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Fukuyama e a exigência de um lugar ao sol
“Identidades: a exigência de dignidade e a política do ressentimento”, de Francis Fukuyama, foi publicado pela D. Quixote em Portugal no passado Outubro. O nome de Fukuyama já era conhecido do público português: a mesma editora publicou “Ordem Política e Decadência Política Da Revolução Industrial à Globalização da Democracia” em 2015 e “As Origens da Ordem Política Dos Tempos Pré-Humanos até à Revolução Francesa” em 2012; “A Construção de Estados” saiu pela Gradiva em 2006.
Neste livro, Fukuyama retrata a forma como as exigências das identidades norteiam a a actualidade política internacional, forjam grupos e criam uma sensação de pertença contra a abstracção da sociedade (o caso do Estado Islâmico é um dos exemplos). Assim, as políticas identitárias passam também pela ideia da desconsideração da dignidade dos referidos grupos, razão pela qual Fukuyama acaba por concluir que é a “política de ressentimento” o que dirige as democracias europeias e norte-americana.
No que identifica como uma nova etapa entre as esquerdas e as direitas, e fazendo uma análise a uma escala abrangente, que inclui Europa e EUA, o autor conclui que a esquerda se tem “focado menos na igualdade económica em termos gerais e mais em promover os interesses de uma ampla variedade de grupos que são percebidos como marginalizados – negros, imigrantes, mulheres, hispânicos, a comunidade LGBT, refugiados e outros parecidos”. Ao mesmo tempo, a direita “está a redefinir-se como patriota que procura proteger a identidade nacional tradicional, identidade que muitas vezes é associada a raça, etnicidade ou religião” (p. 24/25).
O autor considera ainda que há três fenómenos presentes no conceito moderno de identidade: o thymos, “um aspeto universal da personalidade humana que anseia reconheciment”; a distinção entre a pessoa interior e a exterior, valorizando-se a primeira acima da sociedade exterior; uma evolução do sentimento da dignidade em que o reconhecimento deve ser universal (p. 27). Com isto, universaliza-se a dignidade, ao alargá-la, e a demanda privada transforma-se num projecto político e social. A individualidade deve ser então respeitada acima dos arranjos sociais, deve entender-se a dignidade assente na liberdade moral, universalizada, e o eu interior deve ser reconhecido.
Fukuyama conclui ainda que o nacionalismo e o islamismo (“o Islão político”) podem ser encarados como duas faces da mesma moeda, na medida em que ambos exprimem uma identidade de grupo que procura reconhecimento público. Nascidos em circunstâncias similares (modernização económica, mudanças sociais), promovem inovadoras formas de associação.
O autor nipo-americano releva assim o exemplo da identidade nacional, que nasce por uma crença na legitimidade do sistema político do país, sendo que aqui a sua democraticidade não tem peso. A identidade extrapola a ideia de crença, já que pode ser incorporada na lei ou em instituições formais, uma vez que é através destas que se considera a língua oficial da nação ou que se estabelece o compêndio do que será transmitido através do que é ensinado. E isto, claro, para além do domínio cultural e do cânone de valores.
Num e noutro caso, o político afecta o pessoal na medida em que a auto-estima individual se relaciona com a estima que é concebida no grupo em que o indivíduo se insere, e por isso os movimentos tornam-se sólidos porque dão terreno a quem, antes da concepção dos primeiros, não tinha um espaço que rompesse a sua invisibilidade, força motriz do ressentimento e razão para a exigência do reconhecimento público. Será isso, no entender de Fukuyama, a “moderna política identitária”. O termo será novo, mas estes grupos replicam as perspectivas de movimentos identitários já existentes, principalmente nacionalistas e religiosos.
Os termos identitários poderão ser mais amplos ou estreitos e cabe aos grupos marginalizados a opção entre um e outro. Ou seja, podem exigir à sociedade um tratamento equivalente ao dos seus grupos dominantes ou clamar uma identidade separada para os seus membros, exigindo respeito pela sua diferença.
Neste livro, Fukuyama defende, assim, que as exigências de identidade são um ponto fulcral na forma como a política mundial foi e está a ser delineada e que o auto-reconhecimento aos níveis de nação, religião e etnia está a remoldar as forças de inter-relacionamento entre sociedades e dentro das sociedades, motivando o espraiar de políticas anti-imigração (baseadas no fortalecimento da noção de alteridade), o Islão politizado e o surgimento dos nacionalismos em grande força.
Comentários
SOBRE FRANCIS FUKUYAMA
Senhora Ana Bárbara Pedrosa:
"O FIM DA HISTÓRIA E O ÚLTIMO HOMEM" é título de um livro, datado de 1992,
cujo autor é Francis Fukuyama.
Neste livro, Francis Fukuyama afirma que o advento da "democracia liberal" Ocidental
poderia ter assinalado o "fim da evolução sociocultural da humanidade" e a forma
final de governo humano (a democracia liberal).
"O que podemos testemunhar é não apenas o fim da Guerra Fria (1991, com a queda
da União Soviética), ou a passagem de um dado período da história do pós-guerra,
mas o fim da história: isto é, o fim da evolução ideológica da humanidade e a
universalização da democracia liberal Ocidental como forma final de governo da
Humanidade".
Esta posição de Francis Fukuyama contradiz a de Karl Marx, que previu que o comunismo substituiria o capitalismo. Francis Fukuyama identifica-se a certo nível com Karl Marx, mas muito mais com o filósofo alemão Georg Hegel, por interposta pessoa de Alexandre Kojève. Este afirmou que o progresso da história deveria levar ao estabelecimento de um Estado "universal e homogéneo", que incorporasse muito provavelmente elementos do liberalismo e da social-democracia; mas o ênfase de Kojève no caráter necessariamente "pós-político" desse Estado (e dos seus cidadãos) torna tais comparações inadequadas e é irredutível a qualquer mero "triunfo" do capitalismo.
Com este livro, editado em 1992, que já tinha sido precedido por um artigo seu de 1989, intitulado "O FIM DA HISTÓRIA" (artigo esse publicado no jornal de assuntos internacionais "The National Interest", Francis Fukuyama pretende convencer as pessoas, numa altura de crise ideológica da esquerda a nível internacional devida ao desaparecimento da União Soviética (desaparecimento esse que seria de esperar, depois da morte, no curto espaço de três anos - 1982-1985 - da gerontocracia soviética, a saber, Leonid Brejnev, Yuri Andropov - este tinha sido chefe do KGB - e Konstantin Chernenko, sucedidos por Mikhail Gorbachev, que tratou de liquidar o mais rapidamente que pode aquele regime já em decomposição; a referida "crise ideológica" só afetou quem dependia ideologicamente dos gerontocratas soviéticos, o que nunca foi o meu caso - há no site do PCP, www.pcp.pt, um comunicado do Comité Central do PCP, datado de 29 de Agosto de 1991 que mostra claramente que, nessa data, os rapazes já não sabiam para onde se haviam de virar). Em resumo, Francis Fukuyama aproveitou-se da desorientação de uma parte da esquerda a nível internacional, os partidos comunistas pró-soviéticos, para tentar vender ao mundo a "democracia liberal" à la EUA ou União Europeia, isto é, o capitalismo liberal como forma última de governo a nível mundial. A humanidade já não precisava de evoluir mais do ponto de vista sociocultural, já nem precisava de pensar. Já tinha o "regime último" de que necessitava, a democracia liberal e o sistema económico que lhe convinha, o capitalismo liberal. E houve quem fosse na conversa. Em Portugal, por exemplo, o nosso PS.
Em Portugal, nessa altura (anos 1990) as alternativas a esta maneira de pensar ainda tinham pouca força. Hoje em dia já têm força suficiente para se fazerem ouvir e para tirarem os portugueses do marasmo.
QUEM É FRANCIS FUKUYAMA?
Yoshihiro Francis Fukuyama (Chicago, 27 de outubro de 1952) é um filósofo e economista político nipo-estadunidense.
Figura chave e um dos ideólogos do governo Ronald Reagan, Francis Fukuyama é uma importante figura do conservadorismo. Também é considerado o mentor intelectual de Margareth Thatcher. Doutor em ciência política pela Universidade de Harvard e professor de economia política internacional na Universidade Johns Hopkins, em Washington.
As suas posições ideológicas foram contestadas desde o lançamento de O FIM DA HISTÓRIA E O ÚLTIMO HOMEM, tornando-o uma figura repudiada pelos pensadores da esquerda. Francis Fukuyama acredita que o seu livro foi mal interpretado no meio intelectual.
Pergunta de Anabela Mota Ribeiro a João Galamba do PS:
Fez-se adulto já no “Fim da História”, para usar a expressão de Fukuyama; ou seja, depois de 1989. Houve uma cisão à qual não assistiu, um mundo que não conheceu. É o resultado destes dois mundos?
Resposta de João Galamba:
Estudei Economia numa faculdade muito liberal onde o discurso de Fukuyama fazia sentido.
Ainda há no PS quem recorde com saudade "O FIM DA HISTÓRIA" de Francis Fukuyama.
Fernando Manuel Sousa Justino
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