essencial para o Comité e que já fora debatido sem sucesso nas duas ocasiões anteriores, 1998 e 2003, em que foram examinados relatórios de Israel sobre o cumprimento de suas obrigações assumidas quando ratificou o Pacto.

Desde então, as argumentações do Comité receberam decisivo apoio quando o Tribunal de Justiça Internacional emitiu, em 2004, uma opinião consultiva sobre as consequências legais da construção, pelo governo israelita, do muro que separa a parte dos territórios palestinos ocupados. Essa resposta do tribunal, com sede em Haia, estabeleceu que o Pacto é aplicável em relação aos actos que um Estado pratica, em exercício de sua jurisdição, fora de seu próprio território.

Apesar de o Tribunal ter dado razão ao Comité, não houve nenhum avanço sobre esse ponto, disse Christine. Israel mantém com firmeza uma posição “flutuante, sem mudança”, descreveu. É flutuante porque os delegados israelitas consideram que se trata de um debate académico e também argumentam que é uma situação de conflito muito complicada que diz respeito apenas ao direito humanitário, explicou a especialista.

O direito internacional humanitário regula, por meio das Convenções de Genebra, o tratamento a prisioneiros de guerra, feridos e população civil em áreas de conflito. Julie afirmou que Israel não tem interesse na aplicação do Pacto nos territórios ocupados, porque os direitos humanos não são respeitados nessas áreas.

A opinião do Tribunal de Haia indicou que os direitos humanos devem ser aplicados nos territórios ocupados e igualmente nas áreas de conflito onde o governo em questão mantém o controle sobre esse território, insistiu a representante da FIDH. O Comité afirmou que Israel deve levantar o bloqueio militar à Faixa de Gaza por afectar negativamente a população civil.

Com relação a este assunto, estimou que Israel deve convidar uma missão investigadora internacional, independente, para que estabeleça as circunstâncias do ataque de forças israelitas contra a Flotilha da Liberdade que se dirigia a Gaza, no dia 31 de maio. Nessa operação morreram nove pessoas que viajavam nos barcos. O comboio de seis embarcações, fretadas por organizações humanitárias de diferentes países, tentava superar o bloqueio para levar remédios, alimentos e outras provisões à população palestina de Gaza.

O Comité disse que essa comissão investigadora deveria, ainda, estabelecer a compatibilidade da acção militar israelita com as normas do Pacto de Direitos Civis e Políticos. Christine ressaltou que as conclusões do Comité expressam preocupação também pelas execuções extrajudiciais de suspeitos de envolvimento em actividades terroristas. Israel deve acabar com tais práticas e proteger o direito à vida de todos os civis, incluídos os da Faixa de Gaza, disse esse organismo.

Com relação à tortura, Christine mencionou uma decisão da Suprema Corte de Justiça de Israel que aceita certas formas de pressão física nos interrogatórios com o argumento de que são justificadas pelo “estado de necessidade”. O Comité cobrou que Israel incorpore à sua legislação o crime de tortura como tipificado pela Convenção sobre a Tortura, e também que elimine a “necessidade” como justificativa desse abuso. Bana disse à IPS que muitos países aplicam a tortura diariamente, mas não tentam proclamar-se democráticos. O problema com o Estado judeu é que seus governantes nem mesmo se envergonham em dizer que as disposições contra a tortura não são absolutas, acrescentou.

O Comité expressou preocupação pelas escassas investigações iniciadas pelas Forças Armadas de Israel com relação aos seus ataques à Faixa de Gaza no final de dezembro de 2008 e começo de janeiro de 2009, na operação Chumbo Sólido. Desde 2003, as Forças Armadas israelitas atacaram e executaram extrajudicialmente 184 pessoas nessa área, em operações que causaram simultaneamente a morte de outras 155 pessoas, disse o organismo da ONU.

Apesar de recomendações anteriores do Comité, Israel continua a demolição de propriedades de famílias cujos membros são considerados suspeitos de ligação com actividades terroristas, sem considerar outras medidas menos agressivas. Outras preocupações do órgão são as denúncias de despejo de populações de beduínos e de uma consideração inadequada das necessidades tradicionais dessas populações ao traçar os planos de desenvolvimento da região do Negev, sem levar em conta que a agricultura é o sustento tradicional dessas comunidades.

O Comité também recomendou que Israel determine investigações independentes sobre as graves violações de direitos humanos, como o direito à vida, o direito a um tratamento humano para todas as pessoas sob sua custódia e o direito à liberdade de expressão.
 


Artigo Envolverde/IPS

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