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Fome em Camarate

A fome e a miséria são as principais marcas que a pandemia está a deixar na freguesia de Camarate, Unhos e Apelação. O concelho de Loures é um dos mais afetados pela crise sanitária e pela hecatombe social que se abate sobre os mais pobres, os precários, aqueles que não têm rede e que habitualmente ficam para trás. Por André Julião
Camarate - Foto de André Julião
Camarate - Foto de André Julião

Segundo uma reportagem da Rádio Renascença (RR), até ao início da pandemia, a paróquia do Catujal distribuía cabazes a 50 famílias, num total de 150 pessoas. Em pouco mais de dois meses, os pedidos mais do que triplicaram.

Na semana passada, mais de 152 famílias foram buscar alimentos. São quase 500 pessoas caídas na miséria em menos de três meses pela falta de amparo social. São, na sua maioria, imigrantes irregulares, que trabalham à base de “biscates”, pessoal das empresas de limpezas, sem direito a lay-off, sem contratos e muitas vezes sem descontos por parte das entidades patronais.

Há um outro grupo, que inclui os trabalhadores das feiras, de montagem de eventos, palcos e sistemas de som - “tarefeiros”, muitos a recibo verde, outros nem isso -, vítimas da afamada economia informal.

Segundo relato do pároco à RR, até um dentista terá batido à porta a pedir um cabaz de alimentos. Muitos voltam a meio da semana, quando a comida já escasseia. São as vítimas invisíveis da calamidade que se abateu sobre o concelho, muitas vivem em casas sobrelotadas, sem condições sanitárias ou de habitabilidade.

Uma prova de que a pandemia não afeta todos da mesma forma e que a pobreza e a miséria acentuam os efeitos da situação. Várias dessas famílias são novas vítimas do desemprego, muitas ainda mais fragilizadas pelo facto de os antigos patrões não terem efetuado os respetivos descontos para a Segurança Social e assim não terem acesso ao subsídio de desemprego.

Grande parte já não consegue cumprir os seus compromissos mais básicos, como o pagamento da renda ou da conta da água, do gás e da eletricidade. Nem sequer comprar alimentos básicos para a sua própria alimentação, incluindo para os seus filhos menores.

Bloco questiona Governo sobre situação em Camarate

Em resposta à pergunta do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, o Governo refere que, “no caso específico da localidade de Camarate, e integrada numa estratégia concertada de intervenção e ação social, nos meses de março e abril, foram asseguradas respostas a 364 famílias e pessoas”.

De acordo com o executivo, “no concelho de Loures, sete instituições de resposta a situações de carência alimentar, respondem atualmente a 1.440 pessoas”. A capacidade destas instituições “está a ser aumentada de forma a garantir resposta potencial a 2.468 pessoas, em caso de necessidade”.

A situação tem motivado alertas da comunidade envolvente, nomeadamente do Agrupamento de Escolas D. Nuno Álvares Pereira, em Camarate, que se encontra a organizar campanhas de angariação de fundos e donativos para fazer face às necessidades de alimentação destas famílias e também para que consigam pagar as suas contas de água, eletricidade e gás.

Esta associação de pais, em parceria com Organizações Não Governamentais e com a paróquia local, criou também uma campanha para a angariação de bens alimentares e equipamentos tecnológicos usados, que possam servir para as crianças e jovens dessas famílias em situação frágil acompanharem o decorrer das atividades letivas no 3.º período.

Bloco propõe incremento de Fundo de Emergência Social em Loures

Para melhor enfrentar esta tragédia social, o Bloco de Esquerda propôs à Câmara Municipal de Loures que incrementasse o Fundo de Emergência Social para 1 milhão de euros. O objetivo é reforçar o apoio a situações de carência económica extrema que estão a acentuar-se no concelho. Os bloquistas também solicitaram uma maior divulgação do Fundo.

O Fundo de Emergência Social deveria, segundo a concelhia de Loures do Bloco de Esquerda, funcionar como um instrumento de recurso em casos de crise para suporte às dificuldades inerentes à gestão familiar, de forma a garantir o seu equilíbrio e autonomia, procurando minorar ou suprir a situação de carência económica dos indivíduos ou das famílias, prevenindo o agravamento da situação de risco social em que se encontrem.

O Fundo de Emergência Social pode ser aplicado no pagamento da renda da casa ou prestação mensal de empréstimo bancário, despesas mensais fixas com habitação, despesas com saúde – como aquisição de medicamentos ou tratamentos continuados no Serviço Nacional de Saúde (SNS) -, valor mensal com transportes, nomeadamente o passe ou bilhetes, despesas com educação em estabelecimentos da rede pública, entre outras.

Artigo de André Julião

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Jornalista
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