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A Ordem dos Médicos não sabe o que é uma “decisão técnica”

É a Assembleia da República que se está a intrometer num assunto técnico ou é a Ordem dos Médicos que se está a imiscuir na decisão política?

A reação da Ordem dos Médicos (OM) e da Ministra da Saúde à proposta de inclusão de 3 vacinas no Plano Nacional de Vacinação (PNV) é, no mínimo, curiosa! Segundo estes, a Assembleia da República terá “interferido” num assunto que é técnico mas cujos técnicos... ainda estariam a refletir sobre a necessidade destas vacinas! Vamos por partes.

Em primeiro lugar, a Assembleia da República não “aprovou” nenhuma vacina. A aprovação de medicamentos e vacinas cabe ao Infarmed, a autoridade competente que, após análise de toda a evidência científica, autoriza ou recusa a sua introdução no mercado nacional. A partir daí o médico passa a poder prescrever o medicamento ou vacina a quem dela necessita. O papel do Infarmed não se resume somente à eficácia e à segurança dos produtos, também avalia o seu impacto económico e o respetivo custo-efetividade, possibilitando ao Estado negociar o preço com o fabricante. Ora todas estas vacinas já estão introduzidas no mercado português, o que significa que toda a avaliação técnica já foi feita pelo Infarmed. Incluí-las no PNV é possibilitar a sua comparticipação a 100%, passando a estarem acessíveis a todas as crianças mas não de forma obrigatória (porque em Portugal a vacinação não é obrigatória). Face a isto parece bastante evidente que a decisão do parlamento não é técnica mas de política de saúde.

Em segundo lugar importa perguntar: serão então estas vacinas necessárias? Que não restem dúvidas sofre a afirmatividade da resposta! Se restam, então consultem as “Recomendações sobre vacinas extra programa nacional de vacinação” produzidas pela Sociedade Portuguesa de Pediatria, nas quais se pode ler, em relação à vacina contra a meningite B: “A Comissão de Vacinas recomenda: Vacinação de crianças dos dois meses aos dois anos (...)”; em relação à vacina contra o Rotavírus: “A Comissão de Vacinas: Mantém a recomendação de vacinação de todas as crianças saudáveis, reforçando a importância do cumprimento das indicações quanto à idade de vacinação”; e, finalmente, em relação ao HPV: “A Comissão de Vacinas recomenda a administração da vacina Gardasil®9, a título individual, aos adolescentes do género masculino como forma de prevenir as lesões associadas ao HPV”.

Se ainda assim subsistem dúvidas em alguns “técnicos” da OM (já que os Pediatras não as têm) ou na Ministra sobre a necessidade de incluir estas vacinas no PNV, talvez estes dados os ajudem a dissipá-las:

- O Reino Unido introduziu a vacina meningocócica para o grupo B no seu PNV em 2015 e os primeiros dados de efetividade demonstram uma redução de 94,2% dos casos causados por estirpes de meningococo B potencialmente preveníveis pela vacina;

- Mais de 80 países têm atualmente a vacina contra o Rotavírus no seu PNV;

- Em 16 países, incluindo EUA, Canadá, Austrália, Áustria e Itália já foram emitidas recomendações oficiais para a vacinação universal contra HPV (incluindo no género masculino);

Perante tudo isto, fica no ar a pergunta: é a Assembleia da República que se está a intrometer num assunto técnico ou é a Ordem dos Médicos que se está a imiscuir na decisão política?

Sobre o/a autor(a)

Médico neurologista, ativista pela legalização da cannabis e da morte assistida
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