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Bolívia: potências reconhecem presidente golpista, Senado elege nova presidente

Enquanto EUA, Rússia e Brasil se apressaram a reconhecer a auto-proclamada presidente da Bolívia, a reunião do Senado votou uma nova presidente para este órgão. No exílio, Evo Morales quer mediação da ONU. No país, as mobilizações contra o golpe não desmobilizam.
Jeanine Añez, auto-proclamada presidente da Bolívia, recebe a faixa presidencial das mãos dos militares.
Jeanine Añez, auto-proclamada presidente da Bolívia, recebe a faixa presidencial das mãos dos militares. Fonte: Twitter.

Na sequência do golpe de Estado que afastou Evo Morales, Jeanine Añez, segunda vice-presidente do Senado, auto-proclamou-se presidente do país. A sessão do Senado em que o fez não tinha o quórum mínimo e não existiu qualquer votação que ensaiasse uma legitimação da sua declaração. Brasil, Colômbia, EUA e Rússia, entre outros governos, trataram quase imediatamente de reconhecê-la como chefe de Estado.

Añez, uma advogada e ex-apresentadora de televisão de 52 anos praticamente desconhecida do país, entrou no cargo principal da política boliviana a ostentar a Bíblia enquanto apagava vestígios de algumas das suas posições mais controversas. O serviço de fact checking, da AFP na América do Sul, AFP Factual, confirmou a veracidade dos twitts que circularam depois da sua proclamação. Neles, por exemplo, comparou as cerimónias de ano novo dos índios ayamara a rituais satânicos, atacou Morales por ser um “pobre índio” ou questionou mesmo que os índios sejam “originários” porque calçam sapatos.

A política conservadora foi nomeando um governo provisório mas parece não ter conseguido impor a tese do vazio do poder. O Senado voltou entretanto a reunir e a nova presidente eleita deste órgão é Eva Copa Murga, do partido de Morales, o Movimento para o Socialismo. Decorrem assim negociações com a oposição no sentido de negociar um acordo que permitiria a realização de novas eleições com a presidente legítima do Senado a assumir entretanto a presidência do país de acordo com a legitimidade constitucional.

Murga pretende “pacificar o país e acima de tudo defender a democracia”. A Presidente golpista tinha jurado que iria realizar eleições, não tendo nunca anunciado qualquer prazo. A única certeza era de que Evo Morales estaria excluído da possibilidade de recandidatura.

Se nas instituições se negoceia é porque as ruas não aceitaram a imposição militar. Como reação ao golpe as manifestações massivas continuam a suceder-se com La Paz, El Alto e Cochabamba no centro da contestação.

E bem menos negocial tem sido a atitude de militares, polícias e milícias que têm atacado e ameaçado membros do MAS, manifestantes e indígenas. Nos últimos dias, segundo a própria polícia, 472 pessoas de setores que se opõem ao golpe foram presas sob várias acusações, de posse de armas a desvio de fundos.

Evo quer mediação da ONU para resolver conflito

No México, onde se encontra exilado, Evo Morales manifesta-se através do Twitter e de várias entrevistas. À Associated Press, esta quinta-feira, pediu a mediação das Nações Unidas, organização na qual disse ter “muita confiança”, e mesmo da Igreja Católica e do Papa Francisco, no conflito que se segue ao golpe de Estado que o destituiu da presidência da República.

Evo Morales declarou também que, de acordo com a Constituição do país é, ainda, presidente, uma vez que o seu pedido de demissão tem ainda de ser votado na Assembleia Legislativa.

Se isso contribuir para a pacificação do país, assegura, voltará à Bolívia. Entretanto, pede “paciência e uma luta pacífica” aos seus apoiantes.

Sobre o sucedido durante o golpe mostrou-se “surpreendido com a traição do comandante em chefe das forças armadas”, Williams Kaliman. E apresentou os EUA como o “grande conspirador” que preparou o golpe

No mesmo dia, o secretário-geral da ONU, António Guterres, revelou que enviará o seu representante Jean Arnault à Bolívia na tentativa de encontrar uma solução pacífica para crise política e “garantir eleições transparentes, inclusivas e credíveis”. Em resposta, Morales saudou a decisão e agradeceu “ao irmão António Guterres”.

Numa outra entrevista, ao jornal mexicano El Universal, Morales lamentou a situação no país: “dói-me que hajam tantos mortos, dói-me que as Forças Armadas e a polícia que equipei tanto utilizem estes equipamentos contra o povo”, afirmou. Acrescentando que há um “golpe racista de Mesa e Camacho” e condenado a “ministra transitória da Comunicação”, Roxana Lizárraga, que “ameaça encarcerar por sedição os jornalistas que informam sobre a repressão”.

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