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Os acorrentados

Esta segunda feira quatro "artistas tauromáquicos" estiveram uma hora e pouco acorrentados a um portão do Campo Pequeno. Os três toureiros e o forcado escolhidos para esta triste performance quiseram protestar contra a falta de autorização para a reabertura das touradas nesta altura de desconfinamento.

Os três toureiros e o forcado escolhidos para esta triste performance quiseram protestar contra a falta de autorização para a reabertura das touradas nesta altura de desconfinamento.

Face às dificuldades da pandemia, vêm pedir à sociedade apoios financeiros ao setor e urgência na reabertura da atividade, sociedade para a qual têm virado as suas costas. E até já atiraram um valor ao ar: 4 milhões de euros.

Numa manobra desesperada, fazem um apelo à empatia de quem os ouve argumentando inclusive que não têm dinheiro para alimentar os seus cavalos. Mas este protesto não encaixa na postura que este sector tem tido.

Os mesmos que têm usado e abusado dos animais, vêm agora dizer-se "vítimas de discriminação" e preocupados com o seu bem-estar

Os mesmos que têm usado e abusado dos animais, vêm agora dizer-se "vítimas de discriminação" e preocupados com o seu bem-estar.

Os mesmos que têm feito ouvidos moucos às centenas de manifestações pacíficas, agora manifestam-se por estarem a ser ignorados.

Os mesmos que recusam as evidências da ciência sobre sofrimento e comportamento animal, agora queixam-se da falta de coerência da ministra da cultura.

Já ninguém leva a sério este sector que tem vivido cada vez mais dos orçamentos das câmaras municipais que gastam milhares em bilhetes de espectáculos para agradar uma minoria.

Enquanto outros países experimentam versões da tourada sem sangue, nas últimas décadas o sector tauromáquico português não tem mostrado qualquer vontade de se transformar nem de responder a uma sociedade que já não tolera a enorme mancha de sofrimento em cada tourada.

Desligaram-se do resto do mundo para continuar a recriar as suas fantasias e representações sobre ruralidade, hierarquias e domínio da natureza. Chamam-lhe "a tradição".

Fora dessa bolha criou-se uma maioria social que já reconhece a tourada como a repetição de violência sem sentido, e que a banalização dessa violência também altera a maneira como tratamos o próximo.

Nestes anos a Terra continuou a girar, mas não para os agentes tauromáquicos. Foram-se desperdiçando as oportunidades de mudar as coisas e o fosso para diálogo entre aficionados e anti-touradas adensou-se.

Mais de 140 mil pessoas já enviaram mensagens aos ministros da Cultura de Portugal, Espanha e França pedindo que não sejam usados dinheiros públicos para apoiar o setor tauromáquico devido às restrições impostas no combate à Covid-19.

E têm razão. Um governo coerente não pode apoiar um setor que faz dinheiro do sofrimento, não pode financiar rituais ultrapassados e esquecer as suas vítimas. Sendo justas as críticas à ministra Graça Fonseca pela falta de apoios noutras áreas, ignorar a tauromaquia neste momento é mais que justificado e proporcional face ao histórico desta indústria.

Como ninguém fica para trás, nem os toureiros nem as vítimas das touradas, é mais do que justo que qualquer apoio dado ao setor tauromáquico tenha associado condições: entregando os animais (não têm dinheiro para os alimentar, segundo os próprios) e convertendo esta indústria noutras atividades, em que não continuem a magoar e matar animais por entretenimento. E que morram as touradas.

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