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Oito lições dos resultados presidenciais

Em política não há vazios e os primeiros a compreender esse movimento foram Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa, que ocupam agora o Centro político, sem disputa.

1. A pandemia criou a campanha mais atípica de sempre. Todos os candidatos tiveram de adaptar as campanhas, deixando de fora as normas de sempre. Os debates foram decisivos, as ações de rua desapareceram, as redes sociais cresceram em importância e as mensagens dos e das candidatas perderam espaço na comunicação social, onde as piores semanas da Covid-19 e o segundo confinamento ganharam primazia.

2. As eleições presidenciais têm sido marcadas pela abstenção acima dos 50%, por isso é muito relevante que, apesar da pandemia, estes números se tenham mantido relativamente constantes. A ameaça populista também mobilizou os setores democráticos.

3. Foi sem surpresa que Marcelo Rebelo de Sousa venceu à primeira volta, apesar da reorganização do espaço da Direita. O Presidente reeleito tinha o apoio do seu espaço natural, do primeiro-ministro António Costa e de Carlos César, presidente do PS, que declarou que a vitória de Marcelo era uma vitória dos socialistas. Não houve surpresa, mas houve incómodo – e notou-se – do candidato a Presidente nos últimos dias de campanha quando percebeu o que se ia passar.

4. Os votos nas candidaturas à Esquerda foram plurais, mas os resultados não foram bons. Ana Gomes, Marisa Matias e João Ferreira fizeram campanhas combativas, que se somaram umas às outras. Ana Gomes garantiu o segundo lugar, o que foi muito importante, mas abaixo dos resultados de Sampaio da Nóvoa. Ou seja, a aliança da ala Esquerda do PS e do PAN não conseguiu descolar votos ao Presidente recandidato. Marisa não recuperou dos debates, apesar da onda de solidariedade #vermelhoembelem, e obteve um terço do resultado de há cinco anos. Já João Ferreira fez uma campanha sólida, mas com menos votos que o PCP nas legislativas e que Edgar Silva em 2016. Mas há um facto importante: ter viabilizado o Orçamento do Estado de 2021 ao lado do PS não beneficiou o PCP.

5. Ventura teve um resultado importante que muda a Direita em Portugal. Imitando Trump, sofreu pouco com os erros cometidos na campanha, como o jantar com 170 pessoas, ignorando o cumprimento das regras de segurança nos piores dias da pandemia, ou o caso dos ciganos que não eram ciganos. Teve um resultado muito expressivo, indo buscar votos ao defunto CDS, ao PSD, aos descontentes da Direita e ao voto contra António Costa. Tudo vai mudar a partir de agora.

6. A Direita clássica está de rastos. Marcelo vale bem mais do que toda a Direita e mobiliza o voto ao Centro. PSD e CDS não apareceram na campanha, não mobilizaram para o voto, ficaram a ver o debate público no sofá. E se a Iniciativa Liberal marcou pontos em Lisboa e no Porto com a candidatura de Tiago Mayan, cinco anos depois do governo da troika, PSD e CDS continuam a não ser alternativa ao PS e à Esquerda. Aliás, a fuga de votos para o candidato da extrema-direita é sintoma da falta de espaço da Direita e centro-direita. Não souberam como responder ao momento de crescimento económico pós-troika e não têm programa para responder à crise sanitária e social, porque vai implicar um investimento público massivo que não podem propor. Assim, sobe a proposta populista da extrema-direita, por falta de comparência.

7. A crise da Direita clássica alimenta a extrema-direita e o seu crescimento está a obrigar a Direita a radicalizar o seu discurso, saindo do Centro. Em política não há vazios e os primeiros a compreender esse movimento foram Marcelo e António Costa, que ocupam agora o Centro político, sem disputa. Isso também significa que à Esquerda do PS se ganha mais espaço para um programa alternativo.

8. A aliança Marcelo/Costa é o pilar do governo e vai continuar. António Costa só matou a geringonça depois de garantir que tinha o apoio de Marcelo, é esse o seu verdadeiro seguro de vida. A estratégia trumpista de ocupar a comunicação social com gritos e casos da candidatura da extrema-direita resulta e mudou a Direita, com Rui Rio a ter agora de escolher uma eventual aliança com a extrema-direita. Mas o combate à pandemia, o reforço do SNS, os apoios sociais às famílias e às empresas só acontecerão com o debate político à Esquerda, porque durante toda a campanha não ouvimos uma palavra sobre isso vinda do espaço à Direita. Por essa razão, António Costa tem de decidir se quer virar à Esquerda ou se quer manter-se ao Centro.

Artigo publicado no “Jornal Económico” a 25 de janeiro de 2021

Sobre o/a autor(a)

Engenheiro e mestre em políticas públicas. Dirigente do Bloco.
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