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O PAN e a paz neoliberal de António Costa

As declarações da líder do PAN são um ataque à esquerda democrática, que destrói pontes e dificulta o combate às forças anti-democráticas.

Francamente, não sei o que será pior, se a dissimulação do sincretismo, se o populismo sensacionalista. Mas, de uma forma ou de outra, precisamos de começar a falar sobre isso.

Com efeito, a mais recente polémica do título do artigo do Observador, traz de novo ao debate a necessidade de filtrarmos as nossas fontes de informação. Contudo, por outro lado, se dúvidas houvesse, o artigo deixa clara a estratégia que Inês Sousa Real iniciou ainda antes de ser líder.

Assim, se há aspetos que as crises políticas têm de positivo, é a clarificação. Por isso, vamos lá esclarecer a posição de hostilização e diabolização que a líder definiu para com o Bloco de Esquerda e o PCP, numa clara tentativa de capitalizar o seu eleitorado. Para o efeito, acena com a suposta neutralidade do partido sincrético, ou seja, advoga que não são esquerda, nem de direita, mas sim uma terceira via.

Portanto, a porta-voz do PAN, pretende premiar-se com uma suposta imparcialidade, atribuindo a si e ao seu partido o prémio de responsáveis e fiéis defensores da harmonia do sistema. Assim, encostam o Bloco de Esquerda e o PCP à parede, afirmando que são eles os responsáveis pela crise política, apelidando-os de “esquerda radical”, enquanto tenta, à força, arranjar espaço à esquerda para o PS, para assim sustentar a sua tese burguesa.

Aliás, não se percebe o porquê de tanta estupefação com o título sensacionalista do Observador, pois, já a 1 de outubro de 2020 ao jornal Economia Online, Inês Sousa Real dizia que o “PAN não exclui diálogo se PSD for Governo”. Nessa entrevista, afirma ainda que “pela sua génese ideológica, o BE é de facto um partido de extrema-esquerda assim como o PCP”. E continuou afirmando que “se calhar nós em democracia habituámo-nos a encarar ou a olhar para esse ponto ideológico mais extremo com outra tolerância do que olhamos para a extrema-direita, mas não nos podemos esquecer o que os regimes comunistas trouxeram à nossa democracia”. Onde é que nós já ouvimos isto? Precisamente, este é o argumentário da direita extremista, conservadora e reacionária que é profundamente anti-marxista e que tenta esquecer a verdadeira história antifascista de Portugal e reverter os direitos, liberdades e garantias de Abril.

Deste modo, o PAN, numa enorme irresponsabilidade política, coloca oficialmente no mesmo patamar BE, PCP e o partido extremista Chega. Este é precisamente o argumento usado habitualmente pela direita, com o objetivo de continuar a legitimar e normalizar a extrema-direita. Mas, para piorar, a 7 de Novembro de 2021, ao Observador, Inês Sousa Real vai mais longe e declara: “A esquerda radical também é uma solução com a qual não nos identificamos. Há uma cegueira ideológica da esquerda que obstaculiza o diálogo mais sério ao nível da resposta que tem de existir”. Assim, esta posição é um ataque institucional e oficial deste partido para com a esquerda democrática, que destrói pontes e dificulta o combate às forças anti-democráticas, pondo em causa o interesse nacional.

Recapitulando, o PAN insiste em dizer que não é de esquerda, nem de direita, que não é carne, nem é peixe. Contudo, sabemos que, quem não escolhe um lado, é cúmplice do sistema. E o sistema não é, nem nunca foi de esquerda. Se se parece com um liberal, fala como um liberal e, sobretudo, se vota como um liberal, é porque é de facto um liberal e defenderá sempre a manutenção do status quo. Aliás, o partido Pessoas Animais Natureza, não só assume o capitalismo como o seu sistema, como revela abertamente não ter qualquer pretensão de o alterar. Até porque, nas suas palavras, considera essa superação de "radical". Portanto, o PAN é feito destas contradições.

Por conseguinte, por mais polémica que o título do Observador tenha trazido, até nem soa descabido ler que o PAN exige lugares num futuro governo, até porque, nessa mesma peça jornalística, Albano Lemos Pires, da Comissão Política Nacional (CPN), depois da abstenção do PAN na votação do Orçamento de Estado 2022, rejeita que o partido se tenha aproximado dos socialistas: “Se estivesse o PSD no governo a situação seria exatamente a mesma”.  Prosseguiu dizendo que, no que respeita à possibilidade de apoiar o próximo governo: “sem participar na solução seria irresponsável”, afirmando ainda que "Esta é aliás a posição maioritária na direção do partido, mas que carece ainda de validação na reunião da CPN". Consequentemente, parece natural que tenham nascido para isso, para ocupar lugares. Seja como for, com quem for e tanto faz se é um Governo do PS, ou do PSD, é tudo direita, é tudo como eles. Sendo esta a ideologia política deste partido, ou a sua ausência.

Concluindo, as posições do PAN, assim como as recentes afirmações da sua porta-voz, Inês de Sousa Real, não são novas, não são inocentes e revelam uma oportuna estratégia política que pretende apenas conquistar os votos e o espaço dos partidos à esquerda, principalmente daqueles eleitores que ficaram surpresos com a coerência política face ao orçamento. Desta forma o PAN não só está a contribuir para a narrativa da paz neoliberal de António Costa, como continua a abrir as portas à extrema direita, aproximando-se cada vez mais das suas verdadeiras origens e do seu braço armado.

Sobre o/a autor(a)

Professor, artista e ativista.
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