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Funcionários quase invisíveis

Muito se tem falado de professores e alunos, quase nada dos Auxiliares de Acção Educativa - vulgo, funcionários. Afinal, são eles que realizaram as operações materiais necessárias à reabertura das escolas. Texto de Luís Miguel Pereira.
Uma funcionária limpa uma sala de aula já disposta para o distanciamento dos alunos na Escola Secundária João de Barros, em Corroios, 11 de maio de 2020- Foto de Tiago Petinga/Lusa
Uma funcionária limpa uma sala de aula já disposta para o distanciamento dos alunos na Escola Secundária João de Barros, em Corroios, 11 de maio de 2020- Foto de Tiago Petinga/Lusa

Por estes dias (re)aprendemos a olhar o quotidiano. Vemos espaços, movimentos e pessoas antes na sombra. E trazemo-las à luz do dia. Que permaneçam. Sabemos, agora, como são importantes homens e mulheres que desempenham tarefas ditas subalternas. De tão desvalorizadas, quase invisíveis.

As escolas secundárias vão reabrir na próxima semana. Muito se tem falado de professores e alunos, quase nada dos Auxiliares de Acção Educativa - vulgo, funcionários. Todavia, imagino que esta semana tenha sido para estes profissionais mais trabalhosa e cansativa. Afinal, são eles quem realizaram as operações materiais necessárias à reabertura das escolas. Da reconfiguração das salas à acomodação da logística. São a indispensável força de trabalho.

Em boa verdade, quase sempre os vemos assim, como a força de trabalho que cuida da manutenção das escolas. Desloca, limpa e restaura equipamentos. E, claro, associamos a esta tarefa, uma outra. A vigilância dos alunos. Em qualquer dos casos, são meros executores de tarefas rotineiras, repetitivas, mecânicas. Vemos mal. Tão mal.

Ignoramos o seu trabalho no acompanhamento informal dos alunos. Nos intervalos e nas poucas horas vagas são os funcionários quem zela pelo seu bem-estar contrariando comportamentos desadequados e, não raro, sossegando inquietações juvenis tão naturais quanto dramáticas. Esse é, também, um saber-fazer dos funcionários. Há quem o faça com empenho e dedicação esmerados. Lembro-me sempre das senhoras do bar que, com engenho e discrição, facultam aos alunos suplementos alimentares – decorrentes dos apoios sociais – sem que os colegas da turma se apercebam. Fazendo de todos, apenas, miúdos.

Escapa ao nosso olhar formatado não só este trabalho de acompanhamento informal mas, sobretudo, a especificidades das tarefas funcionais de uma parte significativa dos auxiliares de acção educativa. Esquecemo-nos, por exemplo, da funcionária da biblioteca. Acolhe alunos e por norma, em simultâneo, faz a gestão do acervo bibliográfico; como uma técnica de ciências documentais de outra qualquer instituição. Com mais facilidade nos esquecemos daquele funcionário da portaria responsável pela manutenção dos computadores da escola; como o técnico de informática de outra qualquer organização.

Importa ver melhor. E ser consequente. Compreender a justeza das suas reivindicações laborais. A começar pela contratação de mais profissionais, de modo a não sobrecarregá-los até à exaustão – utilizemos o eufemismo… Passando pela devida regulamentação funcional duma actividade progressivamente desconsiderada. Mas, para lá dos orçamentos e opções ministeriais, e das escolhas dos directores, muito para cá, importa reconhecer aos auxiliares de acção educativa dignidade profissional.

Numa escola com tiques autoritários, por vezes, refém de interesses exteriores, os auxiliares são figuras institucionais fragilizadas. No fim da linha, dificilmente são ouvidos ou tidos em conta. Por exemplo, em caso de contraditório com um aluno, é sabido, estão do lado errado da estória. A falha será sempre do auxiliar e não sendo está obrigado, no mínimo, ao esquecimento. Seria bom apreciar a sua história. Isso os gestores das escolas podem fazer sem qualquer decreto ministerial. Num acto voluntário. De justiça. Enquanto não chega o devido reconhecimento.

Texto de Luís Miguel Pereira, professor do quadro

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