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O sindicato dos precários
José Pacheco Pereira caracterizou o Bloco de Esquerda como “uma espécie de sindicato dos precários”. Fê-lo com a ironia que gosta de cultivar e com o evidente objetivo de apoucar o Bloco. Quis insinuar que o Bloco tem uma agenda reduzida e que conta com um reduzido nicho de base social de apoio.
Descontado o simplismo do truque retórico – tão simplista como dizer que os partidos do bloco central têm sido o sindicato dos bancos – o que Pacheco Pereira usou como dispositivo depreciativo tomo eu como elogio. Primeiro, porque ser o sindicato de um grupo social significa bater-se por ele, dar-lhe voz, trazê-lo para o centro das decisões políticas. Dizer que o Bloco de Esquerda faz isto com os precários só pode ser um elogio, mesmo querendo ser o contrário. E, depois, porque, na sua tentativa de diminuir a ação política do Bloco de Esquerda, Pacheco Pereira cometeu o erro de sugerir que o mundo da precariedade é um nicho. Falha de análise imperdoável: a precariedade é, cada vez mais, a condição “normal” da grande maioria dos trabalhadores e a precarização, quer dos vínculos laborais quer das condições de vida em geral (das vítimas da emergência climática, da barbárie racista ou da cultura sexista, por exemplo), não cessa de se ampliar. Neste sentido, ser sindicato dos precários é coisa grande e que engrandece quem a leva a cabo.
Vamos a um exemplo ilustrativo. Os médicos que foram contratados pelo Governo para reforçar o Serviço Nacional de Saúde foram-no por quatro meses. Precariedade. Na condição gravíssima de pandemia em que vivemos, ser “sindicato dos precários” implica não só defender os direitos destes profissionais, mas dizer com clareza que não é com precariedade que se responde ao gigantismo e à complexidade da atual emergência sanitária e às necessidades de desempenho médico que estão para lá desta emergência. Ou seja, o “sindicato dos precários” é o que está em melhores condições para criticar a orientação governamental estreita para o SNS e para apresentar alternativas que envolvem um número de profissionais adequado às necessidades de respostas covid e não-covid no serviço público e com contratos que os fixem efetivamente no SNS. E, em plena coerência com esse mandato, o “sindicato dos precários” deve avaliar as escolhas feitas no Orçamento de Estado, que é onde se decide se o caminho do SNS é o da sua precarização, quer pela condição dos seus profissionais quer pelas orientações seguidas para a sua relação com os privados.
Observar a sociedade sob o ângulo da precarização e atuar nela para contrariar essa dinâmica é, pois, ao contrário do que sugere Pacheco Pereira, uma posição de força e não de fraqueza. Mais que tudo, é um mandato. Na verdade, foi esse mandato de combate à precarização do trabalho e das vidas que os eleitores deram ao Bloco de Esquerda. E será pela sua firmeza no cumprimento desse caderno de encargos que o avaliarão em cada momento.
Artigo publicado no diário “As Beiras” a 3 de novembro de 2020
Comentários
Caro J.M.Pureza Invejo-lhe
Caro J.M.Pureza Invejo-lhe essa sua capacidade sua de responder à letra de forma clara e incisiva os ataques ou apoucamentos(?) que não poucas vezes são feitos contra a esquerda, por comentadores e politólogos de vários quadrantes. Que não lhe falte tinta na pena.
Longe vão os tempos em que Pacheco Pereira escrevia e historiava sobre o sindicalismo. Lembro-me de por volta de 1974 ter lido um livro de sua autoria salvo erro "1º congresso da união operária nacional". Gostei de ler e ajudou-me a conhecer um pouco a luta dos trabalhadores portugueses durante os tempos anteriores à ditadura, já que durante esta essa literatura estava proibida. Depois da fase mais sindical e de esquerda, P.Pereira resolveu enveredar por outros caminhos que a democracia abriu, deslocando-se mais para a direita, ou se calhar para o centro na opinião dele. Nada a comentar sobre isso, presunção e "auga" benta, cada um....Uma coisa que tenho admirado, depois de ter digerido o seu golpe de rins, é a sua independência ao criticar de quando em vez as posições do seu próprio partido e o comportamento mesquinho e tacanho da direita portuguesa duma forma geral. Mas P.Pereira não conseguiu resistir aos apelos da moda neoliberal que se exacerba nos ataques sistemáticos à esquerda, particularmente ao BE. Se não é por causa do cu é por causa das calças, o BE está constantemente nas bocas do "mundo" com dramas de cordel levados à cena por comentadores bacôcos de toda a espécie. É que a influência social deste "pequeno" sindicato de precários parece ser uma das poucas organizações da política portuguesa que realmente reside no país e lhe conhece as fraquezas, as misérias e as pulhices. Quando há décadas levantávamos a voz contra a corrupção chamavam-nos populistas, quando propúnhamos (e nalguns casos conseguimos) acabar com mordomias e subvenções vitlícias eramos demagogos. Quando lutávamos contra a subversão das leis do trabalho, o que queríamos era desestabilizar e afugentar o investimento estrangeiro. Como o tempo nos veio dar razão, nós crescemos, consolidamos uma corrente socialista de esquerda, e com isso influenciamos politicas que decidem sobre as nossas vidas. Isso custa a engolir à direita, à "moderadíssima" elite liberal e à outra menos moderada. O BE estorva os planos daqueles que querem tornar mais selvagem o pobre capitalismo nacional, e entregar ao multinacional o que resta do país. Estamos cá para contrariar isso. Alguém tinha que desempenhar esse papel. Coube-nos a nós. Continuemos sem vacilar.
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