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SRU’S, empresas municipais e outras coisas neoliberais

A ideia de que os órgãos municipais não são eficazes para resolverem os problemas dos munícipes e só uma entidade de caráter privado o pode fazer, radica na velha tese neoliberal de “menos Estado, melhor Estado”.

Empresas Municipais são entidades empresariais que se regem no mercado como qualquer empresa privada, mas com 100% de capital da Câmara Municipal que a criou. Ou seja, são empresas públicas de caráter privado.

SRU’s – Sociedades de Reabilitação Urbana, são empresas municipais com 100% de capital da Câmara, criadas em Lei por Durão Barroso, com o objetivo específico de tratarem da reabilitação urbana tendo poderes especiais para tal efeito.

Que superinteligência teve esta brilhante ideia de criar empresas privadas de capital público (100%), que tem como objetivo fazer exatamente o que compete a uma Câmara Municipal, e dirigidas por administradores nomeados segunda a vontade de quem está à frente das câmaras.

Alto, grita alguém sempre:

“ As SRU’s, e as Empresas Municipais existem para resolverem com muita agilidade, e eficácia que as autarquias não têm, os problemas dos munícipes”

Haja descaramento!

Não foram os mesmos legisladores, os que criaram as leis que regem as autarquias, ditas sem agilidade e eficácia, e as empresas municipais e SRU’s, ditas super ágeis e super eficazes?

Esta gentinha defensora das SRU’s e empresas municipais só nunca explica porque o legislador não quis dotar de agilidade e eficácia as Câmaras Municipais.

A arte deste malabarismo, desta magia, só tem um objetivo: retirar do controlo democrático e constitucional dos autarcas eleitos a resolução dos problemas municipais e passá-los para entidades não controladas pelos eleitos.

Alto aí, grita alguém ainda mais alto:

“Se o presidente do Conselho de Administração de uma empresa municipal ou SRU for um vereador eleito, aí é bem mais democrático pois o vereador foi eleito” (como é o caso do atual presidente da SRU Ocidental que é o arquiteto vereador todo poderoso da CML). Santana Lopes interpretou ao máximo esta ideia e colocou quase todos os seus vereadores à frente de empresas municipais.

Aprofundemos este argumento. É o mesmo que dizer: vamos eleger vereadores, vamos criar empresas municipais para tudo e vamos colocar cada vereador eleito como presidente de cada empresa municipal e acabamos com essa coisa emperrada, ferrugenta, que são as Câmara Municipais e as Assembleias Municipais, órgãos inscritos na Constituição.

O que estes senhores no fundo, no fundo, querem dizer é que a democracia e o controlo democrático dos eleitos, são um entrave à agilidade e à eficácia dos procedimentos.

A história da nossa área polìtica

Não é apenas um problema teórico, é prático e cuja solução já tem sido experimentada. Uma boa prova dos nove de que é possível os órgãos municipais serem ágeis e eficazes, haja vontade política, foi o que se passou nos anos 90 com o fim das barracas em Lisboa, um objetivo que se dizia ser impossível concretizar em pouco tempo.

Quando foi colocado esse compromisso do fim das barracas, como condição para uma coligação pré-eleitoral municipal em Lisboa com a participação da esquerda, foi possível, em conjugação com a lei do PER (plano especial de realojamento), contruir milhares de apartamentos sociais em poucos anos.

Assim, não foi necessário criar empresas municipais para, em cerca de seis anos, construir dezenas de milhares de habitações, acabando com os bairros de barracas em Lisboa.

Ao longo dos anos, sempre interviemos contra a criação e manutenção de empresas municipais e até acabámos com algumas, depois de muita água mole ter batido em tanta pedra dura.

São exemplo em Lisboa, o fim da empresa municipal de desporto, criada por proposta do PCP, da Ambelis (Empresa para a promoção Internacional da Cidade de Lisboa), ou de outras duas SRU’s.

Quantas casas, escolas ou creches em vez de empresas municipais?

Para quê, então, o interesse de alguns nas empresas municipais?

Dois objetivos: fugir ao controle democrático e constitucional dos órgãos municipais, diminuir a democracia e a participação, e arranjar emprego para boys e clientelas eleitorais.

Existem no país para cima de 300 empresas municipais. Cada uma tem três administradores e um fiscal único. É da lei. Tudo bem remunerado, frequentemente com carro, motorista e pelo menos um(a) secretário/a (nem falemos dos assessores ou de outros funcionários).

Como dizia o grande ator António Silva num dos seus belos filmes: as contas fazem-se já aqui!

Cada empresa, com custos por baixo, incluindo os ordenados, carros, motorista, secretária, segurança social, despesas de representação, seguros, etc. custará por ano bem mais de 500.000 Euros. Nos quatro anos de mandato custará mais de 2.000.000 Euros, se multiplicarmos pelas, pelo menos, 300 empresas municipais existentes em Portugal teremos a módica quantia de 600.000.000 Euros, seiscentos milhões de euros pelo menos que essas empresas gastam aos municípios do país, num mandato de 4 anos. É bom repetir que estamos a fazer as contas muito por baixo!

Quantas escolas e quantas habitações sociais, quantas habitações a custos controlados, ou creches, se poderiam construir com seiscentos milhões de euros?

Concluindo. Esta ideia peregrina de que os órgãos municipais não são ágeis, nem eficazes para resolverem os problemas dos munícipes, e só uma entidade de caráter privado, mesmo que de capitais públicos, o pode fazer, radica na velha tese neoliberal de “menos Estado, melhor Estado”.

Eis o neoliberalismo no seu melhor, habitualmente bem defendido pelo centrão dos negócios e dos boys do PS; PSD e CDS. O nosso combate não pode deixar de ser o da valorização dos órgãos autárquicos eleitos diretamente, da capacidade de escrutínio democrático sobre as contas e ações municipais, do estímulo à participação cidadã, em vez de uma espécie de empresarialização ou de outsourcing da democracia em nome de uma falsa eficácia nos procedimentos.

Sobre o/a autor(a)

Engenheiro, ex-autarca de Lisboa
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