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Offshores, vistos gold e planeamento fiscal: o que faz a empresa que paga a André Ventura?

Com o apoio de André Ventura, deputado em regime de licença sem vencimento da Autoridade Tributária, a Finpartner ajuda os seus clientes a lucrar com as regras do fisco português. Trata-se do ramo de planeamento fiscal da sociedade de advogados Caiado Guerreiro, especialistas na aquisição de vistos gold e imobiliário de luxo.
André Ventura
André Ventura trabalha para a Finpartner, dos advogados Caiado Guerreiro.

André Ventura foi confrontado esta semana pela deputada bloquista Mariana Mortágua com a sua situação de conflito de interesses no que diz respeito ao combate à fraude fiscal e a fuga aos impostos, a propósito da transposição de uma diretiva comunitária. Ventura acumula o cargo de deputado com o de consultor da Finparter, uma empresa do universo da sociedade de advogados Caiado Guerreiro, especializada na aquisição de vistos gold e imobiliário de luxo. No seu registo de interesses, Ventura refere ter prestado serviços de consultadoria e esta sociedade entre 2018 e 2019. A ligação à Finpartner tem início em 2019, segundo o mesmo registo de interesses depositado na Assembleia da República.

No site da empresa, a Finpartner promete aos seus clientes “serviços de contabilidade, consultoria e assessoria fiscal de excelência, e respondendo a todos os desafios que a conjuntura económica e fiscal nos exige”. E diz ter uma equipa “constituída por profissionais experientes, dinâmicos e dedicados, devidamente qualificados para as funções que desempenham, assegurando desta forma aptidões técnicas e responsabilidade pelos serviços que prestam”. Um desses profissionais é André Ventura, que acumula os honorários da Finpartner com o salário de deputado, e que esta semana disse ao Observador que irá continuar a trabalhar nos seus “projetos” nesta empresa de planeamento fiscal até junho.

As regras do fisco português não são novidade para André Ventura. O deputado trabalhou na Autoridade Tributária e ainda mantém o vínculo ao fisco português, agora em regime de licença sem vencimento. Enquanto inspetor tributário estagiário, Ventura assinou um parecer em 2014 que serviu para isentar do pagamento de 1.8 milhões de euros de IVA uma empresa que trazia cidadãos líbios para receberem tratamento médico em Portugal, ao abrigo dos vistos de refugiados. A empresa pertencia a Paulo Lalanda de Castro e o Ministério Público incluiu-a na investigação aos vistos gold, por suspeita de favorecimento por parte do governo, chamando Ventura a depor.

Esse conhecimento adquirido por Ventura acerca dos mecanismos da máquina fiscal para apanhar quem quer fugir ao fisco está agora ao serviço da Finpartner. A empresa anuncia no site a oferta de apoio no caso dos seus clientes serem alvo de inspeções tributárias e até arranja moradas e caixas postais para sedes temporárias “de forma a facilitar alguns tipos de projetos ou aberturas de empresas”.

A Finpartner partilha a morada da sede com a Focuslegend Lda, que tem como gerente o advogado João Caiado Guerreiro. No seu registo de interesses apresentado no parlamento, André Ventura refere ter sido consultor da sociedade de advogados Caiado Guerreiro, dos irmãos João e Tiago Caiado Guerreiro, ambos presença assídua nos canais de televisão enquanto comentadores de assuntos jurídicos. O registo dos estatutos da Finpartner foi feito em dezembro de 2009 no escritório dos Caiado Guerreiro, com João Caiado Guerreiro a presidir à Assembleia Geral.

O site da Finpartner tem uma versão chinesa e várias referências ao apoio a processos de vistos gold e residentes não habituais, que têm regimes fiscais mais favoráveis. No mesmo prédio, alguns andares abaixo, está sediada a Finpartner Real Estate, Lda., que se dedica à “aquisição de imóveis para terceiros”, mediação imobiliária e outros serviços do mesmo ramo.

Caiado Guerreiro, offshores e vistos gold

A ligação do escritório dos Caiado Guerreiro aos vistos gold é conhecida e foi sublinhada numa queixa apresentada pela eurodeputada socialista Ana Gomes em 2018 ao presidente da Assembleia da República. Estava em causa, alegava Ana Gomes, a incompatibilidade do deputado do PSD Carlos Peixoto para ser relator do parecer ao projeto de lei do Bloco para eliminar os vistos gold. À semelhança de Ventura, Peixoto acumula o cargo com o trabalho ao serviço do grupo montado pela sociedade de advogados Caiado Guerreiro, “especializada na facilitação dos processos de obtenção de Vistos Gold através de um esquema completo de consultadoria jurídica e parcerias com agências de imobiliário”, explicava a eurodeputada.

Um dos contemplados com o Visto Gold português através dos serviços da Caiado Guerreiro foi Xiaodong Wang, cidadão procurado pelo Estado chinês por ter sido condenado por fraude a 10 anos de prisão, lembrava Ana Gomes na queixa enviada a Ferro Rodrigues. A Finpartner de André Ventura é o ramo do planeamento fiscal do grupo.

Entre as várias sociedades constituídas no universo deste escritório de advocacia, os irmãos Caiado Guerreiro detêm desde 2013 a Caiado Guerreiro INTL LLP, atualmente em processo de dissolução junto das autoridades britânicas. No site de registo de empresas do Reino Unido aparecem associadas a esta empresa outras duas sediadas em Malta: a Caiado Guerreiro International Limited e a Franco Caiado Guerreiro Holding Limited. E revela uma curiosidade: apesar de centrarem o seu negócio na aquisição da residência em Portugal por parte de cidadãos estrangeiros, o registo britânico diz que os irmãos advogados têm ambos residência fixada em Espanha

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