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Então, companheiro, não aplaudes a Eva Joly?

A desastrosa candidatura dos Verdes nas presidenciais francesas, amarrada ao acordo com o PS para as legislativas, confirma as palavras de Rui Tavares quando diz que "a moleza, em época de crise, é tóxica".

Numa crónica cheia de entusiasmo com a "nova esquerda" que está a ganhar força nas presidenciais francesas, Rui Tavares não poupa elogios a Jean-Luc Mélenchon por este ter compreendido que "a moleza, em época de crise, é tóxica".

Mélenchon e Tavares são eurodeputados e até já partilharam a mesma bancada (GUE/NGL) em Estrasburgo, antes do eurodeputado independente eleito pelo Bloco ter decidido abandoná-la para ir abraçar a trincheira verde de Cohn Bendit. Só passaram dez meses e eis que os leitores do Público se deparam com o tratamento que Rui Tavares dá à sua companheira de bancada, Eva Joly, também ela candidata às presidenciais do próximo fim de semana: simplesmente não existe nesta crónica dedicada à "nova esquerda" francesa e europeia.

Quando Rui Tavares rompeu com a bancada de Mélenchon, em junho passado, ninguém podia adivinhar o desastre em que se transformaria a candidatura ecologista dos últimos meses. A Europe Ecologie de Cohn Bendit e Eva Joly estava cotada acima dos 16% nas europeias de 2009 e dos 12% nas regionais francesas de 2010, ou seja, mais do dobro do resultado obtido pela Front de Gauchede Mélenchon em ambos os sufrágios. Chegados à véspera das presidenciais, é o eurodeputado do GUE/NGL que recolhe cinco vezes mais intenções de voto que a companheira de bancada de Rui Tavares. Mas não creio que esta diferença seja a razão para o historiador se ter esquecido de a nomear nesta crónica.

O desconforto do cronista é compreensível: é impossível comentar a candidatura dos Verdes sem falar da estratégia do partido para estas eleições. Embalados pelo sucesso anterior, apressaram-se a fechar um acordo com o PS para as legislativas, que lhes garantirá entre 15 a 30 deputados, se Hollande não o rasgar entretanto. E assim ficaram inevitavelmente amarrados ao futuro inquilino do Eliseu e a uma campanha condicionada pelo acordo assinado com o PS.

Pelo contrário, Mélenchon sublinha sempre na campanha a sua proposta de romper com o sistema e "fundar a VIª República parlamentar, social e participativa", "tomar o poder aos bancos e aos mercados financeiros", rejeitar o "cocktail austeritário de Merkozy" ou a participação num "governo Hollandreou", expressão que inventou para juntar Hollande e o ex-PM socialista grego Papandreou. Tem um programa aberto à cultura e ao conhecimento e é irredutível na defesa de medidas para a partilha da riqueza. Mas sobretudo soube abrir este projeto político a quem se lhe quis juntar, sem olhar a correntes. Não deve ser por acaso que o blogue de Mélenchon só recomenda duas ligações internacionais: o Die Linke alemão e o Bloco de Esquerda português.

Rui Tavares sabe que se há coisa que os eleitores não gostam é de ver políticos a trocarem as suas ideias como quem troca de camisa, em busca de um lugar mais confortável e de preferência com vista para o corredor do poder. Deve ser por isso que não quis falar de Eva Joly.

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