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Cerca de 600 agentes da PSP e GNR praticaram crimes nas redes sociais

A primeira reportagem do Consórcio – Rede de Jornalistas de Investigação durou meses e analisou mais de três mil publicações nas redes sociais. Discurso de ódio, discriminação racial e religiosa e apelos à violência são alguns dos crimes identificados.
Polícias. Foto de Paulete Matos.
Foto de Paulete Matos.

Durante meses, uma equipa de investigadores digitais compilou uma base de dados onde foram identificados 591 agentes e oficiais da PSP e da GNR, no ativo, a cometerem crimes nas redes sociais em mais de três mil publicações.

Esta é a primeira primeira parte de uma série de investigações que lançam o Consórcio – Rede de Jornalistas de Investigação e foi publicada esta quarta-feira no Público. Muitos dos agentes de autoridade usam o nome verdadeiro e publicam a partir dos perfis pessoais, fazendo ameaças e praticando “uma longa lista de crimes públicos, bem como dezenas de infrações muito graves aos seus códigos de conduta e estatuto profissional”.

Esta longa lista de possíveis crimes inclui “discriminação e incitamento ao ódio e à violência, ameaça com prática de crime, incitamento à desobediência coletiva, coação contra órgãos institucionais, difamação, discriminação racial e religiosa, ultraje por motivo de crença religiosa, instigação e apologia pública de um crime, incitamento à alteração violenta do Estado de direito, ofensa à honra do Presidente da República, incitamento à desobediência coletiva e denegação de justiça”.

“No Facebook, parecem sentir-se inimputáveis”

Entre os investigados, 296 são da PSP e 295 são da GNR. Os jornalistas descobriram que mais de 40% fazem “apelos à violência contra alegados criminosos, contra políticos e outras figuras públicas, contra minorias”, perto de 72% usam discurso de ódio e mais de 75% difundem propaganda do Chega.

“No Facebook, parecem sentir-se inimputáveis”, escrevem os jornalistas que mostram vários dos exemplos sem os identificar, alegando que essa exposição não faz parte da sua função de jornalistas. Abrem apenas uma exceção para Luís Filipe dos Prazeres Maria, dirigente da Organização Sindical da Polícia, agente da PSP no Cacém, que reproduz a imagem do cano de uma espingarda e chama “criminosos” a dezenas de políticos.

A mesma imagem que fora colocada por um militar da GNR de Vendas Novas que publica no Facebook, escrevendo: “procura-se sniper com experiência em ministros e presidentes, políticos corruptos e gestores danosos”. Num grupo fechado chamado “Colegas GNR”, um outro membro desta força diz que “enquanto não limparem um ou dois políticos, não fazem nada…”. Também há agentes da PSP a usarem o mesmo tipo de linguagem, como uma da Azambuja que escreve: “Começar a limpeza seletiva, conta comigo colega. 9 milímetros com fartura.”

A esquerda é a mais violentamente visada. Um polícia do Porto quer “o fim do Bloco de Esquerda" para acabar com “a parasitagem” e um chefe de esquadra da margem sul qualifica o partido como “corruptor de jovens”.

Os “políticos” não são os únicos alvos, também há quem demonstre violência para com manifestantes ou com moradores de alguns bairros como o da Cova da Moura. “Fogo nos cornos deles e dos governantes”, escreve um agente da PSP de Cinfães, “chumbo no lombo”, diz um cabo-mor da GNR do distrito da Guarda.

O racismo está também bastante difundido em muitas das mensagens. Há quem trate António Costa por “chamuças” ou por “monhé” ou lhe chame a “estirpe indiana” do “vírus que mais ataca Portugal”. Um dos alvos privilegiados é o dirigente do SOS Racismo Mamadou Ba. E vários dos agentes da autoridade publicam mensagens em que se confessam abertamente racistas. Um deles diz que os ciganos são "uma raça indesejável”. A homofobia marca igualmente presença nestas discursos: “Os paneleiros não têm sentimentos. Como é que podem falar em educação?”, diz um cabo da GNR de Braga.

Agentes “revoltados com a impunidade" deram acesso aos grupos fechados do discurso de ódio

A reportagem ouve ainda vários especialistas em direito como Jorge Bacelar Gouveia, professor de Direito na Universidade Nova de Lisboa e presidente do Observatório sobre Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo, que confirma que as mensagens configura “vários crimes do código penal” e que as autoridades “devem intervir superiormente para detetar e punir”. A ex-ministra da Justiça, Francisca van Dunen, salienta que “é muita gente” e que “não estamos aqui a falar de liberdade de expressão. Há pessoas que, quando pertencem a certas instituições, têm de ter um discurso institucional. E se o discurso institucional dessas pessoas é esse, então é o discurso errado. Não estão no sítio certo…”

Magina da Silva, diretor nacional PSP, por sua vez, minimiza, falando em casos “pontuais” que são “imediatamente tratados”. Ao passo que a inspetora-geral da Administração Interna, Anabela Cabral Ferreira, tem um discurso mais assertivo: “definitivamente, não queremos nas forças de segurança quem tenha ideias contrárias ao Estado de direito”: “quem defenda ideias racistas, xenófobas, homofóbicas, não é bem-vindo nas forças de segurança”.

Os jornalistas salientam que o grupo analisado não pode ser considerado como a maioria dos agentes de autoridade nacionais. Aliás, precisam, foram agentes “revoltados com a impunidade de que gozam os seus colegas que usam as redes sociais para organizar grupos racistas e violentos” quem permitiu a entrada nos grupos fechados onde muito do discurso de ódio circula.

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