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Total, combustíveis de sangue

A Total, que tem como uma das principais acionistas a BlackRock, tem gozado de plena impunidade. No seu currículo constam reiterados atropelos aos direitos humanos, sociais e ambientais, e até mesmo cumplicidade em crimes contra a humanidade. Dossier organizado por Mariana Carneiro.
Foto de Laurent Vincenti.

Compilar um dossier sobre os abusos da Total, que tem diversificado as suas atividades e está presente um pouco por todo o mundo, não é tarefa fácil. Esta multinacional atua acima dos Estados, acima da Lei, e não tem qualquer pudor em menosprezar a vida humana e o planeta para atingir os seus objetivos.

Corrupção de funcionário público estrangeiro no âmbito do processo de desvio de fundos do programa da ONU no Iraque "Petróleo por Alimentos"; pagamento de subornos para vencer contratos de petróleo e gás no Irão; corrupção no quadro da concessão de petróleo na região sul de Basilicata, em Itália; investimento na África do Sul do Apartheid, em 1954; financiamento da Junta Militar em Myanmar; financiamento de mercenários e da tropa ruandesa liderada pelo Major General Innocent Kabandana, conhecido por “exterminar opositores de Kagame”, em Moçambique; mentiras, repressão e cooperação militar no Uganda e Tanzânia; apoio às ditaduras do Gabão e do Congo-Brazzaville; operações de fuga ao fisco através do offshore das Bermudas; mercados conquistados com os bombardeamentos na Líbia; cumplicidade em assassinatos e trabalhos forçados na Nigéria, Rodésia, Angola, Líbia; financiamento da operação militar no Sahel, Mali; contaminação da Patagónia, na Argentina…

O seu historial de atropelos aos direitos humanos, sociais e ambientais, e até mesmo de cumplicidade em crimes contra a humanidade é por deveras extenso. Não pretendendo fazer aqui uma compilação exaustiva dos seus negócios sangrentos, atrevemo-nos a deixar alguns contributos para a construção do seu perfil.

Os atentados ambientais e climáticos da Total estão bem documentados. Exemplo disso é esta lista dos seis projetos mais climaticidas da Total, compilada por Alexandre-Reza Kokabi e Aline Robert, da Reporterre.

Num artigo publicado no relatório anual do Instituto Transnacional State of Power 2020, o filósofo Alain Deneault explica que a Total tornou-se um poder, uma autoridade soberana que se distingue dos Estados, os domina e utiliza para atingir os seus próprios fins.

No seu artigo Total e o imperialismo francês: uma fonte permanente de conflitos, o Collectif Ni Guerres Ni état de Guerre acusa a multinacional TOTAL de provocar violência e aproveitar os conflitos para ampliar o seu poder capitalista em vários pontos do mundo.

Thomas Bart, da ONG Survie, explica-nos que, apesar da contestação contra o megaprojeto petrolífero no Uganda e Tanzânia estar a intensificar-se em todo o mundo, a Total prossegue em marcha forçada, violando os direitos de cerca de 100.000 pessoas e correndo o risco de causar um desastre irreversível para o meio ambiente e o clima. Pauline Tetillon, da mesma ONG, acrescenta que as pressões e intimidações contra os adversários tornam-se cada vez mais intensas, agora também dirigidas aos jornalistas internacionais que ali vão, tudo num contexto de militarização da zona petrolífera com o apoio da França.

Em Myanmar, os militares têm cometido “os piores crimes que podemos imaginar contra o seu próprio povo”. Em entrevista ao Esquerda.net, Sophie Brondel, da Info Birmanie, explica que isso não impede a Total de distribuir os lucros da exploração de gás pelos generais da Junta.

E, em Moçambique, o El Dorado anunciado transformou-se num verdadeiro inferno. O projeto multimilionário da Total contrasta com a pobreza extrema na província. A instalação do projeto da Total em Afungi, distrito de Palma, traduziu-se em reassentamentos das populações, com a expulsão de camponeses e pescadores. No país, o combate à insurgência tem uma prioridade: defender os negócios da multinacional, seja financiando as forças ruandesas do criminoso Kabandana ou contratando mercenários.

Seja qual for o projeto, seja qual for a sua localização, uma coisa é certa: para a Total, os interesses económicos sobrepõem-se sempre aos direitos humanos, sociais e ambientais. O seu objetivo final é sempre o mesmo: o seu lucro, por mais manchado de sangue que ele possa estar.

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Total, combustíveis de sangue

A Total, que tem como uma das principais acionistas a BlackRock, tem gozado de plena impunidade. No seu currículo constam reiterados atropelos aos direitos humanos, sociais e ambientais, e até mesmo cumplicidade em crimes contra a humanidade. Dossier organizado por Mariana Carneiro.

Os seis projetos mais climaticidas da Total

Extração de gás natural no Ártico russo, oleoduto gigante no Uganda, exploração de gás de xisto na Argentina ... O grupo Total está envolvido, em todo o mundo, numa série de projetos que são tão massivos quanto destrutivos do meio ambiente. Por Alexandre-Reza Kokabi e Aline Robert (Reporterre).

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Em vários países, a multinacional TOTAL provoca violência e aproveita os conflitos para ampliar o seu poder capitalista. Artigo do Collectif Ni Guerres Ni état de Guerre.

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As pressões e intimidações contra os adversários tornam-se cada vez mais intensas, agora também dirigidas aos jornalistas internacionais que ali vão, tudo num contexto de militarização da zona petrolífera com o apoio... da França! Por Pauline Tetillon.

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Os militares têm cometido “os piores crimes que podemos imaginar contra o seu próprio povo”. Em entrevista ao Esquerda.net, Sophie Brondel, da Info Birmanie, explica que isso não impede a Total de distribuir os lucros da exploração de gás pelos generais da Junta. Por Mariana Carneiro.